Conjuntura

Mobilidade social recente agrega tensão a visões sobre ganhos salariais

Professor vê busca por igualdade e insatisfação, Dieese atesta importância da renda para a economia e consultor empresarial nota pouca preocupação com produtividade nas negociações coletivas

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Clemente, do Dieese: “Não me parece que a ótica de reduzir emprego e salário seja boa”

São Paulo – A mobilidade social verificada nos últimos anos é o dado novo a incrementar a controvérsia que, conforme o ponto de vista, mostra o salário como impulsionador da economia ou como fator de custo empresarial. Em tempos de atividade mais fraca, pode crescer a pressão contra reajustes salariais, que no entanto sustentaram o crescimento nos últimos anos. A influência do salário na competitividade, tema de debate hoje (16) na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, também se relaciona com as transformações sociais observadas no período recente.

O professor Cláudio Gonçalves Couto, do Departamento de Gestão Pública da FGV, relaciona a Constituição de 1988 a um “pacto” por um Estado de bem-estar, a partir da universalização de políticas sociais. À Carta promulgada 25 anos atrás, o país viveu um período de estabilidade monetária, personificado pelo Plano Real, um processo de redução da desigualdade e da pobreza, com aumento do poder aquisitivo e do consumo (governo Lula), e de “melhoria das instituições voltadas para o controle da coisa pública”. Paradoxalmente, houve um crescimento da insatisfação com o funcionamento dos serviços – Couto citou expressão do então candidato e atual prefeito Fernando Haddad, de que as condições de vida melhoraram da porta da casa para dentro, mas não para fora.

Além disso, segundo ele, a recente ascensão social teve o efeito de “acirrar o ressentimento de classes”: os “de cima” de certa forma perdem status, enquanto os “de baixo” sentem que a melhoria do poder aquisitivo não é suficiente para o aumento de status.”Temos em curso uma revolução ‘tocquevilliana'”, diz Couto, usando termo da professora Maria Hermínia Tavares, da USP, em referência ao pensador francês Alexis de Tocqueville (1805-1859). “O que existe é uma busca grande por igualdade e uma insatisfação pelo não atendimento”, acrescenta. Igualdade em vários níveis: econômico, de status, gênero, de raça e orientação sexual.

No plano econômico, o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, fala em “novo paradigma distributivo” de renda, incluindo discussão sobre taxas de lucro. “Do ponto de vista da estratégia, deveríamos nos perguntar como sustentar a demanda.” Ele lembra que as negociações salariais vêm gradativamente superando o INPC. “Apesar de toda a insistência sobre uma crise geral, o resultado do primeiro semestre foi o segundo melhor para o período (da série histórica do Dieese sobre campanhas salariais).

Ao mesmo tempo, na indústria, o salário dos admitidos equivale a aproximadamente 88% da remuneração dos demitidos. Na questão da rotatividade, por ano metade da força de trabalho é “trocada” no setor – em 37% dos casos, a demissão é por iniciativa do empregador. “Nosso sistema tem uma grande flexibilidade em termos de contratação e de demissão”, observa Clemente. Ele identifica um “gargalo estrutural” nas pequenas e médias empresas.

Para o economista, há pouco investimento na expansão do setor produtivo. O diretor do Dieese refuta a hipótese de considerar o salário como fator de ajuste. “Não me parece que a ótica de reduzir emprego e salário seja boa. Estaríamos desestruturando aquilo que sustenta parte da demanda.”

Também professor da FGV, Nelson Marconi confirma que o aumento salarial sustentou boa parte do crescimento dos últimos anos. “O que a gente esperava é que esse crescimento estimulasse o investimento na demanda”, acrescenta. Ao identificar salário como “importante fator do custo de produção”, ele ressaltou estar “falando mal” do câmbio e não dos salários. “O que aconteceu foi que a produtividade ficou estável durante a crise.” Marconi vê diferença considerável entre a taxa de câmbio real e a chamada “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, em torno de R$ 3. “Enquanto a gente não resolver esse problema, vamos ter uma pressão grande para reduzir salários.”

Professor da USP e consultor empresarial, José Pastore argumenta que o custo do trabalho não inclui apenas salários, mas também abonos, indenizações, despesas com administração de pessoal, encargos sociais e itens como vale-transporte e vale-refeição. Considerando o custo total, a folha de pagamento vem crescendo acima da produtividade. “Isso impõe duas estratégias às empresas: uma é passar para os preços e outra é retirar do lucro.” Para Pastore, isso é viável no setor de serviços, “onde a competição praticamente não existe”, mas não entre competidores globais.

Segundo o professor, a questão da produtividade está bastante presente nas negociações trabalhistas de países de economia desenvolvida, mas é vista com pouca importância no Brasil. Mesmo os programas de participação nos lucros ou resultados (PLR) vão “se descolando” de metas que poderiam estar associadas à produtividade.

 

 

 

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