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Para economista de Ciro, teto de gastos do governo Temer é ‘embromação’

Em sabatina, Mauro Benevides defendeu ajuste fiscal para retomar investimento e detalhou cortes e impostos que pretende elevar para garantir o equilíbrio das contas públicas

Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress

Benevides defendeu ajuste fiscal sem ideologia: “não existe política social sem dinheiro”

São Paulo – O economista Mauro Benevides, coordenador das propostas econômicas do candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) defendeu, em sabatina realizada pelo Grupo Estado, em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), nesta terça-feira (18), a aplicação de um ajuste fiscal num eventual governo Ciro, mas se distanciou das propostas mais liberais que “tratam os cortes como um fim em si mesmo”. Segundo ele, o equilíbrio nas contas públicas deve servir justamente para que o Estado possa atender as demandas da população em educação, saúde, segurança pública e investimentos em geral.

“Os gestores vendem mal o ajuste fiscal. A percepção da população é que isso representa somente cortes, quando, na verdade, ajuste fiscal é dotar o Estado de condições de atender essas demandas, para reestruturar o sistema educacional, ampliar o atendimento de saúde, com reforço da segurança, enfim. Não existe política social sem dinheiro. Ajuste fiscal não pode ter ideologia”, afirmou.  

Benevides citou o exemplo do estado do Ceará, onde serviu como secretário da Fazenda das gestões Ciro e Cid Gomes e, conforme relatou, conseguiu alavancar os investimentos públicos para 13% das receitas. Ele comparou com os investimentos do governo federal, que chegaram atualmente ao menor patamar desde 1947, correspondendo a 1,8% do PIB, e criticou a Emenda Constitucional (EC) 95, conhecida como Teto de Gastos, aprovada pelo governo Temer.

“No ano passado, o gasto com pessoal aumentou mais que a Previdência. Essa PEC dos gastos está controlando o quê? O governo federal está cortando investimentos. Alguém precisa vir a público dizer aonde está o controle de gastos, porque senão é uma mera embromação. Daqui a pouco, o investimento federal vai a zero. E está todo mundo achando bom. Não existe controle de nada, o que existe é uma redução brutal do investimento público, que precisa ser recomposto.”

Do lado dos cortes, Benevides prometeu reduzir os subsídios tributários, que hoje somam perdas acumuladas de R$ 354 bilhões anuais, a determinados setores da economia. Ele disse que, deste total, ao menos R$ 45 bi são “fáceis de corrigir” e  que vai cortar isenções de impostos que considera “absurdas”, como a isenção de PIS/Cofins para queijo tipo suíço, por exemplo. 

“A ideia é examinar aquele gasto tributário que foi feito, se o setor correspondeu, se ampliou a sua atividade de produção ou só incorporou margem de lucro, se gerou empregos e novos tributos”, explicou o economista. “Faz sentido gastar 5% do PIB para segmentos que não estão dando nenhuma contrapartida?”, criticou em outro momento. 

Também prometeu rever a chamada “pejotização”, de onde sairiam outros R$ 12 bi, segundo ele. “Vamos retirar essa história de uma empresa de uma pessoa só. Isso contribui para o problema previdenciário, para a diminuição da arrecadação do imposto de renda.” Ele também propôs cortes de 10% em “despesas discricionárias” do funcionalismo público, que contribuiriam com outros R$ 12 bi. 

Do lado da receita, Benevides defendeu a recriação do Imposto de Renda sobre dividendos distribuídos a pessoas físicas, que é o lucro das empresas repartido entre os acionistas, livre de impostos – desde o governo Fernando Henrique Cardoso – e que “somente o Brasil e a Estônia não cobram”, disse. Em troca, o economista prometeu redução no Imposto de Renda para pessoas jurídicas, o que segundo ele, criaria uma tributação “mais justa”. 

Outra distorção que Ciro pretende corrigir, segundo o seu economista, é a excessiva cobrança de impostos sobre o consumidor. Segundo ele, mais da metade da arrecadação do país, de cerca de R$ 2 trilhões anuais, advém do consumo, enquanto impostos sobre a propriedade arrecadam cerca de R$ 84 bi. “É talvez a maior regressividade de um sistema tributário no mundo.”

