Diretor do FMI admite: Consenso de Washington já é passado

'Precisamos de uma nova forma de globalização, uma globalização com um rosto mais humano', acrescentou Dominique Strauss-Kahn

São Paulo – Estado mínimo, mercados livres e imunes à intervenção, privatização, flexibilização das leis trabalhistas e ambientais, entre outras medidas. O receituário consagrado como “Consenso de Washington”, predominante durante a década de 1980 e 1990, já é passado, segundo o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, segundo a agência AFP. O organismo foi, ao lado do Banco Mundial (Bird), principal agente desse ideário em países pobres e em desenvolvimento, como os da América Latina.

“O Consenso de Washington tinha uma série de lemas básicos: regras simples para a política monetária e fiscal, que previam garantir a estabilidade, a desregulação e a privatização, liberalizando o crescimento e a prosperidade, e os mercados financeiros canalizariam os recursos para as áreas mais produtivas”, relembrou Strauss-Kahn. “Tudo isso caiu com a crise (de 2008). O ‘Consenso de Washington’ já é passado”, admitiu.

Em todo o mundo, a superação da crise iniciada em 2008 nos Estados Unidos dependeu da forte participação dos governos. O impacto devastador ainda é sentido em países europeus e nos EUA, com alto desemprego, mas a percepção de que o Estado tem um papel a exercer no controle de “excessos” do mercado tornou-se clara, de acordo com pronunciamento de Strauss-Kahn, nesta segunda-feira (4), na Universidade George Washington, na capital americana.

“Ao designar um novo marco macroeconômico para um novo mundo, o pêndulo oscilará – ao menos um pouco – do mercado para o Estado, e do relativamente simples para o relativamente mais complexo”, filosofou Strauss-Kahn. “Claramente, a política monetária deve ir além da estabilidade de preços, e velar pela estabilidade financeira”, defendeu.

O fato de os países emergentes apresentarem-se como “novos motores” do crescimento mundial, uma nova política econômica prevaleceu, com mais espaço para aspectos sociais e para o multilateralismo. A agenda neoliberal, condensada pelo Consenso de Washington, é apontada como responsável por crises em países latino-americanos na década de 1990, com destaque para o caso argentino em 2001. O mesmo vale para a transição do socialismo para o capitalismo no Leste Europeu.

Strauss-Kahn defendeu a criação de um imposto sobre atividades financeiras, embora não tenha apresentado detalhamento sobre como isso ocorreria. A taxação dos capitais internacionais é uma das bandeiras de grupos altermundistas que discutem alternativas em eventos como o Fórum Social Mundial. A chamada Taxa Tobin, defendida pela ONG Attac, é uma das formas de se promover isso. Para o diretor-gerente do FMI, o imposto forçaria os especuladores a arcar com custos sociais do risco que assumem e promovem ao comprar e vender ações.

“Não me entendam mal: a globalização trouxe resultados positivos, e tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza. Mas a crise e suas consequências alteraram fundamentalmente nossa percepção. Precisamos de uma nova forma de globalização, uma globalização com um rosto mais humano”, acrescentou.

Menos espaço

Desde a crise, a importância do FMI diminuiu justamente por se colocar em xeque o ideário de mínimo de intervenção do Estado na economia. Países como o Brasil, China e Índia, dos que mais rapidamente superaram a crise, conseguiram esses resultados por conta de políticas públicas adotadas para impedir a contaminação do sistema financeiro doméstico, além de fomentar a economia.

Apesar disso, programas de “austeridade” – cortes de gastos públicos – continuam a ser defendidos pelos técnicos do FMI. Países europeus como Irlanda e Grécia receberam empréstimos e um receituário do fundo para lidar com a crise que vivem. Mesmo no caso brasileiro, a situação das contas públicas foi criticada, motivando duras críticas do ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega.