Setor elétrico

Governo de SP abre mão de usinas da Cesp, e chinesa assume controle

Dos cinco estados com hidrelétricas levadas a leilão hoje na Bolsa, São Paulo, com 80% do potencial energético em disputa, mantém sua política governamental de desinteresse pelo setor

Sinergia-CUT

Compradores em leilão na Bovespa: martelo batido um dia depois de aprovada MP que elimina riscos de investidores

São Paulo – A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) levou hoje (25) a leilão outorgas de concessão para 29 usinas hidrelétricas em cinco estados – São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Goiás. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi o único que decidiu não participar dos leilões e abriu mão do controle – por meio da companhia energética do estado, a Cesp – das duas principais geradoras do estado. A concessão das usinas de Ilha Solteira e Jupiá, com potência instalada de 5 mil megawatts, foi arrematada pela multinacional chinesa China Three Gorges (Três Gargantas), com uma oferta de R$ 13,8 bilhões.

O montante corresponde a 80% do total de R$ 17 bilhões de arrecadação com que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pretende socorrer as contas públicas – R$ 11 bilhões cairão na conta do Tesouro ainda este ano, e o restante no primeiro semestre de 2016.

O governo de Minas disputou e levou para manter com a Cemig as 18 usinas levadas ao pregão. O governo do Paraná também manteve com a estatal Copel a operação da usina Capivari/Cachoeira e perdeu a de Mourão I para a empresa italiana Enel, que também assumirá a usina de Paranapanema, a terceira do estado de São Paulo incluída na licitação. Santa Catarina ficou com as cinco usinas em disputa (Bracinho, Cedros, Palmeiras, Garcia e Salto). E a companhia estatal goiana Celg ficou com a geradora de Rochedo.

O presidente da Federação dos Urbanitários de São Paulo, Gentil Ferreira de Freitas, criticou duramente o governo de São Paulo, pelos movimentos de desmonte nos últimos 20 anos de gestão do PSDB. “O estado não tem uma política de energia. Nunca houve investimento para geração de um megawatt a mais. Simplesmente, pegou sua parte e foi vendendo e entregando ao capital privado – hoje nas mãos de colombianos, americanos e agora chineses. Houve um desmonte do setor. A geração da Cesp representava em 1997, cerca de 10% do parque nacional. Hoje, menos de 0,5%”, afirmou.

Gentil participou de protestos durante a realização do leilão. Também presente ao evento na Bovespa, o presidente do Sindicato dos Eletricitários de Campinas (Sinergia-CUT), Carlos Alberto Alves, não poupou de críticas ao governo federal por encaminhar ao Congresso a Medida Provisória (MP) 688, aprovada ontem. A medida segundo ele, modifica o formato estabelecido nos leilões de concessão ao longo do governo Lula, e retrocede ao modelo vigente na época de Fernando Henrique Cardoso.

Segundo o dirigente, o sistema, que havia sido modificado para um formato em que a outorga da capacidade de geração dependia integralmente do menor preço ofertado, voltou a subordinar uma parte ao menor preço (70% da produção) e assegurar uma parte (30%) a livre mercado – fatia que a concessionária pode negociar como, para quem e por quanto bem entender, sem ingerência da agência reguladora.

Nesta entrevista à RBA, os sindicalistas criticam ainda a MP por livrar os futuros controladores de riscos como os decorrentes de uma crise hídrica, e os autorizar a transferir para os consumidores o custo da energia mais cara fornecida pelas termoelétricas em caso de baixa capacidade de produção das hidrelétricas. E manifestam preocupação com o futuro dos empregos no setor. A Cesp, há 20 anos, tinha 16 mil trabalhadores e respondia por 10% da capacidade nacional. Hoje, tem 500. E um acordo antes firmado com o Ministério de Minas de Energia, de que os vencedores dos leilões mantivessem os empregos por cinco anos, foi anulado, por orientação do ministério da Fazenda.

Qual é o significado desse leilão, a forma como foi feito e o conteúdo?

Carlos Alberto Alves – Em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso aprovou no Congresso um decreto determinando que as empresas, ao fim das concessões, depois de ter seus ativos amortizados, deveriam voltar ao controle do concedente. O que estamos vivendo neste leilão é o poder concedente, a agência reguladora desse serviço público, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), representando o Estado brasileiro, realizando o leilão de 29 usinas.

