Paulo Bernardo culpa oposição por não aprovação de política de valorização do mínimo

Ministro do Planejamento discute desafios para a presidente eleita, Dilma Rousseff. Participante de reuniões quase diárias com a então ministra da Casa Civil, ele evita falar se continua ou não no cargo

“O governo já tem um monte de encrenca, normalmente. Não queremos criar nenhuma”, diz Bernardo (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)

São Paulo – O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirma que a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se encerra em 1º janeiro de 2011, não pretende criar “encrenca” para Dilma Rousseff. Na segunda parte da entrevista exclusiva, concedida à Rede Brasil Atual, ele discute desafios para a presidente eleita, incluindo o Congresso Nacional e como lidar com os anseios da base de partidos aliados, interessados em participar com mais cargos da administração federal.

Ele atribui a interesses da oposição o fato de a política de reajuste do salário mínimo até 2023 não ter sido aprovada até agora. Um acordo entre governo e centrais sindicais, firmado em 2006, estabeleceu uma fórmula que leva em conta a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais a média do crescimento econômico dos dois anos anteriores. O cálculo vem sendo aplicado por meio de medidas provisórias a cada ano.

A entrevista foi concedida na quinta-feira (18), logo depois de uma rodada de negociações entre o ministro e as centrais sindicais para discutir o reajuste de 2011, além de apresentar uma pauta com dois outros itens: a correção do benefício de aposentados e da tabela de Imposto de Renda.

Paulo Bernardo

Ministro do Planejamento desde março de 2005, Paulo Bernardo tem origem no movimento sindical bancário. Além de ter sido eleito três vezes como deputado federal pelo Paraná, ele ocupou secretarias de Fazenda do estado do Mato Grosso e do município de Londrina (PR).

Parte 1 da entrevista à Rede Brasil Atual:
Governo Dilma tem obrigação de tentar reforma tributária, diz Paulo Bernardo

Parte 2:
Paulo Bernardo culpa oposição por não aprovação de política de valorização do mínimo

O ministro do Planejamento evita falar se continua ou não no cargo e sustenta que a decisão é de Dilma, mas fala como membro – pelo menos do projeto político – do governo eleito. Ele cita que era uma das figuras mais próximas a Dilma durante sua gestão na chefia da Casa Civil, quando tinham reuniões diárias. Esse contato mudou desde da campanha e da vitória eleitoral. “Mudou, né? A Dilma não é mais ministra, é presidente eleita”, comenta.

Paulo Bernardo fala ainda sobre a situação de contratações de servidores pelo Executivo federal. Em sua visão, apesar de haver demanda por parte dos ministérios por mais concursos, ele acredita que o saldo de cerca de 70 mil contratações em oito anos é “razoável” para a necessidade colocada. Boa parte deles – 30 mil – substituíam terceirizações vedadas pela Justiça e motivos de acordo com o Ministério Público. “Praticamente resolvemos tudo com concurso para substituir (os terceirizados)”, comemora.

Confira a segunda parte da entrevista:

Rede Brasil Atual – Diferentemente do primeiro mandato do presidente Lula, Dilma terá maioria no Congresso. Isso significa vida mais tranquila para emplacar projetos?

Paulo Bernardo – Falando assim, parece mais fácil; a lógica indica que sim. Mas não é simples. Ao falar de reforma na Previdência, por exemplo, você mexe com sentimentos cristalizados na sociedade. O parlamentar já não é mais governista ou oposicionista, ele vai querer saber o que a base social dele pensa. Fica mais complicado.

Rede Brasil Atual – Nessa linha de raciocínio, mas em sentido contrário, como explicar por que não se aprovou a política de valorização do salário mínimo, acordada em 2006?

Paulo Bernardo – Temos uma correlação de forças no Congresso hoje que vai ser melhor em fevereiro, quando tomar posse o novo Congresso. Mas até agora não foi aprovado porque a oposição obstrui todas as tentativas disso, de resolver a questão de uma vez por um período longo. Com o Congresso novo tomando posse em fevereiro, fora do período eleitoral talvez se possa… Se bem que o projeto está lá desde 2006 e não se conseguiu resolver.

