Ex-ministro tenta atribuir a FHC o legado de Lula, mas acaba advertido

Economista lembra a Maílson da Nóbrega, cuja gestão foi marcada por inflação de 80% ao mês, que décadas de 1980 e 1990 foram perdidas e que crescimento atual é fruto de crédito e aumento de salário

Maílson da Nóbrega ficou visivelmente incomodado ao ser contestado (Foto: Ricardo Mansho/Divulgação)

São Paulo – “É um dever valorizar o que conseguimos num período recente da economia brasileira”, começou Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp, durante exposição em um seminário nesta sexta-feira (8), na capital paulista. A declaração era uma resposta a outra, feita minutos antes por Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda entre 1988 e 1990 e colunista da revista Veja.

Nóbrega havia ponderado que o Brasil poderia ser um desastre atualmente caso Luiz Inácio Lula da Silva tivesse vencido as eleições de 1989, quando, na avaliação dele, o país ainda não dispunha da estabilidade macroeconômica atingida graças às gestões da década seguinte. “Plantios de mudanças são colhidos em outros períodos. O Brasil colheu no período Lula o fruto dos plantios realizados no período da redemocratização, particularmente no período Fernando Henrique Cardoso”, opinou.

O economista pensa que o grande acerto de Lula foi não ter aceitado que o PT destruísse os rumos da política macroeconômica do antecessor. “O PT demonizou a palavra privatização e hoje se tem resistência a fazer qualquer coisa que cheire a privatização.” Para ele, o Brasil cresceu nos últimos oito anos por “alguma inércia” das medidas adotadas no passado.

O sócio da Tendências Consultoria acredita que a presidenta Dilma Rousseff tampouco fará as reformas que ele julga necessárias para que se consiga um padrão de crescimento sustentável, indicando que haverá alguma expansão da economia com base ainda na herança de Fernando Henrique, nos eventos esportivos de 2014 e 2016 e na extração de petróleo da camada pré-sal.

Carneiro não teve dúvidas sobre a necessidade de dedicar seus 25 minutos de fala no seminário “Rumos da economia no Brasil”, organizado pela revista Brasileiros, para passar a limpo a tese defendida por Nóbrega. Lembrou que o crescimento atual é fruto de aumento de crédito e de salários, que, por sua vez, levaram ao fortalecimento do mercado interno e à redução da pobreza. Esses fatores marcaram especialmente o segundo mandato de Lula.

O economista pontuou que a década de 1990, dominada pelo consenso neoliberal – redução do papel do Estado na economia, privatização e flexibilização da legislação trabalhista –, poderia ser chamada de “paz dos cemitérios”, já que silenciosamente o país “andou de lado”. “Apesar da redução do patamar inflacionário, foi um trabalho feito pela metade porque não se pode pretender como estabilidade uma economia que tem taxa de juro real de 40% ao ano e com um câmbio tão desalinhado”, afirmou, perante um interlocutor visivelmente incomodado.

Carneiro lembrou ainda que aquele período foi de crescimento da dívida pública e de índices sociais bastante negativos. “Não podemos, se somos brasileiros interessados no desenvolvimento do país, subestimar isso. Temos que fazer um esforço de entender o que aconteceu no país, ressaltar o que foi importante e que tipo de obstáculo pode se colocar no caminho desse processo”, cutucou.

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, que havia feito a abertura do seminário celebrando a discussão de novos modelos de desenvolvimento, acabou em segundo plano numa mesa claramente polarizada pelo debate entre Nóbrega e Carneiro.

O ex-ministro indicou que a sociedade brasileira consolidou as ideias de que a estabilidade econômica e a democracia são valores inegociáveis, ponderando que não se aceita mais conviver com a inflação, como ocorreu até a década de 1990. Ele considera que o governo está equivocado nas medidas adotadas “de improviso” recentemente para conter as pressões sobre os preços, ponderando que apenas a desaceleração econômica pode frear o ímpeto inflacionário.

Desde o segundo semestre do ano passado, a equipe econômica tem apostado em redução do crédito, corte de gastos e aumento da oferta de alimentos para evitar que a taxa de juros sofra elevações mais rigorosas. Nesta semana, foi promovida a extensão da alíquota de 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos no exterior com prazo de até dois anos. A estratégia visa a reduzir a entrada de dólares na economia. O Banco Central tem dado sinais de afinamento com a Fazenda e já não é certo que haverá elevação da Selic no curto prazo, como acreditavam alguns economistas.

Nóbrega, cuja gestão à frente da Fazenda conviveu com picos de 80% de inflação ao mês, considera que o BC pode se ver forçado a uma elevação mais forte no futuro caso as chamadas “medidas macroprudenciais” – de restrição ao crédito e ao consumo – não surtam efeito. “O que estamos vendo agora é o governo enveredando por medidas que existiram no passado e na expectativa de que isso vá produzir uma combinação benigna de menor aceleração do crescimento. É uma aposta arriscada que vai ter um preço se não acertar.”

Carneiro considera que o caminho das propostas comandadas pelo ministro Guido Mantega é acertado. O professor da Unicamp reconhece que o crescimento de 7,5% registrado no ano passado está acima daquilo que o Brasil pode suportar e considera que é certo apostar em uma desaceleração que leve em conta a redução de consumo e do gasto público. Ele lembra que parte da inflação é provocada por uma conjuntura externa de alta de preços de itens básicos e outra parte resulta da elevação dos salários nos últimos anos, que tende a ser menos representativa a partir de agora na composição dos principais índices. “O governo não está fazendo o que o mercado quer que ele faça. Porque há riscos. Não se trata de fazer concessões, se trata da natureza de inflação.”

Carneiro discorda ainda da visão de Nóbrega de que a Previdência Social seja um problema para as contas públicas e de que a carga tributária atual seja excessiva, indicando que o problema está em cobrar impostos sobre produtos, o que acaba comprometendo a renda dos mais pobres. O economista acredita que Dilma terá condições de criar frentes que trabalhem a exploração do petróleo e a melhoria da infraestrutura, dando resposta aos problemas aventados pelos setores produtivos. “O resto é sintonia fina”, resume.