Discordâncias

Alta da Selic para combater inflação é polêmica em debate de economistas

Citando ícones neoliberais, Alexandre Schwartsman e Heron do Carmo defendem aperto monetário duro como única saída. Amir Khair afirma que elevação de juros atinge 'mortalmente' crescimento do PIB

Gleyma Lima

Debate discutiu rumos da inflação e armas para combatê-la

São Paulo – A inflação deve terminar 2013 dentro da meta, mas tem apresentado sinais de crescimento no longo prazo e deve ser combatida. Se houve consenso nesse diagnóstico, o debate “Qual é a inflação tolerável para o Brasil de hoje e de amanhã?”, promovido na manhã desta sexta-feira (10) pela entidade Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), mostrou um intenso debate sobre as causas do processo inflacionário e as formas de enfrentá-lo.

A elevação da taxa básica de juros, com pesadas implicações no crescimento econômico e geração de empregos, foi o principal ponto de discórdia. O evento reuniu os economistas Alexandre Schwartsman, sócio da consultoria Schwartsman e Associados e ex-diretor do Banco Central; Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário de Finanças do município de São Paulo; e Heron do Carmo, professor da USP e ex-coordenador do índice Fipe.

Schwartsman recorreu ao norte-americano Milton Friedman, tido como pai do neoliberalismo, para defender a elevação da taxa básica de juros como remédio único para a inflação, por sua ação determinante para diminuir a demanda no país. “Friedman disse que a inflação, sempre e em todo lugar, é um fenômeno monetário. Se a inflação não é a que queremos, temos que apertar a política monetária, não tem outra saída. Isso não vai acontecer agora, ou pelo menos não no ritmo necessário, porque diminuiria o nível do PIB e o governo não vai fazer isso em ano eleitoral”, disse.

Ele refutou o que chamou de “apelo intuitivo” em explicações apresentadas por muitos para o aumento de preços, restringindo o problema a uma elevação dos preços de alimentos causada por problemas pontuais de safra. Para isso, argumentou com a alta difusão dos aumentos de preços nos últimos meses, índice que mostra quantos dos produtos e serviços monitorados pelos IPCA tiveram elevação de preço. “Vemos que 75% dos preços subiram em janeiro, não apenas os alimentos. De julho a abril, exceto novembro, em todos os meses a difusão foi recorde para aquele mês no período de 2005 a 2012”, explica.

Para Schwartzman, a inflação deve terminar o ano um pouco acima de 6%, nível mais alto do que o previsto pelo consenso do mercado. “Talvez em 2015 possamos recomeçar a tomar as medidas corretas, e não apenas ações pontuais e temporárias como segurar os preços dos combustíveis, causando prejuízo à Petrobras, segurar aumentos nas tarifas de ônibus, quebrando o caixa dos municípios, e outras”, completa.

Amir Khair discordou frontalmente da tese de que a Selic seja a arma de combate à inflação e cobrou atenção para o crescimento econômico. “O Brasil hoje tem juros de 7,5%, empatado com a China em primeiro lugar no mundo. Em termos reais (descontada a inflação), empata com o Chile também em primeiro. No mundo todo, desde setembro, todos os bancos centrais estão preocupados com crescimento. Ninguém aumenta juros e muitos reduziram. Está havendo uma crise de redução de crescimento em todos os países”, explicou. “Aqui, crescemos pouco nos últimos dois anos e periga não chegarmos a 3% esse ano. A preocupação central tem que ser com crescimento econômico. O que está puxando o PIB é o consumo das famílias. Se restringirmos o consumo por meio da Selic, estaríamos atingindo mortalmente o fraco PIB que anda temos.”

