América Latina

USP debate fim da hegemonia da esquerda e capitalismo na era da ‘financeirização’

FEA-USP encerra ciclo de debates com professores Carlos Aguiar de Medeiros e Lena Lavinas, com discussão sobre os motivos que levaram governos de direita a ascenderem ao poder no continente

RBA

Carlos Aguiar de Medeiros (esq), Fernando Rugitsky e Lena Lavinas debateram esquerda e América Latina

São Paulo – A Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) encerrou na noite de ontem (29) o seminário “Política macroeconômica, crescimento e desigualdade”, que trouxe uma série de debates sobre o processo econômico-político brasileiro das últimas décadas. Os professores Carlos Aguiar de Medeiros e Lena Lavinas, ambos do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), debateram o “Brasil em perspectiva sul-americana”, no período da última década, em que a América do Sul foi dominada por governos de centro-esquerda. Por problemas de agenda, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), não participou do debate, mediado por Fernando Rugitsky, da FEA-USP.

Para Medeiros, com o fracasso das políticas neoliberais oriundas do chamado Consenso de Washignton, disseminado nos anos 90, os países da América Latina aproveitaram o boom das commodities para desenvolver políticas que lhes permitiram estabelecer novos parâmetros na economia regional na última década, incluindo a chamada agenda Sul-Sul. A centro-esquerda se manteve virtualmente hegemônica, governando na Argentina, Peru, Brasil, Bolívia, Venezuela, Equador, num período de bonança proporcionada  pelo alto preço das commodities, que gerou condições econômicas para esses países aproveitarem as circunstâncias e desenvolverem políticas sociais, mesmo que limitadas.

Na opinião do professor, o fim do boom das commodities e o enfraquecimento dos governos de centro-esquerda ajudaram a criar condições para as ações de desestabilização dos governos ditos progressistas. Segundo algumas interpretações, como a do historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, citado por Medeiros, o processo que derrubou Dilma Rousseff no Brasil – levando Michel Temer ao poder – foi semelhante ao que aconteceu na chamada Primavera Árabe: por trás da conhecida política norte-americana de derrubar governos, estaria a tentativa de impedir que a China se beneficiasse do controle de recursos naturais da América do Sul, entre outros fatores.

“Mas há outra interpretação que não invalida uma ação deliberada externa, apenas diz que o elemento econômico predominou. Poderia dizer que não foi exatamente a direita que retornou ou que ganhou, mas foi a esquerda que, aos poucos, foi perdendo apoio popular quando a economia desacelerou e, de certa maneira, em  parte, no caso brasileiro, porque os conflitos distributivos se acirraram, criando a oportunidade política de um movimento para a direita”, disse Medeiros.

Se, no Brasil, Temer chegou ao poder por meio de um golpe parlamentar, na Argentina, o segundo país mais importante da região, Maurício Macri chegou à presidência num processo legítimo, pois foi eleito democraticamente para suceder Cristina Kirchner.

Para a professora Lena Lavinas, não se pode discutir os governos de centro-esquerda e seu papel na América Latina sem ter em mente a “financeirização” do capitalismo, que não tem limites nem dentro, nem fora das fronteiras nacionais. Segundo ela, houve no período o que chama de “neoextrativismo desenvolvimentista, ou extrativismo progressista, como diz Eduardo Gudynas”. Em nome do desenvolvimento, governos de esquerda não se intimidaram em “explorar a natureza de forma intensiva, com efeitos deletérios, com exploração desenfreada, com expansão da fronteira do capital sobre áreas protegidas ou inexploradas”.

Nesse contexto, ela criticou a “paralisação da reforma agrária”. “O número de decretos de desapropriação pelo governo caiu de 398, em 2004, para menos da metade em 2010,  depois para 30, em 2014, e zero em 2015.”

A professora lembrou o projeto do governo Temer que “libera as travas de venda de terras para estrangeiros sem nenhuma restrição”. Segundo ela, não é por acaso. “Lembremos que o ITR (Imposto Territorial Rural) é menos de 0,1% da carga tributária brasoleira.”

Apesar de tudo, ainda há uma ou outra notícia positiva, disse. Lena Lavinas lembrou a decisão do Supremo Tribunal Federal, no final de março, que decidiu que é constitucional a cobrança de Funrural da pessoa física empregadora rural. “Tivemos uma vitória, mas os produtores rurais não pagavam Funrural em nome de garantir sua competitividade externa.”