Fazenda

Mantega caminha para se tornar o ministro mais longevo da história

Guido Mantega alcançou em 27 de março o recorde de permanência no posto na Nova República, que era de Pedro Malan. Compare indicadores e legados

Marcello Casal/Agência Brasil

O ministro, que sucedeu Antonio Palocci em 2006, comandou as respostas do país à crise de 2008

São Paulo – Entenda-se como “Nova República” a era iniciada com a volta dos civis ao poder, de 1985 em diante. Pedro Malan ocupou o cargo durante os dois mandatos completos de Fernando Henrique Cardoso. E Guido Mantega superou essa marca neste 28 de março. Antes deles, apenas dois tiveram longevidade considerável: durante o governo de Getúlio Vargas no Estado Novo, Artur de Souza Costa foi ministro oficial de 24 de julho de 1934 a 29 de outubro de 1945 – descontados 30 meses em que esteve afastado e substituído por interinos, sua permanência efetiva soma oito anos e nove meses. Recuando pouco mais de um século, somente o primeiro a ocupar o posto com a chegada de dom João VI, Fernando José de Portugal e Castro, teve temporada digna de nota: de 11 de março de 1808 a 30 de dezembro de 1816, oito anos, nove meses e 20 dias.

Consideradas todas essas eras, Mantega está no terceiro lugar do pódio. E uma vez seguindo até o final do mandato da presidenta Dilma Rousseff, em 31 de dezembro, o economista entrará para a história como o mais longevo ministro da Fazenda da era republicana, com oito anos, nove meses e quatro dias.

Dadas as conjunturas de cada época, uma comparação razoável de indicadores econômicos alcançados nas respectivas gestões só é factível entre as de Malan e Mantega – até porque comparações entre petistas e tucanos, que polarizam o poder central há duas décadas, são esportes preferidos de parte a parte.

Tempo de mercado

Pedro Sampaio Malan, que fez 71 anos em fevereiro, engenheiro de graduação e doutor em Economia, já orbitava feito um satélite as equipes econômicas dos presidentes Fernando Collor de Mello e Itamar Franco (1990-1994). No primeiro, tinha como missões inglórias negociar a reestruturação da dívida externa com o FMI e encontrar meios de reduzir a dívida interna – ambas pedras no sapato da economia brasileira desde o “milagre” econômico do início dos anos 1970. Tratou também de introduzir conceitos da escola liberal já vigente em países como México, Argentina e Chile. Foi quando a agenda política brasileira começou a se familiarizar com verbetes como “abertura econômica”, “reforma do Estado” e “desestatização”. No governo Itamar Franco, presidiu o Banco Central de setembro de 1993 até dezembro de 1994, quando saiu para assumir a Fazenda.

Integrou, portanto, o núcleo duro da economia durante toda a década de 1990 e foi um dos responsáveis pela aplicação do Plano Real. A redução da inflação dos três dígitos para um e a estabilização da moeda são a grande marca deixada pelo primeiro reinado de FHC, que terminou em 1998 com uma taxa anual (IPCA) de 1,65%.

O plano teve inspiração em outros modelos de estabilização de países já citados: uma relativa dolarização das moedas (prejudicando o mercado exportador de manufaturados e induzindo a dependência do de commodities, fenômeno de que até hoje ainda se ressente a política industrial), enxugamento do dinheiro em circulação para conter a procura e não pressionar a demanda (traduzindo: aperto salarial e desemprego elevado); a sacralização das metas de superávit e de inflação; o gigantesco programa de privatizações, numa ponta a pretexto de arrecadar recursos para abater a dívida pública, e noutra destinando ao mercado privado negócios antes sob controle do Estado. Uma das principais críticas à venda do Sistema Telebrás, por exemplo, foi ter entregado todo o futuro digital que estava por vir pelo preço do analógico que estava por ser ultrapassado. Vendeu-se o e-mail pelo preço do fax. E dívida pública não encolheu, ao contrário.

