Especulação, clima e tensão política internacional pressionam preços dos alimentos

Agência da ONU vê preços no índice mais alto desde 1990, mas no Brasil a tendência da inflação provocada por alimentação é de queda

Monocultura está entre os fatores que desequilibram o clima e o meio ambiente, encarecendo a produção e servindo à especulação (Foto: Juca Varella/Folhapress)

São Paulo – A notícia de que os preços mundiais de alimentos chegaram em fevereiro ao nível mais alto desde 1990 reforça a expectativa sobre que medidas poderão ser tomadas para evitar que a fome e a pobreza em escala planetária acabem aumentando. A agência da Organização das Nações Unidas para a alimentação (FAO) alerta que clima, aumento da demanda, uso de grãos para fabricar biocombustíveis e encarecimento do petróleo são os principais fatores para explicar o quadro atual.

Desde 2008, a FAO aponta elevação de preços. Naquele ano, o índice que reúne 55 produtos cresceu 25%, chegando pela primeira vez à marca dos 200 pontos na escala desenvolvida para o indicador. Na comparação com o começo da década, a inflação alimentar havia mais que dobrado. Desde então, após uma leve queda, o índice chegou em fevereiro a 236 pontos, o que levou a agência a lançar um novo alerta de que os países precisam, individual e coletivamente, tomar iniciativas para frear pressões inflacionárias.

“Há um problema estrutural, que é a oferta de alimentos, que está baixa em relação a uma demanda superaquecida por melhoria de vida e de renda nos países asiáticos, nos países latino-americanos e nos emergentes”, afirmou o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, em fevereiro. A preocupação recai especialmente sobre as populações pobres dos países emergentes e com as nações menos desenvolvidas. A Bolívia, dependente da importação de diversos produtos, passou a sofrer desabastecimento de açúcar e elevação de outros itens básicos da alimentação. 

Alimento ou lucro?

A especulação financeira foi colocada no centro das apreensões da FAO. “É urgente introduzir novas medidas de transparência e de regulamentação para fazer frente à especulação nos mercados futuros de produtos agrícolas”, anotou Jacques Diouf, diretor da entidade, em artigo recente.

O problema tem início na década de 1990, quando as commodities agrícolas passaram a receber atenção de investidores do mercado financeiro. Commodities são produtos básicos cuja cotação é regulada internacionalmente por meio de negociação em bolsas de valores, como soja e café, por exemplo. Como em outras transações financeiras, esses produtos passaram a estar sujeitos a humores de investidores globais.

“O tipo de comportamento de ‘manada’ dos investidores e a velocidade e magnitude das decisões de investimento nos mercados financeiros podem provocar pressões repentinas sobre a demanda de bens primários, inclusive em nível global”, adverte a FAO em seu relatório anual. Em linhas gerais, os preços dos alimentos têm ficado tão voláteis quanto o humor dos investidores, num fenômeno que a agência classifica como “financeirização” do setor.

Geopolítica

Um bom exemplo foi dado recentemente. Com as movimentações políticas nos países árabes, os homens do mercado financeiro apressaram-se para vender seus papéis, derrubando a cotação dos preços de grãos no mundo todo. “Algumas poucas empresas têm um tal nível no comércio internacional de commodities agrícolas que podem, sim, fazer um aumento artificial de preços”, avaliou recentemente o ministro da Agricultura.

Lucílio Alves, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), considera que a apreensão dos investidores com os fatos no mundo árabe já passou, o que permitirá a retomada das cotações tidas como normais. “Como as commodities já vinham em alta, o que se fez ao sinal das incertezas foi liquidar os contratos. Os investidores aproveitam os ganhos e entram em outros mercados.”

Ao mesmo tempo, o mundo árabe é rico em petróleo, e aí a tensão tem outro aspecto. A possibilidade de interrupção na produção petrolífera provoca um movimento de alta nos preços de combustíveis, o que por sua vez impacta nos custos da indústria de alimentos. 

Clima

O clima é um dos fator conectado ao preço da alimentação, já que instabilidades provocam perdas de safras. Ainda é cedo para dizer qual impacto o aquecimento global terá sobre a cadeia produtiva, mas fenômenos pontuais nos últimos anos têm chamado atenção. Em 2007 e 2008, uma seca em países produtores, como Argentina e Austrália, além do leste europeu e de parte da Ásia, foi um dos fatores centrais.

Em 2011, novamente a baixa pluviosidade é apontada como uma das culpadas. Começou na Ásia, forçando a elevação dos preços do trigo. “Foi uma quebra violenta de safra. Então, os países tomam a decisão de não exportar. Como o trigo é utilizado para consumo animal, na falta dele passam a utilizar soja e milho, que também acabam pressionados”, resume Paulo Magno, analista de mercado da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estatal vinculada ao Ministério da Agricultura.

O Brasil, que importa trigo para consumo interno, acaba pagando mais caro pelo produto, o que provoca pressão por aumentos do próprio e de seus derivados, como farinha, pão e massas. De todo modo, a inflação provocada por alimentos parece ter passado seu pior momento.