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Cunha quer votação da reforma tributária neste mês; grandes fortunas devem escapar

Propostas consideradas fundamentais para o sistema brasileiro caminhar no sentido da progressividade e da justiça tributária não devem entrar em relatório do sergipano André Moura (PSC)

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Comissão especial de vida curta: criada no final de julho por Cunha, pode trabalhar só até setembro

São Paulo – A Comissão Especial da Reforma Tributária, criada no final de julho pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), realiza até quinta-feira (10) audiências públicas e reuniões para debater o Sistema Tributário Nacional. Cunha tem afirmado que a intenção é que a reforma seja votada ainda neste mês.

Fiel à intenção de Cunha, o presidente da comissão, deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), já avisou que o colegiado pretende votar o relatório de André Moura (PSC-SE) a tempo de ir ao plenário ainda em setembro.

Andre Moura vai sistematizar em seu relatório os inúmeros projetos em tramitação na Câmara, mas é muito improvável que contemple as propostas consideradas fundamentais para o sistema brasileiro caminhar no sentido da progressividade e da justiça tributária, consideradas essenciais para o Brasil diminuir estruturalmente a concentração de renda.

O imposto sobre grandes fortunas, por exemplo, previsto no artigo 153, inciso VII da Constituição de 1988, não foi criado até hoje, e nada indica que a reforma pretendida por Cunha tirará o tributo do limbo.

Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), o momento de crise econômica, aperto fiscal e dificuldades em encontrar fontes de financiamento para a saúde tornam o momento propício para discutir tributos tais como um sobre grandes fortunas.

“Considero muito oportuno o momento para travar esse debate e conseguir avançar no tema. Isso porque, pela primeira vez, o governo envia ao Congresso uma peça orçamentária que prevê déficit”, diz a senadora. “A discussão em curso é justamente sobre a necessidade de gerar novas receitas não só para o equilíbrio das contas, mas, fundamentalmente, para investir em áreas como a saúde. Nesse sentido, o imposto sobre as grandes fortunas é um debate que está na ordem do dia.”

Segundo pesquisa de 2011 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os 10% mais pobres da população brasileira gastam 32% da renda com impostos, enquanto os 10% mais ricos desembolsam 21%. Outra pesquisa da mesma entidade mostra que as pessoas que têm rendimentos iguais ou superiores a 160 salários mínimos por mês (mais de R$ 126 mil) pagam 6,51% de imposto, enquanto os que ganham cerca de R$ 5 mil pagam 27,5%. “Ou seja, alguma coisa está fora da ordem”, acrescenta Grazziotin.

Na opinião da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), devido à composição conservadora do Congresso, não será fácil a aprovação de propostas visando à criação de tributos como sobre grandes fortunas. Mas a aprovação da medida provisória aumentando a alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras (15% para 20%), na semana passada, mostra que a batalha não está perdida.

“É difícil (criar tributo sobre grandes fortunas). Mas votamos o aumento de taxação de contribuição para bancos, a oposição inteira votou contra, mas passou”, diz Feghali, autora do Projeto de Lei Complementar (PLP) 10/2015, criando a Contribuição Social sobre Grandes Fortunas. Segundo ela, a arrecadação da contribuição pode chegar a cerca de R$ 20 bilhões anuais para a saúde.

CPMF

Em épocas de vacas magras, a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) seria bem-vinda não apenas aos cofres da União – já que a contribuição renderia R$ 60 bilhões, segundo estimativas – mas também como fonte de financiamento da saúde. Além disso, o país ganharia no combate à sonegação e à corrupção, pois a CPMF, incidente sobre operações financeiras, possibilita a fiscalização e o cruzamento de dados bancários. Fora tudo isso, o imposto é considerado justo, já que a alíquota é proporcional aos ganhos e não pesa no bolso do contribuinte.

O problema é que a politização do tema e a aversão midiática fomentada na sociedade contra qualquer coisa semelhante a “criar impostos” tornaram inviável a volta da CPMF, e o próprio governo recuou de sua intenção.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, defensor da CPMF, disse à RBA na semana passada que a campanha contra o tributo é demagógica. “Aqui, ancorou-se na sociedade um conjunto de concepções e ideias. Por exemplo, veja o episódio da CPMF. A melhor solução para essa situação fiscal seria a CPMF. Não é ótimo, mas é a menos ruim. E ficou todo mundo contra”, afirmou. “Todo mundo vira demagógico. Vai o Michel Temer e diz ‘não queremos mais impostos’. Isso qualquer um diz. Não precisa ser o Michel Temer.”

Jandira Feghali defende sua proposta de contribuição sobre grandes fortunas argumentando justamente sobre a necessidade de financiamento da saúde. “Não se justifica colocar R$ 20 bilhões na saúde hoje, considerando a crise que a saúde está passando?”, questiona. “Só R$ 1 bilhão já seria um monte de vidas salvas, imagine R$ 20 bilhões.”

Na última quinta-feira (3), em audiência pública para discutir a reforma, o coordenador do Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública – Saúde + 10, representando o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Santos, mencionou a criação de uma CPMF para grandes transações e a taxação de grandes fortunas.

Por enquanto, o que se espera da proposta que sairá do relatório da comissão especial criada por Eduardo Cunha é uma reforma tributária que passe ao largo da polêmica e privilegie a “simplificação”, reivindicação antiga do empresariado.

O relatório deve propor a criação do Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F), a unificação de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a simplificação ou fusão do PIS e Cofins, entre outras propostas pouco ou nada comprometidas com desconcentração de renda.

Até o fechamento desta matéria, a Câmara estava analisando o PLP 366/13, do Senado, proibindo os municípios e o Distrito Federal de conceder benefícios com renúncia fiscal referente ao Imposto sobre Serviços (ISS) abaixo da alíquota mínima de 2%.

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