Índices demonstram tendência de queda no preço dos alimentos

A longo prazo, no entanto, país continua dependente das oscilações do mercado externo e, para pesquisadora, depende de políticas públicas voltadas à segurança alimentar

São Paulo – A preocupação com os preços dos alimentos no mercado externo segue elevada, mas no Brasil a pressão inflacionária neste item parece ter arrefecido. Vários índices divulgados nas últimas duas semanas mostram que fevereiro trouxe consigo uma significativa queda no ritmo de alta.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, teve elevação de 0,8% no mês passado, praticamente igual ao registrado em janeiro, mas o grupo Alimentação e Bebidas recuou de 1,16% para 0,23%, com baixas importantes nos itens feijão e carnes, importantes na alimentação básica do brasileiro. O tomate, muito sensível às variações climáticas, teve elevação de 18%, o que significa que o preço deste produto tem alta acumulada de 50% neste ano.

Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), nada disso preocupa. O fim da temporada de chuva deve trazer o tomate ao nível considerado normal, na avaliação do instituto, que publicou na semana passada a pesquisa mensal a respeito da cesta básica, que indica queda em nove das 17 capitais pesquisadas.

“Há uma tendência de que agora, após o controle da chuva, possa ter uma boa safra de feijão e o preço continuar baixando. O caso do arroz é semelhante”, exemplifica José Maurício Soares, coordenador do levantamento, para quem há exagero no debate sobre a inflação no Brasil.

Em 2010, no entanto, o Brasil teve alta em vários grupos alimentícios, especialmente em carnes, açúcares e cereais. “A carne subiu em função da demanda internacional, com uma certa amainada da crise financeira”, avalia Soares. A soja é outro dos itens que sofrem com o sabor dos ventos estrangeiros, e parece inevitável que os humores internacionais influenciem no mercado interno. 

Prioridades 

Em estudo publicado no fim de fevereiro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) pontua que o Brasil é cada vez mais dependente da exportação de commodities agrícolas, produtos básicos cuja cotação é definida internacionalmente. O Ipea propõe uma reflexão acerca dessa dependência, ponderando se é correto que se utilize o território nacional para produzir grãos que muitas vezes servem para a alimentação de animais em outros países

O instituto entende que o Brasil deve pensar se não é melhor propor freios ao agronegócio e abrir espaço a uma produção agroecológica, que respeite o meio ambiente e assegure a soberania alimentar brasileira.

O problema é que a agropecuária vem sendo um vetor fundamental da economia brasileira, um argumento forte para evitar uma mudança de rumos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, na última semana, que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,5% em 2010. O melhor resultado em 25 anos teve participação expressiva da agropecuária, que subiu 6,5% escorada em produtos como soja (20,2%), trigo (20,1%), café (17,6%), milho (9,4%), cana (5,7%) e laranja (4,1%).

O Ministério da Agricultura e Abastecimento, Wagner Rossi, aponta que o setor vem crescendo acima da média nacional nos últimos dez anos, fruto da expansão do crédito, dos investimentos em modernização, da mudança da política cambial e da forte inserção brasileira no mercado internacional. Além disso, os preços internacionais de commodities cresceram fortemente ao longo da década. 

“O crescimento da produção no Brasil depende claramente das exportações. Vamos caminhar para um recorde de produção e a alternativa é exportar. Isso vale para todos os mercados”, argumenta Lucílio Alves, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). “Não é porque em um determinado ano a produção caiu que vamos cortar a exportação para atender aqui dentro. Mercado de exportação precisa ser cativo. Quando se quebra um contrato, retomar é difícil”, detalha, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Contestações

Sob a perspectiva da segurança alimentar, há cada vez mais argumentos contrários à de prioridade ao agronegócio adotada pelo Brasil. Embora os R$ 16 bilhões destinados ao financiamento da agricultura familiar em 2010 representem um valor recorde, o montante equivale a menos de um sexto do voltado ao financiamento dos grandes produtores.

Raquel Rigotto, professora da Universidade Federal do Ceará, mostra-se bastante crítica à postura do Executivo. “Uma coisa é ter dentro do Ministério de Desenvolvimento Agrário um setor que cuida de agroecologia. Outra coisa é fazer desse esforço um marketing verde do governo, numa tentativa de ‘esverdear’ o modelo de desenvolvimento, mas que está completamente alijado da centralidade das políticas públicas”, lamenta. Ela considera que o incentivo ao modelo atual, de exportação baseada em produtos controlados por algumas empresas da biotecnologia, é uma ameaça à soberania do país.

A professora é uma das que defendem que a adoção efetiva dos transgênicos não trouxe os benefícios prometidos para o país. A produtividade não teve ganhos e, ainda por cima, os agrotóxicos passaram a ser utilizados em cada vez maior escala, levando o Brasil a liderar o consumo mundial destas substâncias. “Somos vistos como o pedaço de continente com muita terra fértil, muita água, mão de obra barata e desorganizada e um Estado com políticas favoráveis”, critica.

Em São Paulo, a Assembleia Legislativa concluiu na última semana a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Segurança Alimentar. Nascida de uma preocupação com o uso excessivo de defensivos agrícolas, a CPI concluiu que o estado líder do agronegócio carece de políticas voltadas à proteção dos trabalhadores rurais e da sociedade como um todo.

O relator da comissão, Simão Pedro, cobra a implementação de políticas de valorização da agricultura familiar, que tem cada vez menos espaço, provocando desemprego nas áreas rurais e aumento da população que não tem acesso à terra. “Um governo estabelece prioridades a partir de compromissos políticos. Por isso há uma prioridade do governo de São Paulo em relação à agricultura comercial”, pondera, e acrescenta: “Nesse sentido, não interessa usar os aparelhos do Estado para dar proteção e apoio à agricultura familiar, criar legislação para garantir o acesso da população pobre aos alimentos saudáveis.”