Chama a atenção que os governos de todos os estados onde há usinas sendo leiloadas – Goiás, Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina – participaram do leilão. Em Minas, o governo Fernando Pimentel (PT) levou, por meio da Cemig, os 18 lotes que estavam sendo licitados. O Paraná, do governo Beto Richa (PSDB), levou uma e a outra o concorrente levou. Santa Catarina, do governo Raimundo Colombo (PSD)​,​ também levou todas as usinas, e manteve o patrimônio público. A Celg, controlada pelo governo de Goiás, também disputou. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi o único governo ​que ​tomou a decisão de não participar dos leilões, deixando a chinesa China Three Gorges ganhar sozinha as licitações, passando a ser a controladora de Ilha Solteira e Jupiá.

Isso significa que o estado de São Paulo não tem mais usina de grande porte e perdeu o controle sobre um setor estratégico como a geração de energia?

Carlos Alberto Alves – Quase isso. Não há mais controle público sobre o parque gerador que havia no estado de São Paulo, lembrando que o governo do PSDB, entre 1996 e 2006 já havia privatizado parte do setor elétrico. A privatização do setor elétrico no Brasil começou por São Paulo, na época de Mario Covas. Começou pela distribuição e foi para a geração. E a duas maiores usinas que tínhamos, com capacidade de 5 mil megawatts aproximadamente, foram privatizados hoje. Ao governo estadual restou uma fatia e, pela forma como está a gestão política em São Paulo, ele deve privatizar esses 1.600 megawatts que fic​aram sob poder dele.

E o episódio do rompimento das barragens da Samarco em Mariana, controlada pela Vale, é um triste exemplo de quão prejudicial pode ser para uma sociedade quando o interesse individual de acionistas e controladores, por maiores lucros e dividendos, é posto acima do interesse público. Foi assim com a Vale, um empresa pública entregue ao setor privado, e está sendo assim com a questão da energia. Perder o controle do Estado sobre setores estratégicos como a riqueza do solo ou a produção de energia afeta consideravelmente nossa capacidade de promover desenvolvimento. Quem vem e coloca dinheiro nas empresas tendo como objetivo o lucro incessante não olha para a prestação de serviços, para o bem-estar da população, para a fragilização do Estado.

O que restou d​a Cesp, comparando com o que ela era nos anos 1990?

Gentil de Freitas – Na década de 1990, no modelo econômico neoliberal introduzido no paí​s​, pesaram muito os programas de privatizações. Em nível federal, o Fernando Henrique Cardoso, e em São Paulo, o governo M​ário Covas, cujo vice, Geraldo Alckmin, dirigiu o Programa Estadual de Desestatização (PED). Quando começou processo de privatização do nosso setor, a Cesp tinha uma capacidade de geração de 13 mil megawatts, e 16 mil trabalhadores, isso até dezembro de 1997. Hoje, o que resta da Cesp tem capacidade de gerar 1.600 megawatts, e cerca de 500 trabalhadores.

Isso quer dizer que o governo do estado de São Paulo não tem uma política de energia. Nunca houve investimento para geração de um megawatt a mais. Simplesmente, pegou sua parte e foi vendendo e entregando ao capital privado – hoje de colombianos, americanos e agora chineses. Houve um desmonte do setor. A geração da Cesp representava em 1997 cerca de 10% do ​parque ​nacional. Hoje, fica com menos de 0,5%.

Hoje, podemos afirmar que só não falta energia no estado porque o governo federal, depois do apagão de 2001, começou a corrigir um problema: até então, não tínhamos o linhão para operar a transmissão de um estado para outro. Por exemplo, tinha energia excedente produzida no Rio Grande do Sul, mas não tinha linhão para trazer. O governo federal fez esses linhões para interligar a energia gerada em diferentes pontos do país. O círculo é fechado, então se consegue trazer energia. Se faltar energia aqui, busca-se de outro estado. Então, hoje o Brasil traz energia para o estado de São Paulo. O maior estado da nação não tem um política de energia.

E o que muda para quem está na outra ponta, os trabalhadores das empresas privatizadas e os usuários dos serviços?

Carlos Alberto Alves – No setor elétrico, o número de acidentes subiu assustadoramente, o serviço encareceu e qualidade caiu. Pioraram tanto a qualidade como o número de acidentes e as condições de trabalho. Uma coisa associada a outra. Energia é um serviço essencial, um bem público. No entanto, o capital trata a energia como commodity. Então, a população vê o aumento efetivo das contas no dia a dia, para sustentar o lucro das empresas. Essa é a verdade, parte do aumento da conta de energia é para sustentar o resultado econômico das empresas, pois na época das privatizações, em São Paulo e no Brasil todo, mas aqui especificamente, foi garantido que as empresas terão seu resultado financeiro preservado.

