Voto em separado

Alternativa à ‘perversidade’ da PEC 55 busca equilíbrio fiscal, justiça tributária e crescimento

Apesar de rejeitada, proposta apresentada como voto em separado no Senado será reapresentada no plenário, assim como serão apresentados projetos de lei que buscam alterar fundamentos econômicos

Marcelo Camargo/Agência Brasil

“PEC 55 acaba passando como uma coisa que não tem grande consequência para a população”, diz Esther

São Paulo – Embora rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) hoje (9), o teor do substitutivo de autoria do senador Roberto Requião (PMDB-PR) em conjunto com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), apresentado como voto em separado como alternativa à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55 (antiga 241 na Câmara), será reapresentado no plenário. A informação é do senador Humberto Costa (PT-PE).

“A PEC vai ser reapresentada no plenário, e os outros projetos de lei serão apresentados cada um com sua tramitação, independente da PEC, que traça princípios e linhas gerais”, diz o senador.

A PEC e o conjunto de propostas elaboradas por senadores de oposição a Michel Temer obedecem à lógica de que é preciso, de fato, promover mudanças envolvendo aumento de arrecadação da União. “Mas com impostos progressivos (segundo o princípio de quem tem mais paga mais) e de acordo com a necessidade de reagrupar as políticas econômicas para que tenham duplo objetivo: a estabilidade fiscal e monetária, mas também crescimento econômico e geração de emprego e renda”, explica Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-secretária de Orçamento Federal, vinculada ao Ministério do Planejamento do governo Dilma Rousseff.

A economista trabalhou, junto com os senadores de oposição, na elaboração da PEC, rejeitada na CCJ, e de três projetos de lei que fazem parte do conjunto alternativo à PEC de Michel Temer. O pacote contempla “a alternativa constitucional” para tratar de princípios fiscais, econômicos e tributários, com a proposta de tributar quem não paga imposto. Os PLs têm tramitação própria e não dependem da PEC rejeitada como voto em separado na CCJ.

O destaque do conjunto de propostas, no sentido de impostos progressivos, é taxar lucros e dividendos. A estimativa, de acordo com Esther, é de que a arrecadação com esse tributo seria próxima ao da CPMF, entre R$ 30 bilhões e 40 bilhões por ano.

“Estamos propondo, na parte do sistema tributário, incentivar a progressividade e vedar alterações que alimentem a regressividade, no sentido de não piorar a já péssima distribuição tributária do país”, diz. Ela admite a dificuldade de implementar tributos desse tipo, já que mexe com interesses do capital e dos rentistas. “Mas a conclusão é que chegamos a um ponto na estrutura fiscal no Brasil que é preciso mudar. Em 2015 se tentou fazer um ajuste fiscal (com Dilma) muito forte e ele acabou sendo contracionista muito acentuadamente, prejudicou a recuperação do resultado fiscal e entramos numa espiral negativa”, avalia.

PEC perversa

Segundo a economista, a PEC 55 traz em si um aspecto perverso e “tem facilidade de passar (no Congresso) porque é uma proposta meio etérea: há uma dificuldade de a população entender o que ela vai provocar”. “Como a PEC não propõe um corte específico, a não ser em saúde e educação, onde é bem claro, e não ataca ganhos sociais muito explicitamente, ela acaba passando como uma coisa que não tem grande consequência para a população, que não consegue entender como um teto de gastos vai gerar corte nas despesas sociais.”

A perversidade intrínseca à PEC, para ela, está no fato de que a proposta começa uma reforma fiscal complexa por uma discussão muito difícil para a população entender. “As pessoas não vão perceber os efeitos tão cedo. Quando perceberem, o teto já estará imposto e já vai estar na hora de outras reformas que serão necessárias.”

As reformas na esteira da PEC 55 implicarão outras mudanças constitucionais, mudanças na regra de acesso e valor dos benefícios da Previdência, desvinculando-o do salário mínimo, entre outras. “Essas medidas virão na sequência da PEC 55, mas, quando forem feitas, o teto estará em vigor e elas vão parecer inevitáveis.”

A proposta global dos senadores da oposição é dividida em duas partes. A primeira é a emenda constitucional, para deixar claro que a política econômica em geral, mas a fiscal em particular, não será mais definida na Constituição. A emenda garante a irredutibilidade de gastos sociais per capita e prevê que qualquer mudança que implique redução de gastos sociais precisa passar por referendo. Outra ideia na PEC alternativa é combinar estabilidade fiscal e monetária com crescimento econômico e geração de renda e diminuição da desigualdade.

Os projetos de lei são três.

O primeiro garante uma “meta ajustada ao ciclo” econômico e “cláusulas de escape” claras em caso de baixo crescimento econômico. A Lei de Responsabilidade Fiscal é alterada para propor que as metas fiscais sejam ajustadas ao ciclo econômico. “O objetivo é atuar contra o ciclo”, diz Esther. “Para quando a economia estiver bem, poder poupar mais; e quando estiver pior, poder gastar mais, o que os economistas chamam de metas fiscais ajustadas ao ciclo econômico.”

O segundo projeto prevê o “duplo mandato” para o Banco Central, para que ele se ocupe não só com a questão monetária e inflação, mas também com crescimento econômico, geração de emprego e renda. “O BC não tem nenhum compromisso com o crescimento econômico e geração de emprego. Hoje temos desemprego crescente, dois anos seguidos de baixo crescimento, inflação convergindo para a meta, mas o único ‘mandato’ do BC é a estabilidade da moeda e deixar a inflação baixa, colocando todas as fichas nisso”.

E o terceiro projeto é o que trata da taxação de lucros e dividendos, para ajudar a recuperar a arrecadação fiscal. “Para voltar a investir sem comprometer muito a estabilidade fiscal”, diz Esther Dweck.

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