Lições da austeridade

A saída da crise global está ainda por ser ousada. E não será ‘por aí’

O ajuste colossal produzido nas contas públicas trouxe à Europa pobreza, desemprego e redução salarial. E, simultaneamente, enriquecimento dos ricos, especialmente os bem situados no cassino financeiro

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Custo de contratação do trabalhador diminuiu cerca de 9% entre 2009 e 2014 na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha

A crise de dimensão global iniciada em 2008 não desencadeou convergência entre as políticas econômicas adotadas pelos governos dos países como observado, por exemplo, na Grande Depressão de 1929. Naquela época, inclusive, o mundo não conhecia a existência de mais do que 50 países, dominado que estava ainda pelas relações entre impérios e colônias.

Talvez por isso, os efeitos decorrentes de 1929 tenham sido tão profundos, tendo em vista a implantação generalizada de medidas de austeridade fiscal, com a queda no comportamento do nível de atividade econômica e o aumento do desemprego e pobreza. Os conflitos militares que se sucederam, envolvendo a Segunda Guerra Mundial, resultaram, em certa medida, de encaminhamentos tomados por diferentes governos para enfrentar a dramaticidade da crise internacional.

Desde 2008, contudo, tem havido situações distintas na definição de políticas econômicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a preocupação maior tem sido com política monetária favorável ao estímulo econômico, com taxas de juros baixas e farta injeção de moeda na economia.

No Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), tem sido em geral direcionada a política econômica de natureza anticíclica. Com isso, ocorreram grandes pacotes de gastos fiscais introduzidos com a preocupação de motivar a manutenção de altas taxas de crescimento econômico.

Na União Europeia, a política de austeridade fiscal foi implementada. Países mais gravemente atingidos como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha sofreram muito mais os efeitos da adoção das políticas restritivas. Somente a Grécia acumulou queda no Produto Interno Bruto de 25% desde 2008.

O rigor das políticas fiscais europeias implicou o corte nas despesas públicas de 47% entre 2009 e 2015 para a Grécia, de 33% para a Espanha, de 10% para Irlanda e 3% para Portugal. Com isso, o déficit das contas públicas saiu de mais de 15% em 2009 para 2,7% em 2014 para a Grécia.

Na Irlanda, o déficit das contas públicas reduziu-se de 14,7% para 3,9% no mesmo período de tempo. Por fim, a Espanha diminuiu seu déficit público de 10,9% para 5,8% e Portugal de 9,3% para 4,5%, entre 2009 e 2014.

Simultaneamente ao programa de ajuste fiscal adotado pela União Europeia que trouxe por consequência, a queda no nível de atividade, constatou-se a queda no custo do trabalho. Enquanto na Grécia, o custo de contratação do trabalhador diminuiu 9% entre 2009 e 2014, na Irlanda ele caiu 8%, seguido da queda de 8% e 7% para Portugal e Espanha, respectivamente.

O ajuste colossal produzido nas contas públicas não trouxe o resultado esperado. Mas sim a pobreza, o desemprego e a redução salarial, acompanhada simultaneamente pelo enriquecimento dos já muito ricos, especialmente aqueles situados em torno dos ganhos financeiros.

De toda a forma, a crise de dimensão global não dá trégua. O mundo não está hoje melhor, talvez mais deprimido e triste nas regiões cujas políticas têm sido moldadas pelo crivo do ajuste fiscal.

Uma saída mais ampla desta grande crise está ainda por ser ousada. E ela não está no alcance das medidas tradicionais até então existentes.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Fundação Perseu Abramo