No momento em que o país vive uma crise hídrica nas principais regiões, nos principais polos de crescimento e desenvolvimento econômico, como fica a questão da energia como negócio? Por exemplo, se a crise hídrica se agrava e se compromete a geração e a distribuição, não se torna mau negócio ser proprietário de uma empresa dessas?

Carlos Alberto Alves – Não, porque além de eles terem garantido o equilíbrio econômico financeiro. A Medida Provisória 688, que foi votada ontem (24) no Senado, e trata da questão hidrológica, garante que quem vai pagar a conta é o consumidor. Portanto, se houver uma crise que afete a capacidade da empresa de gerar ou distribuir, ela vai mandar a conta para o consumidor.

Gentil de Freitas – A empresa não gera aquilo que ela considera que pode gerar; quem faz a operação em nível nacional é o ONS (Operador Nacional do Sistema ​ Elétrico​). O órgão olha o Brasil, vê onde tem mais água e onde tiver mais água põe aquela usina para gerar mais energia. Onde tem menos água ele segura para poder manter o lago abastecido. Antes, a regra para se disputar uma concessão previa que vence a licitação quem oferece o menor preço para 100% da produção. Agora, com a Medida Provisória 688, a regra passou a ser a 70-30, isto é, 70% da licitação se baseia em oferta de preço e vai 30% para o mercado livre.​

Antes, o risco hidrológico ficava com a empresa. A partir desse leilão, o risco fica com a nação. O capital está entrando no negócio sem nenhum risco, nem na geração, nem na distribuição. Quando falta chuva e água, quem paga a conta é a população, porque se recorre a meios mais caros, como as termelétricas – e o custo é totalmente repassado, fica com a nação. É capitalismo sem risco.

Do ponto de vista do emprego do setor, a segurança, as relações entre empregados e empregadores, como tem se comportado esse mercado nos últimos anos?

Gentil ​de ​Freitas – A gente tinha 16 mil trabalhadores na Cesp, agora tem cerca de 500. Nós não conseguimos, nem no governo federal, nem no estadual, nem na empresa, garantias para esses trabalhadores. Existia um acordo negociado com o Ministério de Minas e Energia, em que, nos leilões, o comprador levaria também os trabalhadores de forma obrigatória por cinco anos. Ao longo desse período, haveria tempo para se negociar com o novo controlador a situação desses trabalhadores, como aposentadoria, planos de incentivo à aposentadoria, ou outras medidas que viesse a atender as novas demandas sem um impacto brusco na situação do emprego. Com a MP 688, defendida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy como meio e arrecadar fazer caixa, esse 30% de mercado livre assegurados proporcionarão ao governo uma receita de R$ 17 bilhões. Na hora em que o Levy mudou a regra, o Ministério de Minas e Energia nos chamou e avisou que estava desfeito o combinado, pois o Ministério da Fazenda disse que não era para colocar nenhuma garantia aos trabalhadores. Portanto, o edital diz que a empresa que comprar tem que manter “preferencialmente” os trabalhadores. “Preferencialmente” e “ou não”, neste caso, é a mesma coisa.

O sindicato entrou com uma ação na Justiça com o pedido de sucessão trabalhista. O juiz já pode se manifestar, já tem, inclusive, o nome da empresa compradora. Pela ação, a empresa que comprou a parte da Cesp tem que levar os ativos da usina e seus trabalhadores. Caso contrário, além de a população sair perdendo, no patrimônio público e na tarifa, perdem também os trabalhadores do setor. E o único ganhador é o capital.

Carlos Alberto Alves – Para nós, fica esse sentimento de frustração, ao ver o patrimônio da sociedade se esvaindo, indo para multinacionais despreocupadas com emprego e com qualidade de serviço. Isso, para agravar, à vésperas de uma conferência do clima, em Paris, em que o desafio da sustentabilidade chama cada vez mais atenção do mundo. Essas condições colocadas aqui são frutos de uma política que teve seu nascedouro em 1995. E quando o governo Lula assumiu seu primeiro mandato, em 2003, assumiu compromisso de não romper contratos. Portanto, estamos vivendo até hoje sob a luz daquele contrato assinado em ​1995 que não tinha olhar pela sociedade ou pelo Brasil soberano, e sim para beneficiar o capital externo. ​

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Documentário produzido pelo Sindieletro-MG, com apoio de universidades, Ministério Público do Trabalho e recursos provenientes de multas aplicadas a empresas por dano moral coletivo, analisa os impactos da terceirização à segurança no trabalho no setor elétrico

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