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Para economista, ‘terceiro turno’ atrapalha industrialização

Corrêa de Lacerda, da PUC, diz que governo sofre 'preconceito ideológico e de gênero', mas erra nos juros. Maílson da Nóbrega, ministro da inflação a 80% ao mês, diz que a CLT é arcaica

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Ex-ministro criticou a presidenta Dilma por ter se manifestado contra o PL da terceirização

São Paulo – O ex-ministro Maílson da Nóbrega avalia o processo de desindustrialização do Brasil como consequência de vários problemas estruturais. O primeiro deles é “a complexidade do sistema tributário”, dentro do qual o principal entrave é o ICMS. “Uma legislação trabalhista arcaica” é outro problema estrutural do país, que impede o desenvolvimento de uma indústria competitiva, segundo Maílson.

“O Brasil é um dos poucos países que têm Justiça Trabalhista”, afirmou, no seminário “O Desafio de reindustrializar o Brasil”, promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) no Sindicado dos Engenheiros no Estado de São Paulo nesta segunda-feira (29). Na opinião de Mailson, a Justiça do Trabalho “estimula o conflito”.

O ex-ministro afirmou ter sido a Justiça do Trabalho “que criou a polêmica da terceirização”. Ele criticou a presidenta Dilma Rousseff, por ter se manifestado contra o PL da Terceirização da atividade-fim das empresas. A lei que está em discussão no Congresso, afirmou, tem o objetivo de proteger o trabalhador terceirizado.

Para o ex-ministro, o Brasil “é o único país do mundo que discute terceirização, mas a terceirização é um processo natural” e os governos petistas, principalmente Dilma, fizeram “um cálculo errado, que identificou problema na baixa demanda”, quando o problema era de oferta, além do país de ter uma indústria pouco competitiva.

Maílson também acredita que outro problema enfrentado pela indústria do país é a baixa produtividade da mão de obra do trabalhador brasileiro, que é 17% do trabalhador americano, segundo ele.

Na opinião do ex-ministro, no contexto de uma reforma tributária, criar um imposto sobre grandes fortunas “é bom para o discurso”, mas não na prática. “Esse imposto não gera arrecadação em canto nenhum. Geriu fuga de capitais e desestímulo à produção. Os países que criaram o imposto sobre grandes fortunas revogaram.” Ele disse que é preciso melhorar a tributação sobre a renda e criar um sistema que racionalize o imposto sobre consumo, já que “o maior problema é o ICMS”, além da complexidade do sistema.

Mailson da Nóbrega foi ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, no governo de José Sarney, quando a inflação chegou a astronômicos 80% ao mês. Ele respondeu à questão de uma pessoa da plateia, que lembrou sua passagem pela Fazenda, dizendo: “Toda vez que eu critico o PT eu sou atacado nas redes sociais de maneira stalinista”, rebate sem fazer menção a sua autoria no Plano Verão, de janeiro de 1989, que levou a ações judiciais contra perdas na poupança e no saldo do FGTS que ainda hoje perduram no Judiciário.

O economista Antônio Corrêa de Lacerda, coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP, ironizou a defesa da terceirização. “Se é verdade que a terceirização incentiva (a economia), corremos o risco de alguém tentar resgatar no Congresso a escravidão.” Ele ressaltou não estar afirmando que a terceirização levaria à escravidão, mas que a mentalidade em torno da proposta, “no limite”, levaria teoricamente ao retorno a um padrão escravagista. “Acho até que muita gente no Brasil é a favor da escravidão”, disse.

O economista da PUC criticou os altos juros praticados no país. Segundo ele, a primeira condição para o Brasil recuperar a indústria “é o reequilíbrio de macropreços, como câmbio e juros”. “A segunda questão é que precisamos de políticas de Estado, não de políticas de governo. A terceira questão é encarar as debilidades do país em infraestrutura e logística. Nesse sentido, o PIL (Programa de Investimentos em Logística) é uma iniciativa louvável.”

Segundo ele, o Brasil se tornou um país desenvolvido sem o crescimento da indústria, que, devido a uma série de políticas desenvolvidas nas últimas décadas, foi “substituída” pela importação.

Lacerda afirmou ainda que existe má vontade com o governo Dilma. “O governo atual sofre preconceito ideológico, de gênero. Até as boas iniciativas, as medidas positivas, não têm boa repercussão, não têm acolhida.” Para Lacerda, o governo comete erros, principalmente em comunicação, abre espaço à “prática tacanha e oportunista” de alguns grupos.

Nesse sentido, ele rebateu a fala da professora Anita Kon, coordenadora do Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP. Anita afirmou em sua exposição que o PIL, lançado pelo governo este mês, é “tímido”. “Se é ambicioso, dizem que é megalomaníaco; se é realista, é tímido”, afirmou Lacerda.

O economista disse também que os grupos que tinham interesse em derrotar a presidenta Dilma parecem não ter entendido que perderam a eleição. “Espero que o terceiro turno acabe logo, porque senão não podemos trabalhar e não vai ter reindustrialização.”

Para Lacerda, embora haja motivos para crítica ao governo ou a suas políticas, não se pode desrespeitar a legalidade e a democracia. “Se não concordamos, vamos mudar a Constituição, mas sem golpe.”

Na opinião do economista da PUC, aumentar os juros na atual conjuntura “é um erro crasso”. “Nos acomodamos em ser uma sociedade de consumo, mas não desenvolvemos a indústria. Não houve expansão da produção. O atual momento é o pior para elevar a taxa de juros.” A recessão, para ele, deve se prolongar até o ano que vem. “Pelo menos.”