Entre crise e futuro

Para Jorge Mattoso, ‘Brasil de amanhã’ depende de batalha permanente

Na opinião de ex-presidente da Caixa, setores progressistas têm três lutas pela frente: a eleitoral, a luta para manter a democracia e, depois, a de governo, para enfrentar a crise deixada por Temer

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Jorge Mattoso (dir.), com Esther Dweck e Ricardo Carneiro, é um dos organizadores. Livro tem diversos autores

São Paulo – O Brasil de amanhã implica três batalhas nas quais são necessários resultados positivos, afirma o economista Jorge Mattoso, professor da Unicamp e ex-presidente da Caixa Econômica Federal. “A primeira é eleitoral. A segunda é a batalha democrática, de valorização e sustentação da democracia, contra as tentativas de aprofundamento do golpismo. E a terceira diz respeito ao que venha a se consolidar após a vitória nessas duas batalhas, com a constituição de um governo”, diz.

“Não vai ser fácil, dadas as condições econômicas do país depois das políticas do Temer, do PSDB e desse conjunto que constituiu o golpe pós-Dilma. Sair desse buraco vai ser, eu diria, uma terceira batalha, um desafio muito grande”, prevê. Mattoso, junto com Ricardo Carneiro (Unicamp), é um dos organizadores do livro O Brasil de Amanhã, lançado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e o Instituto Lula nesta sexta-feira (21), em debate com a participação da também economista Esther Dweck (da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Além de artigos dos organizadores e de Esther, o livro traz textos de André Biancarelli, Carlos Gabas, Clemente Ganz Lúcio, Ernani Teixeira Torres Filho, Fernando Sarti, Guilherme Santos Mello, José Sérgio Gabrielli, Pedro Rossi, Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, William Nozaki e Rui Falcão. 

No evento, que pode ser visto aqui, os debatedores analisam a política econômica do governo Michel Temer, a conjuntura brasileira e as perspectivas para a retomada do crescimento, combate à pobreza e desigualdade.

Com participação ativa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as discussões que deram origem aos artigos de O Brasil de Amanhã foram promovidas por um grupo coordenado pelo ex-ministro Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais dos governos Lula e Dilma Rousseff.

Os artigos publicados abordam política econômica, questões monetária, fiscal e tributária, e outras, como petróleo e Petrobras, indústria, bancos públicos, BNDES, políticas sociais e Previdência. 

O Brasil de Amanhã pode também ser acessado gratuitamente na internet neste link.  Jorge Mattoso falou à RBA.

Como se realizou O Brasil de Amanhã?

O livro é resultado de um grupo amplo, criado pelo Lula, com papel fundamental dele e de Marco Aurélio Garcia, que coordenou. Lula participou ativamente desse grupo, cuja ideia era trazer pessoas com experiência inclusive de governo, gente que participou em instituições públicas, e um pessoal mais jovem, de economistas e professores universitários. A obra vem de uma primeira fase desse grupo, quando se discutiu um conjunto de temas e depois se pediu para as pessoas escreverem textos de sua autoria.

Em que período se deram essas discussões?

Do final de 2006, quando o grupo foi montado, a 2017. Os textos são todos de meados de 2017, portanto, alguns não incorporam políticas implementadas pelo governo Temer como, por exemplo, a reforma trabalhista. O grupo foi muito importante e Lula deu um peso grande. Ele participava de quase todas as reuniões, com aquele espírito típico do Lula: ouve, opina, critica. O livro é resultado dessa primeira fase do grupo.

Pensando nos temas abordados, que “Brasil de amanhã” você imagina?

O Brasil de amanhã implica três batalhas nas quais são necessários resultados positivos. A primeira é a batalha eleitoral; a segunda, a batalha democrática, de valorização e sustentação da democracia, contra as tentativas de aprofundamento do golpismo e desconstrução democrática, presente sobretudo na campanha do Bolsonaro, mas não só; e o terceiro desafio do futuro diz respeito ao que venha se consolidar após a vitória nessas duas batalhas, a eleitoral e a democrática, com a constituição de um governo, que não vai ser fácil, dadas as condições econômicas do país depois das políticas do Temer, do PSDB, desse conjunto que constituiu o golpe pós-Dilma. Sair desse buraco vai ser, eu diria, uma terceira batalha, um desafio muito grande. 

Entre as medidas de Temer, uma das mais difíceis de superar seria a Emenda 95, do teto dos gastos, que provoca efeitos muito violentos e em cascata?

