Seminário na Fiesp

Juros altos e câmbio sobrevalorizado são barreiras para indústria, dizem economistas

Bresser-Pereira afirma que Brasil superou liberalismo econômico dos anos 1990, mas não entrou no neodesenvolvimentismo. Amir Khair diz que política econômica presa ao medo da inflação trava o país

Image Source/Alan Schein/Folhapress

A valorização do setor produtivo na tomada de decisões é indicada como parte da solução para a indústria

São Paulo – Os altos juros ao consumidor e o câmbio sobrevalorizado são as maiores barreiras para a retomada do crescimento da indústria brasileira, fator fundamental para o desenvolvimento do país. Esse foi o eixo central do diagnóstico feito pelos economistas reunidos no seminário “Reindustrialização do Brasil: chave para um projeto nacional de desenvolvimento”, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), hoje (26), na capital paulista. No entanto, não há consenso sobre os caminhos para superar esses entraves.

O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, que atuou como moderador do debate, apontou que o relativo consenso entre os palestrantes aponta com clareza para a necessidade de revisão das prioridades do país. “Não estamos mais no nacional-desenvolvimentismo dos anos 1970, mas também já superamos o liberalismo econômico dos anos 1990, isso acabou em 2008. O que falta é entrarmos no novo desenvolvimentismo”, defendeu. “E a grande mudança depende dos empresários e trabalhadores, de mudarem sua prioridade da política industrial para a política cambial”, sustenta.

Para o economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo, a política macroeconômica brasileira está presa a uma visão que privilegia o combate à inflação sobre todas as outras variáveis. “O Brasil é comandado na política econômica pelo medo da inflação, não focado no crescimento econômico. Avançou-se muito, é verdade. O projeto de crescimento com inclusão social que está se dando é importante. Mas a parte do crescimento não está andando no mesmo ritmo da inclusão”, afirma.

Desse medo derivam a altíssima taxa de juros ao consumidor, de longe a mais alta do mundo. Ele conta de uma pesquisa realizada com dados de juros ao consumidor de mais de 100 países de 2000 a 2011. Segundo ele, enquanto a média dos países emergentes tinha razoável estabilidade em 10% de juros ao ano, a taxa brasileira no período ficou praticamente estabilizada em 120% ao ano para pessoas físicas e 60% para pessoas jurídicas, segundo dados da Anefac. “Em abril de 2011, a presidenta iniciou uma campanha, colocando o Banco do Brasil e a Caixa para disputar mais o mercado e forçar os bancos privados a baixar as taxas. Com isso, conseguiu uma redução para 90% ao ano para pessoas físicas e 45% para jurídicas e ficou nisso”, lembra.

“Isso é um freio para a economia. E não foi retirado porque faz parte implicitamente e de forma velada do controle de crescimento, segurando o consumo para controlar a inflação. Um país com o breque de mão puxado não vai pra frente. A indústria sofre porque não só tem uma trava para o consumo, mas também um câmbio totalmente fora de lugar. Mesmo em R$ 2,40 ainda está errado, o equilíbrio deve estar por volta de R$ 3, segundo as projeções”, defende.

Para ele, é preciso reduzir esses freios. “Os bancos privados precisam derrubar os juros. O Banco Central tem instrumentos para isso mas não usa. É preciso recuperar a competitividade da indústria. A maioria dos países acelerou a competição pelo mercado internacional após a crise e nós fomos no sentido inverso. Precisamos mudar isso”, defende.

O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Bernard Appy enquadra o spread bancário entre uma série de questões microeconômicas que precisam ser abordadas para destravar o crescimento do país. “O lucro é mais alto no Brasil que em outros países, mas não explica todo o enorme spread bancário do Brasil, recordista no mundo. Os custos de recuperação de crédito inadimplente são muito mais altos aqui, acontecem fraudes bancárias em nível maior que em outros países”, analisa.

