crise polêmica

Reservas internacionais podem ajudar país a reduzir a dívida bruta

Economista Amir Khair defende venda de US$ 200 bilhões das reservas para aliviar conta de juros. Financista Fábio França acredita que é preciso antes experimentar redução dos juros e o aumento do crédito

memória/ebc

Saldos positivos na balança comercial ajudam na formação de reservas internacionais

São Paulo – Economistas e políticos do campo progressista começam a discutir com mais intensidade propostas alternativas para reverter a tendência de recessão e colocar o Brasil de volta na rota de crescimento. Uma dessas propostas é lançar mão das reservas internacionais do país para retomar os investimentos, que podem promover o emprego e a renda.

Segundo dados do Banco Central, em outubro essas reservas somaram US$ 361,23 bilhões, um nível que coloca o Brasil entre os dez maiores poupadores do mundo. Esses recursos são responsáveis por estabilizar a emissão de moeda e garantir que o país tenha fôlego para enfrentar turbulências econômicas.

São recursos que proporcionam à autoridade monetária força para interferir no mercado de câmbio e também mostram para as agências de classificação de risco as garantias que o país pode dar ao atrair investimentos. Um fato do qual ninguém discorda é que, fosse a situação das reservas de penúria, a crise econômica estaria ainda mais intensa.

“As reservas internacionais são uma espécie de poupança, formada basicamente da diferença de saída de dinheiro brasileiro para o exterior, versus a entrada de dinheiro não brasileiro. Por exemplo, neste mês estamos fechando com saldo positivo a balança comercial, o que ajuda na formação de reservas internacionais”, afirma o professor e especialista em sistema financeiro nacional Fábio França. Segundo ele, não é todo o saldo que forma a conta de reservas internacionais, mas é parte do que o país deixa de gastar, adquirindo lastro em moeda estrangeira para compor essa conta. “Esse dinheiro, parte dele pelo menos, pode ser empenhado como garantia de operações, e por isso estão se discutindo alternativas com esses recursos.”

Na semana passada, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), entrou no debate e defendeu o uso das reservas. “A ideia é tirar algo perto de US$ 70 bilhões e classificar como Fundo Garantidor, para captar empréstimos internacionais, com juros mais baixos e maiores prazos. Com esse dinheiro, o governo faz andar as obras do PAC, a Petrobras (…) O melhor sinal de que estamos bem é gerar emprego sem nem tirar dinheiro das reservas. Quando tiver a máquina do emprego rodando por meio da construção civil, da indústria e da produção, o povo vai saber que estamos saindo da crise”, disse ao jornalista Paulo Henrique Amorim, do site Conversa Afiada.

Com base em dados do Banco Mundial sobre o nível de exposição dos países, que indicam que o Brasil poderia estar entre os limites de US$ 104 bilhões e R$ 170 bilhões, o economista Amir Khair acredita que o país poderia vender boa parte desse montante. “Como nós temos US$ 361 bilhões, você tem um excesso de US$ 200 bilhões”, afirma. O economista lembra que as reservas têm um custo de “carregamento”, porque são aplicadas em títulos do tesouro americano, que não rendem nada, e oneradas pela Seli. “As reservas são constituídas por meio da emissão de títulos, e ao fazer isso você tem reservas que têm o diferencial da taxa de juros, que aplicados sobre os US$ 361 bilhões, você vê o estrago que isso dá”, diz.

As reservas não podem ser usadas para regularizar as contas do governo, no sentido estrito da palavra, mas a sua venda abate a dívida bruta. “Nesse sentido elas atuam sobre o estoque da dívida e ao fazer isso melhoram a questão fiscal do país”, afirma Khair. “Elas não têm um efeito imediato sobre os juros que o país paga, mas quando você vende as reservas, você deixa de onerar os juros sobre elas”. Segundo o economista, o Tesouro poderia economizar cerca de R$ 100 bilhões da conta de juros. “Até um pouco mais, a conta é simples: você vende US$ 200 bilhões, e como os juros são da ordem de 14%, e ai pegando 14% de US$ 200 bilhões, você tem US$ 28 bilhões, a R$ 4 o dólar, chega a R$ 112 bilhões de economia.”

