conjuntura

‘Ajuste cede a pressões para jogar desemprego para cima e salários para baixo’

Professor da Unicamp, Pedro Rossi afirma que governo cede a pressões neoliberais do mercado para anular o processo de inclusão social construído nos últimos anos com Lula e o primeiro mandato de Dilma

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Rossi: agências de classificação de risco são alvos de inquéritos por fraude e têm critérios questionáveis

São Paulo – Em notícia publicada no site da Rede Brasil Atual, em outubro de 2014, em meio ao clima do segundo turno das eleições presidenciais, o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi criticava a ideia do então candidato tucano Aécio Neves (PSDB-MG) de que seria necessário combater a inflação a qualquer custo. “Combater a inflação com recessão, desemprego, não é um caminho adequado”, disse o professor.

Ainda que as eleições tenham resultado na vitória de Dilma Rousseff, o que se viu desde então é que o ajuste fiscal, colocado em prática pelo governo a partir do fim de 2014, cumpre exatamente o que o professor temia. Agora, em nova entrevista à RBA, esmiuçando as reais motivações do ajuste, como resultado da pressão das elites e do mercado financeiro sobre o governo, ele diz que a agenda do ajuste cumpre exatamente aquela ideia do tucano.

“A meu ver o objetivo do ajuste não era fazer o Brasil crescer, não era manter a taxa de juros, mas o objetivo que está por trás era realinhar alguns parâmetros da economia brasileira, em particular, jogar o desemprego para cima e salários para baixo”, afirma. “Porque no fundo você vivia no Brasil uma redistribuição funcional da renda, a renda do trabalho estava crescendo acima da renda do capital e o que o ajuste faz é realinhar esse processo. Eu acho que é isso que estava por trás, pelo menos daqueles economistas que defendiam o ajuste, que eram mais sinceros. Eles sabiam que ia gerar baixa no crescimento, sabiam que ia gerar desemprego, mas é isso mesmo o que eles queriam.”

Nesta entrevista, Rossi denuncia a grande contradição em que o paradigma neoliberal do ajuste meteu o Brasil, com o governo fazendo o que o mercado queria, e ao mesmo tempo sendo punido, como reflete o rebaixamento da classificação do país pela Standard & Poor’s, porque o ajuste jogou a economia em recessão. Rossi também acredita que a ideologia do capital está mascarando como “técnico” o debate sobre os rumos do país e que o Banco Central poderia ter um papel mais ativo, regulador, no mercado de câmbio. Diz ainda que a crise que estamos vivendo é mais política do que econômica.

Dá para estabelecer uma proporção de quanto a crise é política e quanto é econômica?

Não dá para estabelecer uma proporção, mas o que podemos falar é que a crise política tem agravado a crise econômica. Não é que sem o cenário político a economia iria bem, ela está sendo afetada por vários fatores, alguns estruturais e outros conjunturais. E a crise política é mais um fator que afeta negativamente a economia, e com grande força.

Vamos pensar nos fatores estruturais. No caso brasileiro você teve um crescimento forte assentado no mercado interno, com base em distribuição de renda e crédito. Todo o ciclo de consumo e crédito tem seus limites, por isso, há um ciclo, você não fica infinitamente crescendo a taxas de 20%, como foi o caso do crédito no país no final da década passada. Isso é claramente um ciclo, então, o que aconteceu nos últimos anos, e aí é uma coisa mais estrutural, é uma perda de dinamismo do mercado interno, que é absolutamente natural ao ciclo econômico.

O noticiário da grande imprensa difunde um clima de desconfiança e projeta expectativas ruins, seguindo a visão corporativista da economia. Isso não é um tiro no pé para a saúde da economia?

É um discurso que contribui para a queda de atividade na economia e pode favorecer determinadas visões políticas. Se é um tiro no pé depende da avaliação que se faz, mas além do fim do ciclo que eu mencionei, tem outros fatores, como o cenário externo, que contribui para a queda do crescimento, e tem esse fator também que é a questão da desconfiança e das expectativas. É um clima ruim que afeta sobretudo o investimento.

Outro fator que afeta o crescimento, aí sim, é a crise política. Quando a gente diz que a Lava Jato mudou a forma de operar da Petrobras e as empresas de construção, que estão investindo menos, a gente está dizendo que o investimento está sendo afetado por essa operação jurídica, está sendo muito afetado. Então, é mais um fator de crise. Em cima disso, você tem várias condicionantes que levam a economia ladeira abaixo.