Para ele, a falta de competitividade da indústria se deve a fatores macroeconômicos que levam a juros altos e câmbio valorizado, mas também a questões microeconômicas ligadas à atuação das empresas e ao desenho institucional do país. “Temos um problema macro na dificuldade de superar o binômio câmbio valorizado e juros altos, mas temos também problemas microeconômicos seríssimos que deveriam estar mais na pauta do que estão hoje”, defende.

Outro exemplo é a complexidade da estrutura de arrecadação tributária. “Isso traz um enorme peso morto para as empresas. Elas precisam de uma grande estrutura para conseguir pagar imposto, favorece um enorme contencioso tributário entre as empresas e o fisco, permite a guerra fiscal”, afirma.

Agenda comum

O professor de economia da PUC Antonio Correa de Lacerda constata a disparidade entre o crescimento do consumo que se deu nos anos 2000 e o baixo crescimento da indústria. Ele vê fatores positivos no cenário vivido pelo Brasil atualmente, com um crescimento razoável de 2003 a 2010, com média de 4% ao ano, e nesse período conseguiu reduzir o desemprego à metade, indo de um número próximo de 12% em 2003 para 6% em 2011. “Mesmo com crescimento menor do que o do período do pós-guerra, conseguimos reduzir o desemprego por conta de um fator demográfico, que é a entrada de menos pessoas no mercado de trabalho, e permitiu a incorporação de 40 milhões de pessoas na chamada classe C. Isso consolidou um modelo de consumo e permitiu que o país ficasse entre as dez maiores economias do mundo mesmo com o baixo crescimento da década de 1990”, avalia.

No entanto, esse momento favorável não ampliou a indústria. “O problema principal é que nos tornamos um país forte de consumo, mas não de produção. Grande parte do acréscimo de consumo que tivemos vazou como importação. O coeficiente de importação aumentou em todos os setores”, afirma.

Segundo ele, esse desempenho da indústria está relacionado a condições de competitividade desfavoráveis e a um problema crônico na economia brasileira de utilizar a política cambial como instrumento de estabilização dos preços. “Isso não é novo e a economia acaba se adaptando a essa situação. Os anos 2000 representam um novo ‘milagre’ da economia: expandir o consumo, distribuir renda e algum crescimento, mas que traz em seu modelo um pecado original que é a valorização cambial”, afirma.

Lacerda avalia que a recente desvalorização do câmbio é reflexo tanto de uma nova conjuntura internacional como da vulnerabilidade do nosso balanço de pagamentos, que levou a uma rápida deterioração do déficit em conta corrente. “Temos que aproveitar esse momento e conduzir uma desvalorização cambial da melhor forma possível. Apesar de todas as dificuldades, vejo grande oportunidade para o Brasil se livrar da armadilha do câmbio valorizado e melhorar sua comunicação. Hoje a percepção sobre a economia brasileira é muito pior do que a realidade, isso precisa ser enfrentado”, avalia.

O secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, defendeu que uma vida de qualidade para os trabalhadores passa, além de serviços públicos como educação, transporte e saúde, por um trabalho de qualidade, e que isso é ainda algo raro no Brasil. “Quando vamos a uma fábrica brasileira vemos pessoas apertando botão ou parafusos. O trabalho de qualidade é de engenharia, desenvolvimento de produtos, de máquinas, e temos perdido esse emprego”, afirma. “Os empresários falam muito em capacitação e qualificação de mão de obra, mas isso não adianta se a indústria brasileira não demandar esse tipo de trabalhador”, questiona.

Para Nobre, a globalização levou a uma nova divisão internacional do trabalho, em que os países centrais ficaram com o desenvolvimento de produtos, etapa de maior demanda de tecnologia, e espalharam para o mundo a produção direta, desde que com mão de obra barata.

“Visitei uma fábrica da Volks na Alemanha que tem 50 mil trabalhadores. Destes, 35 mil estão na engenharia e os outros na produção, mas de alta qualidade. A maior parte da produção foi concentrada na China. É um fenômeno que chega também ao Brasil. A Volks nos anos 1950 desenvolvia motores aqui e vem deixando esse modelo para ser importadora”, alerta.

