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Privatização da Eletrobras pode ter impacto na segurança da rede elétrica

Segundo o presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, empresas de energia privatizadas precarizam a manutenção da rede e expõem trabalhadores e população a riscos

Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

Em nome do lucro, manutenções preventivas foram substituídas por corretivas, aumentando os riscos

São Paulo – A proposta do governo de Michel Temer (PMDB) de privatizar a Eletrobras pode ter consequências sérias para a população brasileira, alerta o presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato, o Chicão. Segundo ele, quase 20 anos depois do início da privatização do setor elétrico do país, é possível avaliar os impactos da mudança na rotina dos trabalhadores, na infraestrutura e para a sociedade.

“Não é bom para a população, não é bom para o trabalhador, não é bom pra ninguém. No passado, diziam que a privatização traz inovação tecnológica e baixa a tarifa. O que foi provado pra gente? Que privatização retira investimento, rebaixa o salário dos trabalhadores e precariza a rede elétrica, colocando a população em risco e aumentando a tarifa”, afirma Chicão.

O parque gerador de energia da Eletrobras é composto por 233 usinas, sendo 47 hidrelétricas, 114 termoelétricas, duas termonucleares, 69 eólicas e uma solar. A empresa gera 170 mil gigawatts/hora (Gwh) de energia, sendo a maior companhia do setor elétrico da América Latina, responsável por atender 1/3 do consumo anual de eletricidade do Brasil. O governo Temer anunciou, em agosto, a estimativa de vender a Eletrobras por algo entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões, um valor semelhante ao gasto apenas na construção da Usina de Belo Monte – a Eletrobras detém 49,98% de participação no consórcio que a administra.

Além do investido em Belo Monte, o presidente do Sindicato dos Eletricitários destaca os recentes recursos gastos com Angra 3, a remodelação nas distribuidoras do Norte e Nordeste, o redimensionamento de máquinas em Furnas e a montagem das eclusas em Tucuruí (PA), ligada à usina hidrelétrica da região. Um conjunto de obras de melhorias que agora podem ser entregues de “bandeja” para a iniciativa privada.

“Foi ‘recondutorada’ toda a transmissão do parque energético brasileiro, ou seja, trocados todos os cabos para atender à necessidade de todos os estados, interligando um com o outro com as novas gerações de energia eólica e termelétrica que foram construídas. Tudo isso foi feito para melhorar o país e então vão entregar pra iniciativa privada explorar com preços estratosféricos contra a população? Isso é no mínimo injusto, esse papel entreguista que o governo está fazendo, o povo não merece passar por isso e temos que combater a entrega do patrimônio público”, defende Chicão.

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a privatização da Eletrobras poderá aumentar as contas de luz em até 10%. A alta da tarifa, porém, é apenas a face mais exposta das consequências da privatização, pondera o presidente do Sindicato dos Eletricitários. Ele enfatiza que há uma relação direta entre energia e saneamento e, nesse sentido, o aumento da tarifa de luz impactará também a conta da água. Como consequência, Eduardo Annunciato explica que tudo isso atinge os custos de produção de indústria e até dos alimentos, pois muitos produtores agrícolas poderão perder os subsídios hoje recebidos para irrigação das lavouras.

Linha viva

Para o presidente do Sindicato dos Eletricitários, o impacto da privatização da Eletrobras nas contas de luz, água, produção industrial e agrícola é apenas uma parte das consequências. Há outras menos visíveis e menos sentidas no bolso, mas talvez mais graves, como, por exemplo, a manutenção da rede elétrica.

Chicão é enfático ao afirmar que a privatização do setor elétrico piorou a manutenção e a segurança nas redes de energia. Segundo ele, as chamadas “manutenções preventivas”, que antes eram a regra no setor, praticamente acabaram, substituídas pela “manutenção corretiva”, que aumenta o risco de acidente para os trabalhadores.

“A cada 500 metros há um defeito na linha, e a cada dois quilômetros há um defeito gravíssimo. Isso é possível identificar visualmente. É um campo minado nas nossas ruas”, disse ele, em conversa com jornalistas, nesta quarta-feira (20), na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. “O privado preza só o lucro, vai até o limite, até degringolar, e o risco para a população é muito maior. O prejuízo será incomensurável, tenebroso.”

Como exemplo, Chicão cita a manutenção em “linha viva” – um método em que o trabalhador se “conecta” na rede de energia ligada, com roupas especiais. O corpo fica energizado, mas não recebe a corrente elétrica. Historicamente, o procedimento era adotado para consertos pontuais, pois antes das privatizações a praxe era a manutenção preventiva, para a qual a rede de energia é desligada por algum tempo enquanto os trabalhadores atuam. Nos últimos anos, entretanto, a manutenção em “linha viva” passou a ser a prática recorrente, aumentando o risco de acidente e a pressão psicológica nos profissionais.

“A lógica das empresas privadas é energia passando, relógio ligado e dinheiro entrando”, afirma o dirigente, explicando a razão pela qual as empresas preferem não mais desligar por algumas horas a rede de energia para manutenção. De acordo com o presidente do Sindicato dos Eletricitários, antes das privatizações do setor elétrico havia zero acidentes com trabalhadores em “linha viva”; hoje são cerca de três ou quatro por ano, em cada empresa, geralmente fatais, além de seis acidentes por mês, em média, com a população.

“A sociedade está cada vez mais exposta ao risco e pagando tarifa mais cara. Conhecemos as mazelas da privatização, é aumento de tarifa e piora na qualidade do serviço”, afirma Chicão, anunciando que a categoria iniciará nos próximos dias uma campanha de comunicação para alertar a população sobre as consequências da privatização da Eletrobras.