E, ao meu ver, além disso, o governo atua de forma equivocada, fazendo uma contração de gastos, que também contribui para a crise. Então, são vários fatores, é uma crise econômica multidimensional.

Nessa conjuntura, o real se mostra enfraquecido, um problema que há tempos não lidávamos com ele. Mas quanto a isso, o principal fator seria a conjuntura internacional?

A tendência já seria de desvalorização dado o cenário externo. E alguns agravantes domésticos geram mais volatilidade e reforçam um pouco a tendência de desvalorização. O real, do ponto de vista da trajetória, segue o caminho de outras moedas, mas às vezes com mais intensidade por conta de fatores domésticos, como a instabilidade política, você não sabe o que vai acontecer com o governo, se a Dilma cai, ou se ela fica, e esses outros fatores relacionados ao ajuste fiscal, a nota de rating, são especulações adicionais e formas de pressão do mercado financeiro, que conferem à moeda brasileira uma volatilidade muito grande.

Você acredita que a atuação do Banco Central (BC) na questão do câmbio tem sido boa?

Eu acho que do ponto de vista da política monetária, a atuação tem sido péssima, com a elevação de juros. Do ponto de vista da política cambial, o BC já teve uma política boa, mas agora ele está mais passivo, atendendo os movimentos do mercado e jamais procurando fazer mercado, o que significa fazer a taxa. O BC não precisava estar tendo prejuízos enormes com as operações de swap, porque ele é um agente que faz mercado. Então, quando fosse vencer os swaps ele poderia fazer a taxa de câmbio na direção que ele quisesse para diminuir o prejuízo com esses swaps. A meu ver, a intervenção recente está correta, você intervém com linhas de recompra, e o mercado à vista já atuando com reservas. Eu particularmente acho que o BC tem de ter uma posição extremamente ativa no mercado de câmbio, mas gostaria que o nosso mercado fosse mais regulamentado, que a política cambial não fosse apenas baseada em intervenções em swaps, que fosse uma política cambial baseada na regulamentação do mercado e na redução da especulação que o mercado sofre.

Desse modo, não ficaríamos reféns da especulação…

Sem dúvida, uma regulação maior implicaria redução do mercado futuro brasileiro, o mercado de derivativos, que é onde a especulação mais ocorre, e também implicaria uma regulação maior dos agentes estrangeiros, dos bancos de investimento, ou seja, você ter um movimento cambial mais relacionado às necessidades reais da economia e não tanto à especulação financeira.

Mas o real desvalorizado a longo prazo é bom para a economia porque vai estimular a balança comercial, por exemplo.

Sem dúvida, mas o que é ruim para a economia é a volatilidade, porque os agentes não sabem se essa taxa desvalorizada vai se manter no médio prazo, ou se vamos ter uma nova rodada de apreciação. O investidor não vai investir só porque o real desvalorizou, mas ele vai esperar para ter certeza de que a nova taxa é uma realidade, de que ele pode fazer a contabilidade dele com algum grau de certeza. A desvalorização cambial é bem-vinda, mas essa volatilidade na taxa de câmbio não, e isso é uma característica da moeda brasileira desde a abertura que tivemos anteriormente.

Qual a importância do rebaixamento do rating do país pela S&P’s?

A gente não pode negar que isso tem efeitos reais, porque o setor financeiro e o setor real são coisas coladas, e infelizmente a nossa economia sofre muito os efeitos do setor financeiro, da especulação inerente ao setor financeiro, e o arbítrio que esse setor confere à economia, a expectativa dos agentes financeiros acaba rebatendo na economia real. Mas o que eu acho que a gente tem que questionar é a importância desse tipo de nota na tomada de decisões políticas. Nós devemos considerar esse parâmetro relevante? Nós devemos seguir os critérios que estão colocados por esse parâmetro? Eu acho que não. É extremamente questionável a atuação dessas agências porque elas são privadas, financiadas pelo setor privado, elas são alvos de inquéritos em vários lugares do mundo, elas pagaram multa por manipulação, por fraude, e que ranquearam os ativos pobres norte-americanos como excelente às vésperas da crise nos Estados Unidos, então, seus critérios são extremamente questionáveis.

Mas vamos pensar que não há nenhum tipo de incompetência, de fraude ou de manipulação política. Vamos supor que as agências fossem extremamente técnicas e eficientes. Mesmo assim, seria problemático, porque no fundo eles estão avaliando uma coisa específica que é a saúde do país diante do credor. E o que é bom para o credor não é necessariamente bom para a população ou para a estratégia a ser seguida pelo país. São coisas diferentes, então, eu avalio de toda a maneira que a gente tem de separar essas coisas e não usar isso como critério. Temos de reconhecer, evidentemente, que isso tem impactos reais, mas ao mesmo tempo, questionar o uso disso como um critério para fazer políticas econômicas.

