geopolítica

Para analista, governo precisa de relações pacificadas entre EUA e China

Após 'guerra comercial' no ano passado, superpotências chegaram a uma 'trégua' no final de 2018. Para Giorgio Romano, agravamento da tensão prejudicaria agenda ultraliberal do governo

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Chefes de Estado Xi Jinping e Donlado Trump chegaram a uma trégua no final de 2018, na Argentina

São Paulo – Independentemente das confusões e “bateção de cabeça” entre membros do governo Jair Bolsonaro, a política econômica será uma sequência da adotada por Michel Temer, ue vai depender do cenário internacional e das relações entre Estados Unidos e China. Os dois países travaram no ano passado uma intensa “guerra comercial”, mas chegaram a uma trégua de 90 dias no encontro do G-20 em dezembro, na Argentina.

Com um cenário internacional apaziguado, o governo Bolsonaro poderá tocar sua pauta ultraliberal sem muitos percalços, mas dependerá do parlamento. “Eles sabem muito bem aonde querem chegar na economia: abertura, privatizações, venda das subsidiárias das estatais. Na questão do petróleo, a continuidade dos leilões, o andamento do projeto relativo à cessão onerosa etc. Isso tudo vai acontecer. A dúvida é até onde o governo conseguirá a aprovação no Congresso”, diz Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (Ufabc).

Ele avalia que o governo empossado no dia 1° tem um grupo de apoio muito claro, formado pelo agronegócio e o setor financeiro, além dos militares. Mas estes últimos, em sua opinião, parecem não ter um projeto próprio. “O projeto não é deles. Eles estão lá para marcar posição, ‘manter a ordem’, mas não têm muita posição sobre questões econômicas. E a ordem no Brasil não está ameaçada.”

Já a questão China x Estados Unidos é um fator de peso para o atual governo, porque envolve muito mais do que a – com razão – muito destacada balança comercial brasileira. A “guerra” entre Pequim e Washington envolve questões de investimento, influência geopolítica, o setor de telecomunicações e o suposto roubo de propriedade intelectual por parte da China, segundo acusou o governo de Donald Trump, entre outras.

Para os ultraliberais que conduzem a economia, seria inconveniente o Brasil criar problemas com a China, o maior parceiro comercial do país. Segundo o Ministério da Indústria e Comércio Exterior, em 2017 o Brasil exportou aos chineses US$ 47,5 bilhões e importou US$ 27,3 bilhões, com superávit de US$ 20,2 bilhões.

Mas Giorgio destaca que as relações entre China e Estados Unidos interessam muito ao governo brasileiro não só pela balança comercial. “Se a coisa se acalmar entre os dois países, fica mais fácil para o governo continuar com sua agenda ultraliberal. Se houver um tensionamento muito forte, o alinhamento (entre Brasil e EUA) vai se dar na questão política, na questão Venezuela, Israel, na questão climática etc.”, avalia.

Com uma intensificação do conflito entre as superpotências, os EUA cobrariam alinhamento dos países da região e, em troca disso, criariam condições para que o Brasil se enquadrasse. Nesse caso, se o Brasil subscrever a pauta norte-americana, a briga se estenderia também dentro do próprio país, conturbando a agenda do governo.

O analista ressalta que esse cenário – em que o Brasil faria parte de um grupo liderado pelos EUA que tentaria impedir o avanço da China na hierarquia global – está muito distante. É, atualmente, apenas uma hipótese. “É uma situação muito diferente do que vivemos hoje.”

“Por tudo isso, para o Brasil e para esse governo em particular, seria muito melhor uma situação tranquila. Não precisaria se alinhar numa frente anti-China, que não convém ao país e não tem unanimidade dentro do governo. E os liberais não querem.”

Outro recuo

Nesta terça-feira, houve mais um recuo de Bolsonaro sobre ideias de seu governo. No caso, sobre a instalação de uma base militar norte-americana no Brasil. O recuo teria sido motivado por descontentamento que a ideia teria provocado nas Forças Armadas. Segundo a Folha de S. Paulo, Bolsonaro teria informado aos militares que não haverá base nenhuma.

“É preciso olhar o quadro geral dessas declarações que são feitas a toda hora. Não tem nada, nenhum projeto de base militar, nem os Estados Unidos pediram. Foram apenas falas. Vão ter muitas dessas falas, que na verdade vão servir para desviar a atenção do que de fato está acontecendo. Coisas como essa não estão na agenda”, diz Giorgio Romano.