Ele também defendeu a elevação de impostos cobrados sobre heranças. Segundo Benevides, enquanto o Brasil cobra de 4% a 8%, nos Estados Unidos, a alíquota mínima é de 24%, podendo chegar a 42%, o que explica a cultura filantrópica dos milionários americanos, que doam para programas sociais e universidades, por exemplo. “Por isso que a cultura de doações nos Estados Unidos é tão grande. É melhor doar que dar 42% para o setor público.”

“Imposto para rico, no Brasil, é muito contestado. É impressionante. Estou preocupado é com o andar de cima, não é com a classe média, nem com a classe menos favorecida. Quando se fala que vamos aumentar o Imposto de Renda sobre lucros e dividendos, estamos falando em pessoas que precisam contribuir para o Brasil.  A classe média paga o IPVA do seu carro. O andar de cima compra um avião e paga zero, compra o barco e paga zero”, exemplificou. 

Previdência

Benevides também defendeu como prioritária a realização de uma reforma da Previdência. A inovação da proposta de Ciro é a transição de um sistema de repartição como é hoje – em que as pessoas da ativa colaboram para o pagamento dos aposentados – para um sistema de capitalização, em que o cidadão que exceder o teto das aposentadorias a ser estabelecido, de cerca de R$ 5 mil, poupa para receber quando estiver aposentado. 

“A taxa de natalidade está caindo. Não precisa ser brilhante em economia para perceber que as pessoas estão vivendo mais. Não precisa ser doutor em nada para saber que o regime de repartição não se sustenta”, defendeu o Benevides, que rebateu as críticas de que a transição para o regime de capitalização teria um custo proibitivo. Segundo ele, a mudança de modelo custaria em torno de 17 bi, o equivalente às perdas econômicas acumuladas pela greve dos caminhoneiros em maio passado.  

Política monetária

Benevides também defendeu a criação de um conselho, aos moldes do Comitê de Política Monetária (Copom) – que define a taxa de juros – para a regulação das transações cambiais. Segundo ele, as negociações do chamado “swap cambial”, que visam a amortecer as flutuações da moeda americana, estão na mão de apenas uma pessoa que movimenta centenas de bilhões em moeda estrangeira e nacional num único dia.

Ele também afirmou que a queda a atual queda na inflação não se deveu apenas à política monetária do Banco Central, mas também à queda na atividade econômica por conta da recessão. “Há um excesso em dizer que foi a taxa de juros. E a velocidade de queda na taxa de juros foi errada. Durante 8 meses, tivemos elevação da taxa de juro real.”

Petróleo e privatizações

O economista também endossou a proposta de Ciro de trazer de volta para o Estado campos de petróleo do pré-sal que foram vendidos pelo governo Temer a empresas estrangeiras. “O petróleo, no mundo, 80% do segmento é público. Carcará, o maior poço que a Petrobras vendeu, quem comprou não foi a Exxon, não foi o setor privado. Foi o setor público, uma estatal norueguesa.” Sobre o preço dos combustíveis, mais especificamente, ele criticou tanto a política de preços do governo Dilma, “que tabelou preço”, quanto a do governo Temer, com Pedro Parente à frente da estatal, “que não tem a menor visão”, que estabeleceu a flutuação dos preços de acordo com a variação do mercado internacional. Ele lembrou que outras commodities, como a soja e o trigo, não têm variação diária dos preços.

Sobre a privatização de empresas públicas, Benevides afirmou que “tirando quatro, cinco empresas emblemáticas para a governança” – Petrobras e bancos públicos – não vê restrições em privatizar, mas, novamente, tentou se diferenciar dos mais liberais. “Primeiro passo é tornar eficiente. Não deu, privatiza. O que não pode é dizer que vai resolver o déficit primário vendendo patrimônio para resolver despesas correntes.”

SPCiro

Benevides defendeu a proposta de Ciro para renegociar a dívida das 63 milhões de pessoas que estão com o nome sujo, e afirmou que a proposta não envolve dinheiro público. O Estado vai entrar, através dos bancos públicos, para parcelar a dívida em até 36 vezes durante a renegociação. Ele disse que, por inspiração da proposta do candidato, SPC e Serasa já estariam estudam fazer o parcelamento das dívidas, já que o pagamento à vista é o principal entrave para a quitação. Ele também ironizou outras candidaturas que “copiaram” a proposta.

Confira a íntegra da sabatina Estadão/FGV