Para Khair, os alimentos são o principal foco das pressões inflacionárias atuais, que serão atenuadas pela entrada no mercado da nova safra. “Nos últimos 12 meses os alimentosin naturacresceram 55%. Não foi à toa que o tomate ganhou a mídia. Quando tiramos os alimentos do IPCA, o índice tem girado em torno 4%”, defendeu. “Os alimentos têm peso importante, apesar da difusão. E mesmo ela tem caído nos últimos meses e, em abril, foi menor do que a do mesmo mês do ano passado. Para os alimentos, a previsão não é ruim, de acordo com os dados de safra anunciados ontem (9) pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), apontando crescimento de 15% em relação ao ano passado. Essa safra está começando a entrar no mercado, logo tendencia de preços é de queda”, afirma.

Khair defende uma desvalorização do câmbio para fomentar o crescimento, aumentando a competitividade dos produtos brasileiros. Os impactos inflacionários que a medida traria, por elevar os preços de produtos importados, não seria tão grande quanto se imagina, na avaliação do economista. “Tivemos uma desvalorização significativa do câmbio entre 2011 e 2012, indo de R$ 1,67 por dólar para R$ 2, e o impacto na inflação não foi pesado. Se jogarmos o câmbio para cima, mais perto de R$ 3, podemos devolver ao empresário brasileiro um pouco da competitividade que foi tirada dele”, defende.

Para ele, outro ponto que deve ser olhado é a enorme diferença que temos no Brasil entre a taxa básica de juros e o custo do crédito na ponta para empresas e consumidores. “Na China, essa diferença é pequena e qualquer mexida na taxa básica é sentida na ponta. Aqui, com juros de 7,5%, os juros ao consumidor chegam a 89% ao ano, segundo a Anefac (associação de executivos financeiros). Precisamos atacar esse problema”, afirmou, arrancando um princípio de aplausos da plateia de empresários. “Isso faz a política monetária totalmente ineficaz. A menos que se adote a tese de aumentar o desemprego para controlar a inflação, o que não advogo. Temos problema de crescimento fraco. Se der um golpe no mercado de trabalho, piora”, avalia.

Heron do Carmo também resgatou antigos ídolos do neoliberalismo ao defender apertos tanto na política monetária, por meio de elevação da Selic, quanto na fiscal, cortando gastos públicos, para levar a inflação a um patamar mais baixo em alguns anos. “Recentemente a imprensa deu muita enfase ao falecimento da (ex-premiê britânica) Margaret Thatcher. Ela e o (ex-presidente dos Estados Unidos Ronald) Reagan pautaram sua política por uma forte intervenção nesse sentido, com aperto monetário”, lembra.

Para ele, o crescimento da inflação é fruto da leniência do governo em seu enfrentamento. “A evolução da inflação preocupa, já vimos cenários assim em períodos anteriores. Hoje há leniência da equipe econômica  e aceitação por parte do público de que a inflação está estável. Nos anos 1960, a inflação ficou por algum tempo em torno de 15% e imaginaram que o país poderia crescer mais rapidamente. Mas, com os choques do petróleo, a inflação subiu de patamar e foi um desafio baixar. Se tivermos um choque hoje, podemos perder todo o esforço feito até 2006 para que a inflação caísse”, avaliou. “Hoje já se fala em possibilidade de aumento da meta, o que seria começar a por a perder todo o esforço feito desde o Plano Real. O regime de metas deveria buscar trazer a inflação para o patamar que se considera de estabilidade, perto de 2% ao ano. A inflação estável em nível maior tem certo conforto, mas é como um second best. Precisamos trazer para patamar de estabilidade.”

Para este ano, Heron prevê inflação em 6%, mas preocupa-se com o comportamento de alimentos de consumo interno, como feijão, arroz e batata, que não visam exportação. “Se com o inverno tivermos problemas acentuados em algum deles, a inflação pode se aproximar mais do teto de 6,5%. E a Conab disse que podemos ter problemas na safra de feijão”, afirma. “A economia brasileira tem olhado muito para a demanda, mas não para a oferta. Falta uma política pública para os produtos agrícolas de consumo interno, por exemplo. Hoje há pessoas deixando de plantar feijão para produzir soja, por há incentivos para exportação.”