Mais cauteloso, Fábio França concorda que o custo de carregamento das reservas é oneroso, mas defende que essa oneração é “menos do que a perda do grau de investimento”, pois as agências de classificação de risco têm nas reservas um dos parâmetros para a avaliação da pontuação dos países. “Com as reservas altas, você atrai com maior facilidade o investimento externo direto e o ônus é que você tem um custo por manter essas reservas”, afirma França. “Acho que a ideia da atração de capital é mais importante neste momento, porque ela paga o custo de manutenção das reservas. Eu sou contra usar as reservas neste momento para qualquer espécie de garantia de empréstimos tomados no exterior”.

Amir Khair acredita que perante as agências de classificação de risco o país tem de dar uma demonstração de que está segurando a tendência de crescimento da dívida bruta, que em outubro somava R$ 3,57 trilhões. “O governo está dormindo no ponto. O que vai acontecer até o início do ano é que as duas agências que ainda não rebaixaram o país, vão rebaixar”, diz o economista, referindo-se às agências Moody’s e Fitch. “Basta uma delas desclassificar, o dinheiro que está aplicado aqui em títulos vai diminuir rapidamente e será repatriado, pois são grandes aplicações de fundos de pensão norte-americanos, entre outros, em títulos do governo aqui. Serão obrigados a retirar o dinheiro, porque não se pode aplicar em países que perdeu o grau de investimento”, afirmou.

“É uma questão de segurança dos aplicadores. Aí sai dólar para burro daqui, que eu acho ótimo, porque aí vai depreciar o real, e com isso você cria condições de competitividade para o produto brasileiro. É uma das saídas da crise via exportação e redução da importação”, diz, reconhecendo que esse movimento pode ainda criar alguma inflação. Para Khair, o dólar deveria ficar no nível de R$ 4,50.

Em favor do estabelecimento de parcerias, o economista Fábio França diz que em vez de mexer nas reservas, o governo deveria criar uma política interna de geração de emprego e renda por meio da redução da taxa de juros e do fomento ao crédito e consumo. “Feito isso, automaticamente o nível de emprego e renda sobem. Segundo passo seria apertar um pouco mais o cinto na questão de efetivamente começar a mudar a política fiscal, principalmente na questão de execuções dos devedores de impostos”. Segundo ele, o gargalo vem de grandes contribuintes, “que não recolhem exatamente porque não querem”. Outro passo é bancar efetivamente a aprovação da CPMF, com percentual baixo: “Ela não vai inflar o cofre, ela vai justamente evitar que mais dinheiro saia pelo ralo (da sonegação), acho que é um pacote de medidas que tinha de ser feito. As reservas seriam o último caso”.

De qualquer modo, a adoção de uma nova política para as reservas passa por grande resistência dos economistas ortodoxos (leia-se, conservadores), e por tabela de grande parte da imprensa, que fatalmente interpretaria a mudança como sinal de fraqueza do país. Khair reconhece que a batalha seria difícil. “Mas as coisas as coisas difíceis começam a ficar mais fáceis na medida que as soluções que esse mercado e essa mídia defendem só está agravando a situação do país. Essa forma de fazer política, com base no medo da inflação, já vem de mais de 40, 50 anos para cá, e no fundo ninguém comanda a economia. Não é nem o ministro da Fazenda, nem o do Planejamento, nem o Banco Central, nem este governo, nem o governo Lula, nem o governo Fernando Henrique que tem o comando da economia. O comando é dado de fora para dentro”, diz.

Khair lembra que no governo de Fernando Henrique Cardoso foi de fato pelo FMI, a partir de 1999, que ocorreu a política econômica, e sua equipe não fez mais do que seguir as ordens do FMI. “Com isso, o Brasil se arrebentou do ponto de vista externo, faliu duas vezes no governo FHC, e claro que para socorrer o credor internacional faz exigências, então, o comando foi de fora para dentro. Com o Meirelles (Henrique Meirelles, presidente do BC no governo Lula), o comando continuou na mão do mercado financeiro, e a média de Selic do Lula, dos oito anos, foi de 15%, para uma inflação média de 6%: olha quanto ganharam os aplicadores, e também os aplicadores externos”.

O que está acontecendo, segundo Khair, é que a “galinha dos ovos de ouro”, que é a posição mais confortável da dívida, estaria indo embora rapidamente, e por isso o debate sobre a venda de reservas está se ampliando. “Se eu fosse fazer uma proposta dessa de venda de reservas há um ano, o pessoal me taxaria de louco, de um mês para cá, já tem muita gente que apoia, e daqui a um ano será inexorável”, prevê.

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