É correto creditar ao governo a culpa pelo rebaixamento desse rating?

O governo tem alguma responsabilidade, tanto que ele está com as rédeas da economia. O ajuste fiscal empreendido desde o final do ano passado contribuiu para esse rebaixamento. Contraditoriamente, o ajuste pretendia manter a nota de bom pagador do país. Mas o ajuste foi contraproducente, os cortes de gastos geraram uma queda no crescimento, que gerou por sua vez uma queda na arrecadação e uma piora no resultado. Contraditoriamente, a gente pode dizer que o ajuste fiscal piorou as contas públicas. E essa piora contribuiu para o rebaixamento.

Com o ajuste fiscal o governo faz o que o mercado quer, mas o próprio mercado pune o governo por ter feito o ajuste, uma contradição…

Enorme! E tem aí vários fatores, tem a visão ideológica, tem gente que acha que a queda na nota vai facilitar as reformas que o mercado quer, portanto, aquela história de que é bom para o credor, mas é ruim para o país. O credor quer que o Estado se reduza, que corte gasto social, reforme o sistema de aposentadoria, mas isso tudo não é bom para a nação. A meu ver, o objetivo do ajuste não era fazer o Brasil crescer, não era manter a taxa de juros, mas o objetivo que está por trás era realinhar alguns parâmetros da economia brasileira, em particular, jogar o desemprego para cima e salários para baixo. Porque no fundo você vivia no Brasil uma redistribuição funcional da renda, a renda do trabalho estava crescendo acima da renda do capital e o que o ajuste faz é realinhar esse processo. Eu acho que é isso que estava por trás, pelo menos daqueles economistas que defendiam o ajuste, que eram mais sinceros. Eles sabiam que ia gerar baixa no crescimento, sabiam que ia gerar desemprego, mas é isso mesmo o que eles queriam.

Em outubro do ano passado você fez uma análise a este site, em que dizia que combater a inflação não deveria ser mais importante do que manter os níveis de emprego. E o que você via como ameaça no ano passado é o que estamos vivendo hoje. Nesse sentido, o que deveria ter sido feito em vez do ajuste fiscal?

Deveria ter sido criada uma agenda pró-crescimento desde o início, ter-se reconhecido o seguinte fato, de que com a recessão não vamos fazer ajuste fiscal. As medidas do governo vão no sentido de gerar crescimento para se contrapor à desaceleração da economia. E uma agenda pró-crescimento implica manutenção do emprego.

O déficit no Orçamento do governo para o próximo ano, de R$ 30,5 bilhões é preocupante?

A questão fiscal é necessariamente de médio e longo prazos. Eu não acho que podemos pegar um ponto no tempo e dizer que isso é preocupante. Já houve déficits piores do que esse. A gente já teve déficit nominal acima de 7%. E as variáveis de estoque, que são as mais relevantes, que são a dívida bruta e a dívida líquida, já estiveram muito piores do que estão agora, por exemplo, em 2002. E também em uma comparação internacional o Brasil não está mal do ponto de vista fiscal. Não é grave você fazer déficit em ano de baixo crescimento. Isso é absolutamente normal. Isso deve ser aceito porque senão você compromete ainda mais o crescimento econômico. Em ano de recessão, o Estado não deve se preocupar com déficit, mas fazer tudo para recuperar o crescimento e a arrecadação. O balanço das contas públicas virá com crescimento econômico e o crescimento da arrecadação.

O que temos visto no ajuste são medidas tópicas, como a reoneração de empresas, o aumento do IPI para bebidas, que vai entrar em vigor, repatriação de recursos evadidos para o exterior. Você concorda com esse tipo de medida ou acha que seria o caso de fazer medidas estruturantes de longo prazo como uma reforma tributária?

O conjunto das medidas pode nos dar uma visão enganosa do processo. Eu sou a favor de algumas medidas, outras, acho que são desnecessárias, mas o problema maior é o sentido, é a orientação. O discurso era: vamos fazer o ajuste fiscal para gerar confiança nos agentes e gerar crescimento. Esse discurso é totalmente equivocado, porque os agentes não investem porque o governo faz ajuste fiscal, eles investem porque veem demanda na frente. São as expectativas de lucro e de demanda que vão fazer com que se vendam os produtos, por exemplo. Essa orientação para mim estava equivocada. Agora, eu acho que o Brasil deve sim pensar em uma reforma tributária, mas não como está sendo discutido.

