Avaliação de ‘boas intenções’ da política industrial precisa de tempo

Sindicalistas e economistas destacam importância do setor, que demanda proteção contra câmbio desvalorizado e competição predatória

São Paulo – O plano Brasil Maior, anunciado nesta terça-feira (2) pela presidenta Dilma Rousseff, precisa de tempo para que as medidas tenham efeito. Embora parte das ações ainda dependa de mais detalhamentos, economistas e sindicalistas consideram positiva a decisão de proteger o setor, vítima da valorização do real ante o dólar e da competição predatória de polos produtores como a China.

O programa envolve redução de impostos para o setor, além de medidas de defesa comercial. De um lado, tenta ajudar a diminuir custos das indústrias instaladas no país; de outro, busca barrar a competição desleal criada por medidas vistas pelo governo como ilegais no ordenamento jurídico do comércio internacional (como dumping e desvalorização cambial). No total, a política industrial prevê desoneração tributária de cerca de R$ 25 bilhões em dois anos. O plano abarca o período entre 2011 e 2014, equivalente ao mandato de Dilma.

Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que é bem-vinda a preocupação do governo de garantir uma política de promoção da indústria, com proteção para permitir crescimento e presença no mercado internacional. “A fragilidade da economia mundial cria condições difíceis à indústria brasileira, com ataques a sua capacidade”, aponta.

“Qualquer consistência de desenvolvimento social e econômico robusto, com justiça social, exige desenvolvimento industrial de mesma envergadura”, afirma. O setor precisa de proteção até para permitir a criação de empregos de qualidade no setor, considerado um dos responsáveis por melhores salários e condições de trabalho. “O Brasil não será uma economia justa e de alta renda se não tiver indústria.”

O diretor-técnico do Dieese considera que as medidas não solucionam todos os problemas e lembra que elas nem estão suficientemente detalhadas para se analisar seus impactos. “O conjunto do plano é ousado e aparentemente caminha em uma linha correta de sustentação da indústria em momento difícil. Vamos ter de esperar e avaliar.”

Para Cláudio Dedecca, economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o governo tem buscado, sem sucesso, impedir a valorização do real. Parte da falta de resultados decorre de não ser um cenário dependente apenas do Brasil, e envolve a decisão dos Estados Unidos de rebaixar o dólar ante outras moedas. Por manter o câmbio flutuante, ter as taxas de juros mais altas do mundo e por ser “a bola da vez” – com fortes perspectivas de crescimento –, grande quantidade de investimentos é atraída para o país, pressionando a cotação do real.

“Alguns setores são especialmente vitimados pelo câmbio valorizado e pela competição, como vestuário e calçados. Para esses setores é que o governo propõe medidas anti-dumping e redução de custos aos empresários”, avalia. “A iniciativa é correta porque é o que se pode fazer.” Para ir além da proteção e de oferecer vantagens, seria preciso firmar acordos internacionais para frear o uso do câmbio como arma – hipótese pouco provável em um cenário de crise econômica.

Diálogo contra a timidez

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, concorda que a busca por fortalecimento da indústria é bem-vinda. A questão era reivindicada pelos trabalhadores, mas “faltou diálogo”, em sua visão. “O negativo é que muitas medidas têm impacto importante e que carecia de um debate maior, principalmente no tema da desoneração da folha.”

A presidenta Dilma prometeu que o detalhamento do plano e novas medidas eventualmente adotadas seriam acompanhadas por diálogo entre governo, empresários e trabalhadores. Embora preferisse que as negociações tivessem se estabelecido ainda antes do anúncio, Nobre se diz contente com a posição. “Alguns pontos precisam de regulamentação e detalhamento. Eles dizem que vão incentivar a inovação do setor de autopeças, mas como? Essas coisas estão faltando e precisam de acompanhamento”, defende.

Em nota, a direção da Força Sindical qualifica como “tímidas e insuficientes” as medidas. “Faltou ousadia ao pacote e um diálogo democrático e mais aprofundado com os setores envolvidos nas medidas”, diz a nota assinada pelo deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), presidente da central. Ele defende redução de juros, desvalorização do real ante o dólar. A entidade ainda critica o “piloto” de desoneração da folha de pagamento, com transferência da contribuição patronal à Previdência Social dos salários para o faturamento líquido.

O dirigente sugere a recriação de câmaras setoriais, com representação de trabalhadores, empresários e governo para dar “agilidade e eficácia” a medidas para proteger a indústria e o emprego. O modelo foi adotado durante a década de 1990, em meio à abertura comercial da economia.

Colaborou Letícia Cruz