'Reforma'

Capitalização da Previdência é o Estado se afastando da Constituição

Em parecer, professor observa que mudanças no Brasil vão no sentido de concentrar o risco no indivíduo e direcionar o benefício para o sistema financeiro

Agência Brasil

Congresso comemora a promulgação da Constituição de 1988, que consolidou direitos sociais, agora sob risco

São Paulo – A mudança para um sistema de capitalização na Previdência mostraria um Estado “cada vez mais ausente e distante” da Constituição de 1988, observa o jurista André Ramos Tavares, professor titular da Faculdade Direito da Universidade de São Paulo (USP). Com isso, a pessoa passa a ser a única responsável pelo seu bem-estar, enquanto se transfere para o mercado financeiro situações com o “necessário atrativo do retorno econômico”.

Em outras palavras, diz ainda Tavares, as mudanças em curso no país – incluindo a “reforma” trabalhista – resultam na “transferência de todo o risco social para o indivíduo isolado” e no “benefício que é único e direcionado exclusivamente para o sistema financeiro”. O professor elaborou parecer jurídico a pedido da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas).

“A capitalização como caminho mágico de retomada para o país, em realidade, apenas reforça tendências recentes. Insere-se no amplo movimento de estímulo e ampliação estatal da atividade financeira de poucas instituições privadas autorizadas a operarem, em sistema altamente concentrado, extremamente opaco e sem qualquer controle social”, afirma o jurista. É um sistema, prossegue, com funcionamento oposto ao de repartição e solidariedade, público, adotado a partir da Constituição de 1988.

“A transformação de aposentadorias em ativos financeiros é medida de evidente privatização ampla e irrestrita do modelo”, aponta Tavares, para quem “o Estado social é abalado estruturalmente pela radicalidade inerente à capitalização como modelo substituto para a previdência social”. Ele conclui que essa mudança – da solidariedade para a individualidade – “viola o nível de proteção à dignidade alcançado em 1988”.

Um dos problemas apontados no parecer é “ignorar os inevitáveis vínculos entre as relações trabalhistas em geral e o sistema previdenciário (que compõem o Estado social)”. “O desmantelamento de um funciona como combustível para implodir o outro”, lembra.

Não se trata de mudanças pontuais, observa o jurista. “Estamos diante de uma proposta de mudança altamente impactante para um tema muito sensível, desde a redemocratização, que é a reconstrução das relações sociais brasileiras, para não falar do significado mais intuitivo desse tema, que é a escolha de um modelo de futuro para o Brasil.”

Leia aqui a íntegra do parecer.