A alegria da estabilidade durou até o final do primeiro mandato e foi tão fácil eleger Lula em 2002 quanto FHC em 1994 e 1998. O nome de Malan chegou a ser ventilado como o certo para consertar os defeitos da economia e manter os tucanos no Planalto, mas disputar com José Serra não era para qualquer um. Depois de uma quarentena, Pedro Malan foi descansar do estresse no Conselho de Administração do Unibanco. Hoje, ele é presidente do conselho consultivo internacional do Itaú Unibanco, e faz, entre outros, uns frilas em conselhos como os da rede Ponto Frio e da Alcoa.

Ajustes nos mandamentos

Em um país governado sob as inspirações liberais, pouco espaço havia para o economista Guido Mantega, nascido em berço italiano de Gênova e prestes a completar 65 anos, em 7 de abril. Ele graduou-se em Economia na USP e doutorou-se em Sociologia do Desenvolvimento. Foi vice-reitor da PUC-SP, trabalhou no gabinete do professor Paul Singer quando secretário de Planejamento da prefeitura de São Paulo, gestão Luiza Erundina (1989-1992). Desde que Luiz Inácio Lula da Silva passou a disputar a presidência, em 1989, Mantega integrou a coordenação da área econômica de seu programa de governo. Ou seja, rabisca planos para o país há 25 anos.

Na era Lula, foi ministro do Planejamento e presidiu o BNDES, até assumir a Fazenda em 27 de março de 2006, no lugar de Antonio Palocci. Consta, aliás, que os grupos de Mantega e de Palocci não falavam a mesma língua. O dito “desenvolvimentismo” do primeiro não caia bem no rigoroso padrão Carta aos Brasileiros do segundo.

A sua nomeação foi também um gesto mais robusto de Lula na valorização dos programas sociais e do aquecimento do mercado interno como forma de ampliar os empregos e a renda. Tudo sem perder de vista o controle da inflação e sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal – uma espécie de emenda do academicismo econômico aos Dez Mandamentos que não apenas condena moralmente, mas criminaliza, o governante que gastar mais do que arrecada. Só que para o paladar do doutor em Sociologia do Desenvolvimento, respeitar essa lei não precisa ser sinônimo de arrocho: se é preciso gastar menos do que se arrecada, então que se trate de arrecadar mais para que se possa gastar mais.

Foi mais ou menos com esse pensamento que o governo brasileiro reagiu à crise mundial do sistema bancário, em sentido contrário ao tomado pela maioria dos países afetados. O tsunami, que os serviços de previsão de abalos sísmicos das agências de classificação de risco não captaram, na ocasião foi calculado pelo presidente Lula que chegaria ao Brasil não maior que uma “marolinha”. Em 2009, a marolinha conduziu o PIB do país a -0,33%, único resultado negativo dos últimos 20 anos de Fla x Flu entre tucanos e petistas.

Mas as medidas anticíclicas capitaneadas por Mantega deram resultados que surpreenderam o mundo, a ponto de o país viver um processo de aumento da arrecadação mesmo em meio a diversos episódios de “puxadinhos” tributários. A redução de impostos e contribuições ajudou diversos setores econômicos a continuar competindo e, sobretudo, empregando, concedendo aumentos reais de salários e mantendo o motor da economia em boa rotação. Em 2010, o Brasil o PIB respondeu com alta de 7,5%, a maior desde o “milagre”.

O problema é que o buraco da crise mundial ainda está mais embaixo e, se não trouxe o tsunami para cá, também não leva embora a marolinha que não deixa a economia deslanchar. Como em questões de governo economia e política caminham de mãos dadas, Guido Mantega foi impedido pelas circunstâncias – com gente do deus “mercado” a viver pedindo sua cabeça – de deixar a Fazenda. Por questões pessoais e familiares, segundo pessoas próximas ao ministro, ele não gostaria nem um pouco de estar batendo esse recorde de longevidade. Planilhas cansam. Mas por compromisso com o dever, e por uma ranhetice solidária e saudável de sua chefa, é improvável que não segure a onda até dezembro.

Ficam aí alguns números para a posteridade.

Colaborou Gustavo Machado Cavarzan, economista do Dieese

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