BC: mercado interno sustenta economia, mas valorização salarial traz ‘risco’

Relatório destaca importância do consumo das famílias para o PIB crescer, mas sugere que negociações evitem 'peso excessivo à inflação passada'

Banco Central voltou a apontar preocupação com concentração de campanhas salariais, como a dos bancários, no segundo semestre, por causa da alta inflação acumulada (Foto: Sindicato dos Bancários DF/divulgação)

São Paulo – Com o mercado de trabalho ainda apresentando bons resultados e o consumo das famílias em alta, a demanda interna continuará sendo a principal responsável pelo crescimento da economia brasileira em 2011. A análise consta do Relatório Trimestral de Inflação divulgado nesta quinta-feira (29) pelo Banco Central. Se, por um lado, reconhece a importância do mercado de trabalho para aquecer a economia, de outro vê “risco” à inflação provocada pela “dinâmica dos salários”. E faz referência, especificamente, às negociações salariais deste segundo semestre.

A instituição revisou de 4% para 3,5% a sua previsão para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no ano – soma de todas as riquezas produzidas pelo país. Para isso, considera crescimento maior no consumo das famílias, de 4,1% para 4,5%, dado “consistente com a evolução favorável do mercado de trabalho no primeiro semestre”. Com a nova avaliação, o BC sustenta que a demanda interna contribuirá em 4,5 pontos percentuais para a expansão anual do PIB, enquanto o setor externo deverá exercer impacto negativo de um ponto.

Ao destacar a evolução recente do mercado de trabalho, o BC afirma que o crescimento anual médio de 4,4% do PIB de 2003 a 2010 permitiu que a taxa de desemprego medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) recuasse de 12,4% para 6,7%. Com crescimento da ocupação em ritmo superior ao da população economicamente ativa (PEA) – 2,5% em média ao ano, ante 1,6% da PEA –, a população sem emprego caiu 39% nesse período. E o rendimento médio cresceu 2,5% ao ano, em média.

O relatório ressalta ainda a crescente formalização do mercado. O número de trabalhadores do setor privado com carteira assinada passou de 44,3% do total, em 2003, para 51%. No mesmo período, os que contribuem para a Previdência Social passaram de 61,2% para 68,4%. “A maior formalização do mercado de trabalho, ao aumentar a segurança dos empregados, dando-lhes acesso a mecanismos institucionalizados de auxílio em caso de problemas de saúde ou perda de emprego, é elemento importante para o fortalecimento do mercado interno”, diz o BC. O texto inclui como ponto favorável no cenário a queda do tempo de procura por emprego: o percentual de desocupados que procurava trabalho há mais de um ano recuou de 23,4% para 17,7%.

“Em síntese, o crescimento registrado pela economia brasileira nos últimos anos contribuiu para a redução da taxa de desemprego e para o aumento do rendimento real dos trabalhadores. Além dessa melhora quantitativa, o mercado de trabalho do  país registrou importantes avanços qualitativos, com desdobramentos para seu fortalecimento e, consequentemente, para a manutenção do dinamismo do mercado interno e do ciclo virtuoso da economia do país”, afirma o BC, em seu relatório.

De solução a “risco”?

Depois de enfatizar a relevância do mercado de trabalho, o BC cita a posição de seu Comitê de Política Monetária (Copom) a respeito da valorização do rendimento. “Sobre o fator trabalho, o Copom avalia que um risco importante para a dinâmica dos preços ao consumidor advém da dinâmica dos salários.” A análise é de que a concentração de negociações salariais importantes no segundo semestre pode ser um problema ao levar em conta a inflação acumulada nos últimos 12 meses. No período, a alta de preços acumulada encontra-se “bastante elevada”, segundo o relatório, que chama a atenção, indiretamente, para a postura dos negociadores.

“Nesse contexto, o risco para a dinâmica dos preços reside na possibilidade de as negociações salariais atribuírem um peso excessivo à inflação passada, em detrimento da inflação futura, a qual, cabe notar, tende a recuar a partir do quarto trimestre e a ser marcadamente menor do que a inflação passada”, afirma o relatório do BC, que também revela preocupação com o salário mínimo, ao afirmar que “os aumentos previstos” nos próximos anos podem ter impacto direto ou indireto na “dinâmica de outros salários e dos preços ao consumidor”.

Em diversas ocasiões, lideranças do movimento sindical manifestaram críticas duras à autoridade monetária por se basear nesse tipo de análise. A crítica é justamente à sugestão de conter reivindicações dos trabalhadores, apesar de admitir que a inflação está alta. Na prática, isso significa perdas no poder de compra dos salários, o que demanda reposição.

A previsão do BC para a inflação deste ano é de 6,4% (ante 5,8% no relatório de junho), encostado ao teto da meta de 4,5%, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A projeção da inflação para 2012, segundo o relatório, é de 4,7%.

Leia também

Últimas notícias