A Emenda 95 é um exemplo único no mundo, não existe em lugar nenhum. Com ela é impossível estabelecer um crescimento com distribuição de renda, portanto, tem que ser enfrentada. É um desafio muito grande. Ela e a reforma trabalhista trazem impactos sobre a economia e o mercado de trabalho. Além do crescimento do desemprego, você tem uma precarização extraordinária do mercado de trabalho, que está num nível muito grande de insegurança. Faltam elementos capazes de ajudar no crescimento. Essas são duas guerras que terão de ser feitas com a ajuda do parlamento para a desconstrução dessas medidas.

Fernando Haddad disse acreditar que ninguém aguenta mais a crise e também que, por isso, se eleito, poderá contar com certa boa vontade do Congresso…

Se a gente não acreditar nisso não tem como alterar medidas que necessariamente terão que passar pelo Congresso. Não temos como avaliar como o Congresso será alterado pelo processo eleitoral, do ponto de vista das forças políticas, e nem quanto dessas forças que participaram do golpe estarão em condições e com disposição de reverter suas posições e apoiar um novo governo.

A gente até já vê situações nesse sentido. A autocrítica do Tasso Jereissatti é muito forte. É uma autocrítica de uma parcela daqueles que participaram do golpe desde lá atrás, em 2013, 2014, quando se deu a ofensiva contra a Dilma, depois o não reconhecimento da vitória eleitoral, e por fim a vitória que tiveram no impeachment. A fala de Jereissati pode indicar que uma parcela do parlamento, mesmo que reeleita, possa se autocriticar e apoiar um novo governo. Jereissatti de alguma forma representa uma parte do PSDB que se dá conta dos erros e que não dá para apoiar Bolsonaro.

E a questão dos bancos públicos nesse “Brasil de amanhã”? Concorda que, quanto a isso, Temer não conseguiu desconstruir como fez com o petróleo e a Petrobras?

Ele tentou, e fez com que os bancos públicos passassem a ter atitude de bancos privados. Elevou os juros, elevou o spread mais do que os bancos privados. Cortou financiamentos para a população de menor renda, tanto em relação ao Minha Casa Minha Vida, quanto qualquer tipo de financiamento e crédito. Então, eles fizeram um movimento de, entre aspas, privatização dos dois bancos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), no sentido de dotá-los de um funcionamento privado, e não público.

Em parte, no caso da Caixa, como resultado inclusive do acordo de Basileia 3 (de 16 de dezembro de 2010), que exige que em 2018 e 2019 sejam aportados recursos de maneira a reduzir os riscos. Como o Tesouro não pode ou não quer aportar a Caixa, apesar de o Estado ser o dono do banco, eles fizeram a Caixa aumentar extraordinariamente a lucratividade, para não precisar fazer o aporte por parte do Tesouro. Agora, isso é um jogo para privatizar efetivamente, no futuro. Se Bolsonaro ganhar, eles vão para a privatização dos bancos públicos sem dúvida.

Mesmo Geraldo Alckmin…

Mesmo Alckmin, não tenho dúvida. Eles têm expressado isso.

O mercado financeiro aceitaria uma vitória da centro-esquerda, com Haddad ou Ciro Gomes, que anunciam medidas para combater a “farra financeira”? Haddad, por exemplo, que se compromete a combater o spread, seria aceito pelo mercado?

As medidas e propostas que estão no programa de governo (de Haddad) reconhecem a necessidade de se alterar o quadro de competitividade e concorrência, e de maior aporte de recursos ao crédito e financiamento. Isso impõe algumas medidas corretivas. Você mesmo citou a questão do spread. A proposta é de cobrar impostos mais elevados dos que tiverem spread mais alto e impostos menores dos que cobrarem menos, em relação à média de mercado. Há medidas que são indispensáveis. Também tem que fazer com que os bancos públicos retomem a política de crédito, financiamento para agricultura, habitação, infraestrutura.

O papel anticíclico, como na crise de 2008…

Vai precisar fazer isso. Nenhuma medida é de eliminação do setor financeiro, mas se abre caminho para uma discussão. Não diria para um apoio, mas para um reconhecimento de que muitas dessas medidas poderão e deverão ser implementadas.

O imprevisível representado por Bolsonaro interessaria de fato ao mercado?

Ontem a revista The Economist deixa claro que ele traz mais insegurança efetiva para o mercado tanto financeiro como produtivo. Não traz nenhum tipo de segurança para ninguém, nenhum setor da economia. Achei muito importante. Aqui, uma parte do setor financeiro não está dando opinião. Eu não ouvi nenhuma opinião do Bradesco, do Itaú, favorável ao Bolsonaro, mas estão calados. A Economist foi “pra rua”, no sentido de questionar, expressar opinião. Aqui, se não apoiam, estão calados.

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