Desoneração fiscal ajuda, mas não sustenta crescimento

Imposto reduzido para carro zero-quilômetro e barateamento do crédito deverão aumentar o consumo, mas endividamento das famílias pode limitar efeitos positivos sobre a economia. Governo mira taxa de crescimento e teme efeitos da crise na Europa

São Paulo – As medidas econômicas anunciadas pelo governo federal na segunda-feira (21) deverão manter o nível de consumo interno dos brasileiros, diminuir o estoque das montadoras e segurar o índice de crescimento do país, mas não resolverão os principais problemas da economia nacional – que, de acordo com especialistas, passam pelo combate à desindustrialização e maiores incentivos ao investimento.

Ao reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado sobre a venda de automóveis e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos bancários, o Ministério da Fazenda espera que, com veículos e juros mais baratos, mais brasileiros possam realizar o sonho do carro zero. Assim, as montadoras continuarão produzindo e movimentando sua ampla cadeia de fornecedores, que vai desde a mineração até a siderurgia, passando pela produção de autopeças e postos de gasolina. “Desonerar a indústria automobilística gera demanda imediata em outros setores da economia”, diz o economista Cláudio Monteiro, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). “O impacto na renda e no emprego é forte.”

De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o setor emprega diretamente cerca de 145 mil trabalhadores no país. Por isso, oferecer isenção fiscal às montadoras também pode evitar demissões em massa. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, acredita que a redução do IPI e do IOF deve ajudar a esvaziar os pátios e a normalizar a jornada de trabalho nas montadoras – sobretudo nas empresas que adotaram semana curta, licença remunerada ou férias coletivas para enfrentar a retração das vendas.

A soma de consumo, produção e manutenção de empregos na indústria automobilística deve manter o nível de crescimento econômico dentro das estimativas projetadas pelo Ministério da Fazenda para 2012. O governo persegue uma meta de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma das riquezas produzidas pelo país. Os dados parciais, porém, apontam para um índice menor, na casa dos 3,5%.

“A estagnação é ruim para todos”, avalia o economista Francisco Lopreato, professor da Universidade de Campinas (Unicamp). “O crescimento é a base das políticas sociais e salariais que o governo vem praticando nos últimos anos. Se o país não crescer a taxas mais elevadas, não haverá como continuar distribuindo renda ou absorvendo a mão de obra que entra no mercado de trabalho todos os anos.”

Endividamento

No entanto, uma barreira pode estar se levantando no horizonte de quem, como o governo, aposta em estimular a economia incentivando o consumo e o crédito. E não é apenas a crise na Europa. A Fazenda nutre preocupações reais sobre a situação da Grécia, e prevê turbulências caso aquele país deixe a zona do euro. Mas a eficácia das reduções do IPI e IOF pode esbarrar em condições meramente internas.

“As pessoas não irão tomar mais crédito no mercado e consumir mais só porque o carro está mais barato”, prevê Cláudio Monteiro. “As famílias estão mais endividadas hoje em dia, e a inadimplência está crescendo.” O economista da UFF analisa que a desoneração fiscal da indústria automobilística – que já foi aplicada pelo governo em 2008 – não será tão eficaz como outrora. “Por causa do endividamento, não haverá tanta demanda como antes.”

Naquele momento, diminuir os impostos sobre a venda de automóveis teve efeitos positivos sobre a economia – e ajudou a afastar os fantasmas da crise internacional. Uma nota técnica do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, afirma que o IPI mais baixo contribuiu com 13,4% das vendas registradas pelas montadoras. Já as demissões – que ocorreram – teriam sido mais intensas sem a desoneração. No primeiro semestre de 2009, sustenta o Ipea, a medida manteve entre 50 e 60 mil empregos diretos e indiretos em toda a cadeia automobilística.

“Sabemos que a redução dos preços por si só tem algumas limitações para incentivar o consumo”, explica Márcio Pochmann, presidente do Instituto. “Vai depender também de quantas famílias ainda poderão endividar-se. Atualmente, o Brasil tem um nível baixo de endividamento, e há possibilidade de ampliação.”

Crédito

Por isso, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC diz que é preciso ficar de olho no crédito, cujos juros também ficaram mais baratos devido à redução do IOF de 2,5% para 1,5%. “Agora, temos de acompanhar o comportamento dos bancos”, diz Sérgio Nobre. “Se o sistema financeiro não liberar o crédito, as medidas do governo serão inócuas. O trabalhador só não está comprando porque não consegue financiamento.”

Mas apenas comprar e comprar talvez não seja a melhor solução. “Um crescimento só do consumo não é sustentável”, pondera Francisco Lopreato, da Unicamp. “Temos de criar condições para que a economia aumente sua capacidade de investimento.” Cláudio Monteiro, da UFF, concorda. “Precisamos de incentivo para o investimento, e não para o gasto. O governo está trabalhando com horizonte eleitoral, e não de longo prazo.”

Porém, Lopreato acredita que medidas de curto prazo – como a redução do IPI e IOF – não andam na contramão dos incentivos ao investimento. “As empresas só investem se há perspectiva de ganho futuro”, diz. “Se a economia está deprimida, com baixo nível de consumo, não haverá disposição para investir no longo prazo.”

Pochmann avalia que o governo está agindo em prol do investimento quando, por exemplo, reduz a taxa básica de juros da economia – a chamada taxa Selic – e muda as regras da poupança. “Isso abre possibilidade para maiores investimentos no setor produtivo”, prevê.

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