Sistema universal

Reforma justa da Previdência exige diálogo, afirma diretor da OIT

Representante da entidade no Brasil vê necessidade de mudanças, mas observa que PEC 287 tem mais 'lógica fiscal'. Organização aponta tendência mundial de previdência pública

Roberto Parizotti/CUT

Poschen (esq) e Durán (no telão), da OIT: metade dos países que privatizaram sistema voltou atrás. Reforma requer decisão da sociedade

São Paulo – O debate sobre a Previdência precisa ser aprofundado para que disso resulte uma reforma “justa e equilibrada”, avalia o diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Peter Poschen. Durante debate em São Paulo promovido pelo Dieese e por nove centrais sindicais, ele ponderou que o tema é “tecnicamente complexo”, por envolver justiça social para a geração atual e as futuras, e que há necessidade de adaptação às mudanças demográficas, entre outras, mas observou que a discussão deve ser feita com o maior número possível de informações. “Nossa percepção é que, nesse sentido, ainda falta muito.”

São necessárias informações consistentes, acrescentou o alemão Poschen, que assumiu recentemente a função, para um diagnóstico que permite uma “base sólida” para reformas. Sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, ele vê uma “lógica fiscal, no sentido de conter gastos”, mas disse que é preciso considerar outros aspectos, inclusive em termos de manutenção da formalidade, para que isso não represente perdas – inclusive fiscais – no futuro. “Isso requer uma decisão da sociedade”, observou o diretor da OIT. “A Convenção 102, ratificada pelo Brasil, é uma boa âncora para o debate.”

Essa convenção trata de critérios básicos para regimes de seguridade social, em relação a contribuições, pagamentos e governança. Entre os princípios básicos da OIT, está a cobertura universal do sistema, com base na solidariedade social. Outros princípios incluem suficiência e previsibilidade de recursos, transparência de gestão, responsabilidade do Estado na administração e no financiamento, sustentabilidade (fiscal, econômica e financeira) e participação dos interlocutores sociais.

Poschen observa ainda que é preciso equilibrar sistema de financiamento, custo e o princípio da justiça social – e o que a sociedade está disposta a pagar para garantir benefícios. “O envelhecimento vai trazer muitas outras consequências que precisam ser tratadas”, disse o diretor, citando questões como serviços de saúde, atendimento a idosos e transporte público. É preciso, acrescenta, melhorar o sistema atual, que apresenta deficiências.

Maioria é pública

A organização admite a existência de sistemas baseados na poupança, mas afirma que essas modalidades “não devem enfraquecer regimes de solidariedade”. O especialista em proteção social da OIT Fabio Durán – que participou do seminário via skype, de Genebra, sede da entidade – apresentou um painel mostrando a existência de uma tendência mundial de expansão do sistema, predominante em 60% dos casos, ante 33% com medidas de contração e 7% considerados neutros. Ainda assim, aproximadamente metade da população idosa não recebe cobertura. 

“A maioria (dos países) tem sistema de previdência pública”, disse Durán. De acordo com a apresentação da OIT, de 1981 a 2003, 23 países privatizaram seus sistemas, mas cerca de metade reverteu essas reformas, com reestatização parcial ou total – o que demonstra, segundo o especialista, que o caminho da previdência privada não resolve os problemas. “Bolívia e Argentina abandonaram o sistema privado. No Chile há uma grande discussão sobre o que fazer com o sistema privado, que se tornou impopular.”

Segundo a OIT, a “tendência chave” é de aumento da cobertura. Nesse sentido, a entidade destaca positivamente o ocorrido no Brasil antes da crise, com aumento da formalização da mão de obra. A organização identifica o que chama de “reforma paramétrica” no mundo, com alguns países aumentando e outros diminuindo a idade para ter acesso a benefícios. Ainda sobre o caso brasileiro, a entidade admite a necessidade de adaptação a mudanças demográficas e econômicas, mas sem prejuízo de direitos, com gradualidade na implementação de reformas e diálogo social, baseado no tripartismo – envolvendo governo, trabalhadores e empresários. Um elemento fundamental, diz Durán, “que está no coração dessa instituição”.