O ponto fundamental da reforma é uma jabuticaba que o Brasil tem, e que foi divulgada ultimamente, que é a isenção de imposto para lucro de dividendos. Isso faz com que o país tenha uma carga tributária extremamente regressiva. O imposto de renda, que é um imposto bom no sentido da distribuição da renda, ele é progressivo, ele pega uma parcela pequena da população, pega basicamente o assalariado, o trabalhador do setor público. Agora, os mais ricos no país não pagam imposto, veja o trabalho do Rodrigo Orair, que mostra que as 71 mil pessoas mais ricas do Brasil pagam apenas 4% de imposto sobre a renda, enquanto uma pessoa de classe média ou classe média alta paga 27%. A distorção tributária é enorme, mas isso não tem sido discutido. O que tem sido discutido é aumentar de 27% para 35%. Eu sou a favor do imposto de renda com mais alíquotas, mas no caso da distorção do sistema tributário brasileiro não vai dar resultado. No Brasil, os mais ricos não recebem salários, mas ganham rendimento do capital que é isento de tributação. Você vai taxar uma população que não é a mais rica.

Você seria a favor de mudanças nos impostos sobre consumo, como o ICMS, que são extremamente injustos já que são pagos pelo rico e pelo pobre indistintamente nos mesmos valores?

Os impostos indiretos são extremamente regressivos, não são pagos proporcionalmente à renda. Nós precisamos de uma reforma tributária nesse sentido, temos de entender o desafio dessa reforma, porque ela passa pelo federalismo brasileiro, que é muito complicado. De que forma vamos conseguir mediar as relações entre os entes da federação? O ICMS é uma receita que vai principalmente para os estados, é sua maior fonte de financiamento. O que poderia substituir o ICMS? Eu acho que é um debate que tem de ser feito com calma, a longo prazo. Esse debate não pode acontecer às pressas e sob a sombra do ajustes fiscal conjuntural, que é o que está sendo feito. E o que está acontecendo também é uma discussão muito mais em torno do gasto público e do gasto social do que sobre a tributação. Os economistas querem cortar o gasto social, que é extremamente complicado e antidemocrático, a meu ver, porque fere a Constituição de 1988.

O Bolsa Família é uma parte pequena do gasto público, é bastante pequena, o gasto com juros é muito maior, entre 7% e 8% do PIB, muito maior do que o Bolsa Família (R$ 27 bilhões este ano), que é pouco representativo no Orçamento total. E o que temos de mais expressivo em termos orçamentários é a Previdência Social, e os gastos com saúde e educação são bem maiores do que os do Bolsa Família. A frente de ataque da direita, dos economistas ortodoxos, é a vinculação do gasto social, eles querem poder cortar os 15% da saúde, os 15% da educação. A previdência é difícil mexer, porque só a longo prazo você consegue ter direitos adquiridos, mas eles querem reformar a previdência para a longo prazo você ter espaço fiscal. Eu acho que esse tipo de debate não é técnico, mas essencialmente político e que tem fortes ligações com o debate constituinte, com a democracia brasileira que foi instituída. Eu acho que é uma falsificação o que está sendo feito no debate público, tentar tratar esses temas como técnicos. Eu acho que temos de denunciar esse tipo de falsificação.

Você se arriscaria a fazer alguma previsão para 2016 diante do quadro que estamos vivendo hoje?

O cenário político, a correlação de forças presente tende a dar continuidade a esse processo no sentido da desconstrução das conquistas sociais dos últimos anos. Infelizmente, a gente pode viver um processo de retirada de direitos sociais, em nome do ajuste fiscal, de aumento do desemprego, mais do que já está, e a inflação não vai arrefecer até porque ela foi gerada em parte pelo aumento das tarifas de preços administrados. Foram eles mesmo que geraram a inflação, não é verdade que existe uma inflação de demanda. Trata-se de uma inflação de oferta. A continuidade desse processo vai nos levar a uma reversão dos ganhos de distribuição de renda, a uma reversão dos ganhos nos direitos sociais e da melhora no mercado de trabalho. O que poderia impedir esse processo? Que fosse montada uma frente que desse suporte a uma agenda pró-crescimento. Mas acho que, infelizmente essa iniciativa está um pouco longe do nosso horizonte, sem força política.

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