Área econômica

Para professor, Dilma acertou: ‘Não existe longo prazo com caos no curto prazo’

Coordenador de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC diz que escolha de Dilma não é novidade na história brasileira e evita enfrentamento desaconselhável com mercado

Wilson Dias/Agência Brasil

Da esquerda para a direita, Tombini, Levy e Barbosa, na apresentação da nova equipe econômica, dia 27 passado

São Paulo  – As nomeações de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e de Nelson Barbosa para o Planejamento, além de Alexandre Tombini, mantido no Banco Central, resumem uma solução equilibrada da presidenta Dilma Rousseff para tentar tranquilizar o mercado e trazer confiança dos investidores, numa conjuntura de contas públicas desorganizadas, com déficit público nominal de 5% em 2014, seguidos resultados negativos da balança comercial e inflação no limite do teto.

Para Giorgio Romano Schutte, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC e especialista em economia política internacional, não há como manter política de investimentos em infraestrutura no longo prazo e bancar o projeto de distribuição de renda sem diálogo com o mercado. “Na situação em que se estava (antes das indicações de Levy e Barbosa), a opção de radicalizar era muito difícil”, diz.

Economista e engenheiro, Joaquim Levy atuou nos governos de Fernando Henrique Cardoso (secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda e economista-chefe do Ministério do Planejamento) e de Lula (secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda). Foi também secretário da Fazenda do governo de Sérgio Cabral (PMDB) no Rio de Janeiro.

Economista, Nelson Barbosa foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda no primeiro mandato de Dilma e, com Lula, secretário de Acompanhamento Econômico e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. É considerado técnico competente e com visão estratégica da economia. “Ao indicar os dois juntos, Dilma quis sinalizar que precisa ter equilíbrio e ao mesmo tempo colocar alguém mais ligado a uma visão desenvolvimentista”, analisa o professor.

De acordo com Schutte, a opção política de Dilma não é novidade na história brasileira. “O Lula fez em 2003, Getúlio fez em 1951. O Brasil não tem tradição de enfrentamento com o mercado. O governo também não tem maioria confiável no Congresso, não tem povo mobilizado e numa economia aberta os investidores vão embora rápido. São as limitações com as quais um projeto de transformação tem de saber lidar.”

Ouça análise de Aldo Fornazieri (Fesp) e Francisco Fonseca (FGV) na Rádio Brasil Atual

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Perspectivas para 2015

A estratégia da presidenta reeleita é semelhante ao primeiro governo de Lula, que em 2003 começou seu mandato com Antonio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central, para dar “tranquilidade” ao mercado, e o “desenvolvimentista” Guido Mantega no Planejamento. Na opinião do professor da UFABC, mesmo com as semelhanças, “é difícil fazer essa comparação”. Em 2002, diferentemente do que ocorre na atual conjuntura, a situação em relação ao mercado era “mais crítica ainda”, devido às enormes desconfianças diante de um governo petista até então inédito.

No segundo mandato de Dilma, o Planejamento – que em 2002 não atraía holofotes – pode ter o papel de equilibrar o jogo. “A Fazenda (a partir de 2015) cuidaria dos problemas de curto prazo, mas com uma agenda desenvolvimentista de longo prazo, que ficaria com o Planejamento. Nesse sentido é diferente do que aconteceu em 2003.”

Schutte discorda das avaliações segundo as quais a escolha da presidenta por Joaquim Levy seria uma guinada do governo à direita, no caminho do neoliberalismo. “Há o pessoal que acha que Dilma teria sacrificado o papel do Estado. Acho que estão se enganando. Não existe longo prazo, se existe caos no curto prazo. O Brasil não teria condições de segurar uma reação violenta se colocasse alguém claramente identificado com o PT na Fazenda. Você precisa tranquilizar o mercado e a partir daí conversar. Esse é o jogo”, avalia.

Independentemente das escolhas, a previsão para 2015 é de que haverá dificuldades, cenário que também não é novidade. “2015 vai ser um ano difícil para todos. Algumas categorias vão ter reajuste no máximo aumento de acordo com a inflação. Mas isso é inevitável. Não teria muitas condições de ser diferente”, avalia Schutte.

Na semana passada, o futuro ministro da Fazenda declarou que a meta de superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) será de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar das críticas à esquerda e da simpatia da “imprensa liberal” por Levy, Schutte acredita haver “mistificação” em torno dos rumos da economia. “Se você pega historicamente, o Lula colocava 3%, 4% de superávit primário. Como hoje estamos crescendo muito pouco, 1,2% é razoável. Não é uma política de arrocho. É preciso entrar em equilíbrio. Precisa de estabilidade e tranquilidade no curto prazo para desenvolver a agenda de médio e longo prazo”, enfatiza.

Mas um governo não se resume aos ministérios da área econômica e, na avaliação do professor, é preciso aguardar nas definições de outras pastas importantes para todos os projetos de infraestrutura social, como Minas e Energia e Cidades.

As denúncias de corrupção, a Operação Lava Jato e seus desdobramentos também podem influir nos projetos de infraestrutura que o governo pretende desenvolver nos próximos quatro anos. “Tudo isso pode dar margem a fortalecimento de mecanismos de controle que tornam ainda mais difíceis as discussões de projetos”, prevê o professor da UFABC.

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