Analistas veem ambiente favorável para discussão de pacto federativo

Governadores reúnem-se quarta-feira com presidentes da Câmara e do Senado, além de líderes de bancada, para buscar acordos mínimos sobre encargos e atribuições de União, estados e municípios

Queiroz, do Diap: “É preciso um novo pacto federativo que defina quais são os tributos que os estados podem cobrar e quais os limites para não haver problema” (Foto: Agência Senado)

São Paulo – Governadores de todo o país se reúnem na próxima quarta-feira (13) em Brasília com os presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para continuar as discussões sobre o novo pacto federativo. Os líderes das bancadas partidárias no Congresso também participarão do encontro, que pretende definir uma “agenda comum” que permita avançar – ou seja, conseguir consensos mínimos – em assuntos espinhosos, como reforma tributária, distribuição do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, guerra fiscal e repactuação das dívidas estaduais com a União.

“Pedi a cada um deles (governadores) que traga uma pauta mínima, dois ou três assuntos. Não adianta apresentar 20 temas, pois isso não resolve nada”, disse hoje (11) o presidente da Câmara durante entrevista coletiva na sede estadual do PMDB em Natal (RN). De acordo com Alves, o atual pacto federativo está “esgotado” e a situação dos municípios, cada dia pior. “Sou de um tempo em que o município era o primo pobre da nação, mas hoje é o paupérrimo. Esse ente está muito defasado nas questões orçamentária, administrativa e política. Os estados também estão com problemas. Não podemos ficar assim.”

De maneira geral, o pacto federativo pode ser entendido como a partilha de atribuições e recursos públicos entre os quatro entes federativos definidos pela Constituição de 1988: União, Distrito Federal, estados e municípios. A Carta define, por exemplo, que o governo federal é responsável pela proteção das fronteiras, que os governos estaduais devem zelar pela segurança pública e os municípios ficam encarregados de pavimentar ruas e avenidas. E assim com uma série de obrigações. Para que possam exercer todas suas funções constitucionais, os entes precisam de recursos financeiros – e estes vêm dos impostos e contribuições pagos por cada cidadão e empresa do país.

Concentração

Os tributos sempre foram majoritariamente para a União. Hoje em dia, porém, os cofres federais ficam com cerca de 60% de todas as taxas cobradas no Brasil. Os estados retêm 25% e os municípios, apenas 15% do bolo fiscal. Aqui começam os problemas, uma vez que os governos estaduais e municipais há anos se queixam da “elevada” concentração dos impostos em posse da União. Querem ter direito a maiores fatias tributárias. Dizem que, assim, poderão cumprir com algumas atribuições que, hoje, devido à falta de dinheiro, não conseguem realizar. O povo é quem mais se prejudica.

“Historicamente, não tem havido clareza suficiente sobre quem tem a responsabilidade de executar determinadas políticas públicas, como habitação, assistência social, saúde e educação”, explica Antônio Augusto de Queiroz, analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Como existe dúvida, é preciso um novo pacto federativo que defina quais são os tributos que os estados podem cobrar e quais os limites para não haver problemas.”

Secretário municipal de Finanças de São Paulo durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, Amir Khair acredita que as atribuições constitucionais de cada ente federativo já estão bastante claras. Alguns ajustes, porém, seriam bem-vindos. “O que se pode fazer é que, nas competências concorrentes, haja melhores entendimentos entre União, estados e municípios”, propõe. “E que as transferências voluntárias de recursos – que dependem de negociações políticas – possam ser negociadas com algum tipo de regra.”

No começo de 2012, o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), convocou uma comissão de especialistas – juristas, economistas e cientistas sociais – para elaborar uma série de recomendações sobre o novo pacto federativo. Liderado pelo ex-ministro da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, filiado ao PMDB, o estudo foi entregue no final de outubro. O relatório traz nove sugestões ao Congresso, sendo três propostas de emenda à Constituição (PEC), quatro projetos de lei e duas emendas a projetos já em tramitação.

Discussão

Um dos temas que dizem respeito ao novo pacto federativo é a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE). “O STF determinou ao Congresso que defina novos critérios de repartição”, lembra Amir Khair. “Esse fundo é composto por uma parte do que a União arrecada com Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda. É uma discussão que coloca os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que recebem 85% do FPE, contra os governadores do Sul e Sudeste, que recebem 15%.”

O ex-secretário de Finanças de São Paulo lembra que os estados que mais recebem as verbas do fundo são os que menos arrecadam e têm menor poder de atração sobre as empresas, que acabam se instalando prioritariamente nas regiões do Sul e Sudeste. “É uma proteção que sempre existiu na distribuição de recursos, que me parece justa”, explica. “Outra questão parecida que pode voltar à discussão é a repartição dos royalties do petróleo, que será distribuído a todos os estados do país, sejam ou não produtores desse recurso natural.”

A renegociação da dívida que estados e municípios mantêm com a União também deve ganhar destaque no encontro dos governadores com os chefes do Legislativo. “Essa dívida foi refinanciada nos anos 1990, durante o governo Fernando Henrique Cardoso”, lembra Khair. Na época, o acordo foi favorável aos governos municipais e estaduais, pois o então indexador da dívida – a taxa Selic – estava nas alturas. Na época, chegou a 45% ao ano.

Ambiente

Hoje, porém, a Selic está no menor patamar da história: 7,25%. Portanto, o que outrora fora um favor da União para com os entes federados – ou seja, mudar o indexador – agora é um peso para estados e municípios. “Os estados pagam 18% ao ano de remuneração da dívida”, explica Antônio Augusto de Queiroz. “É um absurdo completo. Essa dívida foi contraída num contexto que não existe mais e compromete uma parcela muito expressiva da receita estadual e municipal em prejuízo de políticas públicas e da prestação de serviços à população.”

Apesar das tradicionais dificuldades que sempre existiram para obter acordos nacionais sobre o tema, o analista do Diap acredita que, desta vez, o ambiente de negociação é dos mais favoráveis para que haja um acordo. “Há uma série de temas em que há interdependência e reciprocidade entre os entes federativos: o governo federal quer resolver a dívida dos estados, os governadores querem repactuar a dívida, o ICMS precisa ser equacionado, bem como a distribuição do FPE.”

Antônio Augusto de Queiroz afirma que, mais que a Câmara, o Senado tem caminhado no sentido de resolver algumas questões relativas ao pacto. “Já aprovou resolução fixando limite do ICMS interestadual, já sinalizou no sentido de permitir que haja pactuação da dívida de estados e municípios, está concluindo uma nova partilha do FPE”, enumera. “São movimentos que estão caminhando no sentido de reduzir os desequilíbrios do pacto federativo.”