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Crise na Oi mostra falta de compromisso do governo e da empresa com interesse público

'A empresa teve seu valor destruído. Ela sempre foi gerida em função dos acionistas controladores, e não do interesse público, nem sequer dos acionistas minoritários', diz analista do mercado de telecom

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Sede da Oi no Rio de Janeiro: desde que surgiu com o processo de privatizações, governo “salva” acionistas

São Paulo – O processo que culminou com o pedido de recuperação judicial da operadora de telefonia Oi, na segunda-feira (20), reflete a falta de compromisso do governo federal e da iniciativa privada com o interesse público nas privatizações, afirma o presidente da Converge Comunicações, Rubens Glasberg, cuja empresa atua com notícias sobre o setor de telecomunicações desde 1992. “A empresa teve seu valor destruído. Ela sempre foi gerida em função dos acionistas controladores, e não em função do interesse público, nem sequer dos acionistas minoritários”,

A Oi é a maior operadora de telefonia fixa do país, com 34,4% do mercado nacional, e é a quarta em telefonia celular (18,6%). A dívida, de R$ 64,5 bilhões representa a maior do setor empresarial no país. Desse montante, R$ 50 bilhões são dívida financeira e R$ 14 bilhões representam contingências jurídicas, como multas da Anatel. A fornecedores a empresa deve R$ 1,5 bilhão.

Em 2015 a empresa faturou R$ 40,5 bilhões, mas isso representa pouco diante da dívida. “O fluxo de caixa proporcionado é menor do que os compromissos firmados. Por mais lucro que tenha, a empresa não dá conta de pagar os empréstimos”, afirma Glasberg. O especialista concorda com a tese de que a Oi, criada a partir das privatizações do setor, em 1998, foi sangrada pelos acionistas. “A empresa, mesmo nessa situação, pagava dividendos, que é a forma como os acionistas cobrem suas dívidas, porque não tiveram nem dinheiro para comprar essa empresa. A Oi deve para bancos e fundos que compraram bônus, a maior parte deles comprados por fundos internacionais”, diz ainda.

Por conta dos credores internacionais, a empresa tem também representação de seu pedido de recuperação judicial na corte de falências de Nova York. “Tiveram de levar para a justiça internacional porque a dívida já está na mão de fundos abutres, como aqueles fundos que chantagearam a Argentina”, afirma Glasberg, referindo-se à histórica moratória do país vizinho nos anos 2000.

Glasberg lembra que o projeto de privatização das teles foi elaborado na época do ministro de FHC Sérgio Motta, com consultoria norte-americana. “Acertou-se a empresa para ela dar uma margem de lucratividade bem alta”, destaca. Mas ele também diz que a base da empresa, desde que surgiu, é a telefonia fixa, “uma tecnologia que já começava a morrer”. Apesar de operar a telefonia em 16 estados, a Oi assumiu compromisso de levar infraestrutura de comunicações aos mais distantes rincões do país, o que também não se compatibilizou com o modelo de privatização seguido.

“Eu digo que nós privatizamos o passado, quando o mundo já caminhava para a internet em banda larga”, afirma. A falta de compromisso com o interesse público é o “xis” da questão, segundo o Glasberg.

Ele defende que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva permitiu que o erro do modelo de privatização, que começou com FHC, se repetisse anos mais tarde. Em 2008, a empresa fundiu-se com a Brasil Telecom, e para viabilizar a fusão Lula teve de mudar a Lei Geral de Telecomunicações, para permitir maior concentração no setor, o que foi interpretado como casuísmo. “Aí foi o grande erro do Lula, de dar uma saída para o Banco Opportunity (um dos investidores), em vez de processar e botar na cadeia o sujeito (o banqueiro Daniel Dantas)”, afirma.

Além de Dantas, a empresa tinha como investidores o grupo GP, o Citybank, a construtora Andrade Gutierrez e a La Fonte Telecom, ligada ao ex-governador do Ceará, o tucano Tasso Jereissati. “Era sempre o governo bancando a saída ou resolvendo a situação de controladores, isso desde a criação da empresa até agora. Isso aí, queira ou não, vai acabar caindo na mão do governo de volta. Quem comprar a empresa, vai querer comprar livre de qualquer obrigação”, diz o analista, para quem o consumidor corre o risco de ter o serviço prejudicado se a empresa não se recuperar para garantir a continuidade da operação sob concessão. Ele também diz que “corremos agora o risco de ter trocado o monopólio estatal por um cartel privado ou mesmo um monopólio privado. E o que é pior, com o poder decisório fora do país”.