IPI maior para carros importados permite maquiar percentual de peças nacionais

Dados do Sindipeças sustentam que salário de executivo e marketing são incluídos nos 65% dos custos que precisam ser produzidos no Brasil ou no Mercosul

A informação do Sindipeças é de que bastariam 21% de peças produzidas na região do Mercosul para garantir, em termos de custo, que 65% fossem vistos como regionais (Foto: © Nacho Doce/Reuters – arquivo)

São Paulo – A forma como o governo federal aumentou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros importados permite “maquiagem” de dados e não garante o índice de nacionalização dos veículos montados no Brasil. Dados dos produtores de autopeças sugerem que, como o percentual produzido no país é calculado a partir do preço final, e não sobre o custo de produção, despesas sem vínculo com a área industrial podem ser incorporadas.

A decisão de proteger a indústria automobilística instalada no Brasil apresenta limitações por deixar empregos desprotegidos e por deixar de lado contrapartidas de criação de postos de trabalho, na visão da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Seria necessário que o governo pressionasse as montadoras multinacionais beneficiadas pelas medidas a promover novos investimentos no setor, especialmente no de autopeças.

Na semana passada, o Decreto 7567/2011 provocou um aumento de 30 pontos percentuais no IPI para carros importados ou que tenham menos de 65% de seu custo final produzidos no Brasil, em países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) ou no México – com o qual há acordo setorial de redução de impostos. O decreto regulamenta a medida provisória (MP) 540/2011 que, originalmente, estabelece a redução de IPI para automóveis, para aquecer vendas e rebaixar preços. A MP é parte do plano Brasil Maior, a política industrial anunciada no início de agosto pelo governo para proteger a indústria, com destaque para o setor automobilístico.

Na prática, porém, existem brechas que podem ser usadas pelas montadoras para driblar a exigência sem representar perda do benefício. Um dos artifícios já usados pelas montadoras com fábricas no território brasileiro é incluir, no cálculo do índice obrigatório de nacionalização de peças, o dinheiro gasto com salários de executivos e ações de marketing – comerciais de TV, anúncios na mídia em geral, eventos de lançamento de modelos etc.

A informação foi confirmada pelo Sindipeças, sindicato das empresas fabricantes de autopeças. Politicamente, a entidade adotou postura cautelosa no episódio, evitando atitude de confronto, mas apontou claramente a “maquiagem” do índice de conteúdo regional ao apresentar dados, ainda no final de agosto.

Segundo a entidade, a prática não configura ilegalidade pelas regras vigentes no setor automotivo. A informação da organização patronal era de que bastariam 16% de peças produzidas na região do Mercosul para garantir, em termos de custo, que 60% fossem vistos como regionais. A referência para os dados leva em conta o percentual exigido até o anúncio da nova política. Para os 65% exigidos atualmente, 21% seriam suficientes. Tudo graças ao artifício das montadoras.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não nega a possibilidade. Nas palavras do primeiro vice-presidente da Anfavea, Luiz Moan, a entidade trata a informação do Sindipeças como um “cálculo máximo teórico da possibilidade”, e não uma prática da “média das empresas”.

Para Artur Henrique, presidente nacional da CUT, o cenário reforça os argumentos da central de que o governo precisaria incluir exigências rígidas e claras de manutenção de empregos e criação de postos de trabalho. Ele defende ainda que haja cláusulas para demandar melhores condições de trabalho a cada rodada de novos incentivos fiscais. O mesmo poderia valer para empréstimos de bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Se o governo não faz, as empresas têm grande margem de manobra para aquilo que mais sabem fazer: aumentar margens de lucro”, acusa. O presidente da CUT considera que os objetivos do Brasil Maior são conceitualmente corretos ao buscar proteger a indústria instalada no Brasil e estimular os investimentos em tecnologia em solo nacional. “(Mas) isso exige medidas estruturais que visem ao interesse nacional, e isso inclui a defesa real dos empregos.”

Margem de manobra

Ao exigir conteúdo nacional ou regional nos veículos para oferecer isenção de impostos, o Brasil Maior não assegura que haja incremento da produção nacional de componentes das peças usadas em sistemas completos – como o motor, por exemplo. Parafusos até peças complexas de injeção eletrônica podem ser trazidos de fora para compor esses sistemas, montados no Brasil ou nos países do Mercosul. Sem essa exigência, não há garantia de mais empregos e investimentos na ampliação ou sofisticação das fábricas de autopeças.

Para impedir a manobra e favorecer o setor de autopeças, seria necessário que o índice de nacionalização fosse analisado a partir do custo de produção, e não sobre o preço final do veículo ao consumidor.

Outra preocupação é a possibilidade de que haja triangulação na compra de peças com países do Mercosul ou o México. Na prática, peças contabilizadas como conteúdo regional podem ter sido trazidas da China ou de outros países asiáticos, por exemplo, e apenas montadas no Brasil ou na região.

A falta de disposição para mais investimentos por parte das montadoras é indicada pelo fato de que 75% das importações de carros no Brasil são feitas pelas montadoras que têm fábrica no país. Esse percentual deve escapar dos 30 pontos percentuais adicionais de IPI introduzidos pelo decreto.

Com informações do Blog do Artur

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