O dirigente cutista avalia como positivas iniciativas tomadas por trabalhadores e empresários em aliança para defender os empregos na indústria, que levaram à criação do programa Brasil Maior, de incentivos fiscais à produção industrial, e mais recentemente ao Inovar Auto, que criou incentivos para empresas do setor automobilístico que investirem em inovação em solo brasileiro.

“Na CUT tomamos uma decisão: queremos ser um país de produtores, não de importadores. Temos que construir agenda comum entre governo, empresários e trabalhadores para isso. Para isso, é preciso uma reforma política, porque esse Congresso que temos é uma federação de interesses corporativos que não vai discutir essa agenda. Queremos também que o Copom passe a ouvir o setor produtivo para tomar uma decisão tão importante quanto o patamar dos juros do país”, defende.

Aperto fiscal

Para Edmar Bacha, considerado um dos país do Plano Real, o passo central do Brasil para destravar o crescimento e sair do que chama de “armadilha da renda média” é uma maior integração ao mercado internacional. “Todas as grandes economias do mundo são também grandes exportadoras, como Estados Unidos, União Europeia e China. As únicas exceções são a Índia, que é a quarta maior economia e apenas o 21º país em exportações, e o Brasil, oitava economia e 15º exportador”, analisa.

“Todos os países que saíram da armadilha da renda média, como os do Sudeste Asiático, o fizeram por meio da integração internacional. Isso precisa ser feito, não como no governo Collor, mas como no Plano Real: de forma gradualista e com amplo consenso político e social”, afirma.

Ele propõe que esse consenso seja construído a partir de três pontos. O primeiro seria uma reforma fiscal para abaixar e simplificar em oito anos a carga tributária que atinge as empresas, acompanhada de uma política de contenção que limite o aumento das despesas correntes do governo a metade do crescimento do PIB. O segundo, a adoção de um câmbio apropriado, que permita a competição, e a eliminação de proteções tarifárias a indústrias específicas.

E, por fim, a realização de acordos comerciais para ampliar a presença comercial do Brasil. “Vamos transformar o Mercosul numa área de livre comércio, vamos terminar o acordo com a União Europeia. Se o Brasil não se abrir, a desindustrialização continuará a ser uma praga”, afirmou.O economista da FGV-SP Yoshiaki Nakano, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, apoiou as linhas gerais da proposta de Bacha. Ele elenca alguns pontos para estancar o processo de desindustrialização, cujo aprofundamento seria “o maior desastre” para um país com a população do Brasil, que em sua avaliação não tem como crescer sem uma indústria forte.

Como Bacha, ele também defende um aperto na política fiscal e apoia a proposta de um teto para o aumento nos gastos correntes do governo federal. “Não podemos mais cair no erro de fazer política fiscal frouxa e uma política monetária apertada. Tem que ser o inverso. Se fizermos isso, abriremos espaço para fazer a reforma tributária. Não vejo como reduzir a carga tributária sem passar previamente pelo controle da despesa corrente do governo por lei”, defende.

Ele também defende uma política que chamou de “assimétrica” que evite a apreciação cambial excessiva. “O BC intervém e sinaliza muito fortemente que não vai tolerar a apreciação da taxa de cambio, vai levá-la para um nível competitivo, talvez em torno de R$ 2,40. O câmbio poderia flutuar apenas no sentido inverso. Uma política controlada assim evitaria a possibilidade de inflação, traria de volta investimentos privados e aumentaria a poupança do país”, defende.

Nakano também segue Bacha em relação à abertura comercial, vista como necessária. “O Brasil adotou um modelo errado lá atrás, abrimos prematuramente a conta de capital sem liberalizar plenamente a conta de comércio, enquanto países que cresceram rapidamente fizeram o contrário. Assim, a taxa de câmbio passa a ser a chave: se você garante que o câmbio não se aprecia, não tem problema de ter acordos comerciais com todos os países”, avalia.