Era Bolsonaro

Para analista, Brasil entrar para a OCDE é um objetivo político muito distante

Na avaliação de Giorgio Romano, debate mais importante é sobre o Brasil discutir questões como a OMC, relacionadas a países em desenvolvimento, de maneira bilateral com os Estados Unidos

Isac Nóbrega/PR

Bolsonaro e Trump: relações bilaterais substituindo articulações mais amplas

São Paulo – O governo de Jair Bolsonaro não confirmou que o Brasil tenha aberto mão do status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca de ser aceito como membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por enquanto, a interpretação é a de que o Brasil abriu mão “de usar alguns espaços” na OMC, segundo interpretação do diretor-geral da organização, Roberto Azevêdo, no dia 21, após o presidente dos Estados Unidos Donald Trump afirmar que está apoiando os esforços do Brasil para fazer parte da OCDE, durante visita do brasileiro.

“O governo diz que discutiu não usar dispositivo de tratamento diferenciado baseado nesse status, mas nega que tenha discutido abrir mão do status de país em desenvolvimento”, diz  Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório de Política Externa (OPEB) da instituição. “Conseguir o apoio dos americanos não significa que o Brasil entra amanhã na OCDE. Vai demorar muito e pode ter resistência dos europeus.”

Seja como for, para ele, a discussão sobre ganhos e perdas quanto às intenções do Brasil de fazer parte da OCDE é exagerada. O debate mais importante é outro: o Brasil está discutindo questões sobre a OMC, relacionadas a países em desenvolvimento, bilateralmente com os Estados Unidos, uma solução que interessa aos americanos e não a um país emergente como o nosso.

“Durante décadas, o Brasil articulou posições com outros países em desenvolvimento. O direito do tratamento diferenciado que beneficia o país na OMC, por exemplo, não é uma conquista decorrente de relações bilaterais, mas de articulações dos países do Sul, em desenvolvimento, com os ricos, para tentar balancear os enormes desequilíbrios que têm no mundo.”

Privilegiar negociações bilaterais com os Estados Unidos implica em menosprezar diálogos com países africanos e asiáticos, questões inerentes aos Brics, entre outras. “O Brasil participou ativamente, em alguns momentos até como líder, de articulações dos países emergentes. O que é grave nessa discussão são as perdas decorrentes de se privilegiar o diálogo bilateral com os Estados Unidos”, diz Giorgio Romano.

Quanto às aspirações brasileiras de fazer parte da OCDE como membro – o que o ex-presidente Michel Temer tentou sem sucesso  –,  o professor da UFABC avalia que se está abordando a questão de maneira exagerada. “Tanto para criticar quanto para defender, está se exagerando um pouco o significado. Os Estados Unidos nem entendem muito bem por que o Brasil faz tanta questão, porque o Trump mesmo não tem nada a conceder.” 

Mas não será entrando para o clube de países ricos que vai melhorar situação econômica do Brasil e incentivar investimentos. “O México é membro da OCDE. Dá prestígio, mas o Brasil continua um país pobre”, diz Giorgio. “Além disso, esse é um organismo intergovernamental que na verdade já perdeu bastante seu sentido. Não é lá que se discutem as articulações de respostas  a crises econômicas, por exemplo. Quando houve a crise de 2008, o debate não foi na OCDE, mas no G20.”

A pretensão de Bolsonaro tem um objetivo político. “O governo tem que mostrar alguma coisa, porque não consegue mostrar nada. Na OCDE, poderia dizer que “agora somos parte dos países ricos, somos considerados um país viável,  somos levados a sério pelos países mais ricos do mundo.”

Ao entrar na OCDE, o país se compromete com regras econômicas liberalizantes, o que o governo já faz, observa o analista. “Os ultraliberais teriam um argumento a mais de pressão para liberalizar, privatizar, abrir a economia.”

Acontece que a pretensão do atual governo brasileiro está muito distante de se realizar. Primeiro porque não é Trump quem decide. E, na Europa, a maioria dos países está longe de ter simpatia pela política ambiental e de direitos humanos de Bolsonaro.

“Trump colocou o Brasil na geladeira, para frustração do governo Temer. Só que agora a bola está com os europeus. Significa que Bolsonaro tem que ter muito cuidado nas políticas ambientais. Não pode ser contra regras do Acordo de Paris, por exemplo.”

Em 2017, o governo Temer chegou a montar um Grupo Interministerial de Trabalho sobre a OCDE, coordenado pelo Itamaraty. Nele, foram contempladas áreas como proteção ao consumidor, “boas práticas em matéria ambiental”, uso de energia, movimento seguro de dejetos perigosos e educação, entre outros.

Já com Bolsonaro, “boas práticas em matéria ambiental” parecem estar cada vez mais distantes do horizonte, o que a tragédia de Brumadinho simboliza com perfeição.

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