economia

Pressão para elevar juros atrapalha avaliação correta da inflação, diz Mattoso

Para economista, ex-presidente da Caixa, análises ignoram o fato de o IPCA ter recuado nos dois últimos meses. Ele avalia que BC tem agido corretamente ao resistir às pressões 'rentistas'

Volta da inflação prejudica mais pobres, mas pressão para mudar política monetária para combatê-la pode servir só a especuladores (CC/arquivo RBA)

São Paulo – Na batalha das expectativas, a chamada ala rentista do mercado (basicamente, o sistema financeiro) tenta ganhar terreno para pressionar o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central a aumentar a taxa básica de juros em sua próxima reunião, na semana que vem. A inflação é o principal combustível a alimentar os rentistas. Há quem defenda, inclusive, algum “desaquecimento” do mercado de trabalho para reduzir a inflação, como fez recentemente o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn. O economista Jorge Mattoso identifica certo alarmismo, com a existência de “interesse que ultrapassa uma avaliação correta sobre a inflação”.

  • Para ele, as análises sobre o resultado do IPCA de março ignoraram o fato de que a taxa foi menor nos dois últimos meses: de 0,86% em janeiro para 0,60% em fevereiro e 0,47% no mês passado – abaixo das previsões do mercado, majoritariamente em torno de 0,50%. De um mês para o outro, a inflação caiu em torno de 20%, ressalta Mattoso. “Em geral, em janeiro e fevereiro a taxa de inflação sobe. As políticas adotadas pelo governo estão sendo eficazes.”

    Mas todos os olhares se voltaram para o índice acumulado em 12 meses, que atingiu 6,59% e rompeu o teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (6,5%). Mattoso contesta essa premissa: o que deve ser considerado, diz ele, é o ano-calendário, ou seja, o resultado acumulado e dezembro. “As metas são para o ano”, observa. Assim, se em abril o IPCA ficar entre 0,35% ou 0,40%, por exemplo – um resultado factível –, a inflação voltaria para dentro da meta, deslocando-se para o centro (4,5%).

    O economista e ex-presidente da Caixa Econômica Federal lembra que um dos fatores de pressão inflacionária, os alimentos, podem ceder nos próximos meses. “A produção agrícola vai ser boa este ano e não vamos ter a mesma pressão”, comenta. Ele também destaca as políticas que estão sendo implementadas pelo governo, que deverão ter efeito sobre a inflação. Nesse sentido, Mattoso elogia a ação do Banco Central, ao resistir às pressões de quem desejava aumento dos juros já em março. “Esses setores pressionam por uma volta aos tempos em que era mais fácil cuidar dos custos. Parte dos custos era paga com elevação dos juros. E não é só banco.”

    Isso não significa que o Copom não possa aumentar os juros, se achar necessário, diz Mattoso, para quem o discurso de ignorar a inflação seria um erro. “A inflação é ruim para o país, e é ruim para os mais pobres. Pode ser necessária, sim, uma intervenção do BC. Mas eu acho que isso ainda não está conformado.” Como uma alta de juros tem impacto sobre o crescimento econômico – outro desafio brasileiro –, também é prudente aguardar um pouco mais. “O BC também tem de ver o que o governo está fazendo. Portanto, adiar isso (aumento de juros) até o momento possível, para que outras medidas mostrem sua eficácia, acho extremamente positivo”, acrescenta.

    Quando seria esse momento? Mattoso acha de bom-tom aguardar pelo menos mais um mês. Se o IPCA de março não tivesse cedido, ele não tem dúvida de que o Copom aumentaria os juros já na próxima semana. Mas cedeu.

    Arte: Júlia Lima. RBA

    Na última segunda-feira, durante evento em Porto Alegre, o presidente do BC, Alexandre Tombini, reafirmou o discurso precavido. “O Banco Central tem comunicado à sociedade sua preocupação com o nível e a resistência da inflação nos últimos meses. Não obstante, dadas às incertezas remanescentes o Banco Central tem atuado com cautela”, declarou, acrescentando que “irá acompanhar a evolução do cenário macroeconômico”. Em seus documentos públicos, como a ata do Copom e o Relatório de Inflação, o BC vê problemas no curto prazo em relação à inflação, mas manifesta incerteza sobre a continuidade desse quadro negativo.

    Sobre a defesa de um “desaquecimento” do mercado de trabalho, Mattoso – autor do livro “O Brasil Desempregado”, de 1999 – também contesta a tese. “Tem uma série de setores conservadores insistindo na tecla que estaríamos numa situação de pleno emprego. Temos tido uma elevação importante do nível de emprego, mas não podemos dizer que somos um país em pleno emprego. Vamos ser claros: se você tem uma elevação muito grande dos salários por um período muito longo, pode ocorrer (impacto na inflação). Mas a elevação dos preços em 2012 não tem relação com isso.”

    Nos governos Lula e Dilma, apenas em 2003 e 2004 a inflação oficial fechou o ano acima da meta – resultado que Mattoso atribui a problemas herdados da gestão anterior. A maior taxa pós-Real, ou seja, a partir de 1995, é do último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (12,53%).