Rede Brasil Atual – Dilma tem bem menos experiência em negociações do que o Lula, que não conseguiu levar esses projetos adiante.

Paulo Bernardo – Dilma tem uma história e características pessoais bem diferentes (das) do presidente Lula. Ele tem anos de negociação, de embates de ideias e de propostas – no sindicato, no PT, um pouco no Congresso, nas eleições presidenciais. Ela tem experiência grande de lidar com coisas do governo, de ser gestora e administrar políticas de governo. Em várias áreas, foi secretária de Fazenda, ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil. Dilma vai usar essas qualidades. Além disso, ela pega o governo com uma estruturação muito melhor do que o Lula pegou. É outra condição. E a campanha mostrou que ela aprende rápido a ir para o embate. Quando começou a eleição, havia um mito que os nossos adversários apregoavam que era: “Basta colocar Dilma diante de Serra e ele vai demoli-la com dez minutos de debate”. Pelo contrário, ela se mostrou tranquila e competente no debate e, em alguns momentos, deixou o adversário desnorteado. Com certeza ela vai aprender rapidamente a gerir as coisas da política, com a experiência acumulada.

Rede Brasil Atual – Durante a campanha, o candidato da oposição prometeu 13º para o Bolsa Família e R$ 600 para o salário mínimo em 2011. O sr. chegou a referir-se a elas como “promessa adquiridas” de campanha. Mesmo como promessas, elas trazem pressão sobre Dilma?

Paulo Bernardo – Acho até que traz alguma pressão, mas é pouca. Quando o (candidato do PSDB à Presidência da República José) Serra falou essas coisas, despertou desconfiança. O trabalhador disse: “Por que está falando isso? Esse cara não é desse ramo.” Passaram sete anos batendo no Bolsa Família, falando que eram contra. Só faltou falar que era o criador do Bolsa Família, mas chegou a insinuar isso. Ele não tinha condições de ganhar a eleição com base tradicional que apoia o PSDB, que são setores não interessados em Bolsa Família e salário mínimo, que as acham políticas erradas. Serra tentou atrair o voto de trabalhadores, mas se frustrou. O pessoal se alinhou à Dilma, por confiar que ela representava continuidade do governo Lula.

Rede Brasil Atual – Como Dilma vai lidar com a demandas por cargos de partidos da base aliada?

Paulo Bernardo – Temos um sistema presidencialista em um sistema multipartidário. Não é só situação e oposição, mas 20 partidos dentro do Congresso com representação. Achar que você vai governar com um partido só é um erro. Tanto que fizemos uma coisa importante, que foi fazer coligação antes da eleição, com 11 partidos. Já falamos que esses 11 partidos vão governar conosco. É absolutamente normal eles quererem ajudar e ter gente no governo. Não é fácil, a Dilma vai passar por um teste duro para montar isso e deixar pouco insatisfeitos seus aliados. Talvez satisfeitos ninguém vai ficar.

Rede Brasil Atual – O sr. ficaria como ministro se convidado?

Paulo Bernardo – Da nossa parte, somos os mais próximos, os mais chegados a ela. Eu, por exemplo, trabalhava ao lado dela, tinha reunião quase todo dia. Primeiro, temos de reconhecer que ministro não pode ter direito adquirido, achar que tem de ficar por isso ou por aquilo. Se precisar, na composição, resolver de outro jeito, é natural sair. Temos de ajudar desse jeito. Não é o Lula que vai governar, é a Dilma. Ela tem de escolher a equipe dela, é normal isso.

Rede Brasil Atual – Essa proximidade se manteve? O sr. chegou a falar com a presidente eleita?

Paulo Bernardo – Não, muito pouco. Durante a campanha, conversei pouquíssimo com ela. Depois da eleição, uma vez, na semana passada antes de ela viajar. Mudou, né? A Dilma não é mais ministra, é presidente eleita. A gente não conversa com o Lula na hora em que quiser. Se ligar, ele atende, mas tem uma agenda violenta. E ela está desse jeito também, ainda mais nesse período de transição. Mudou de patamar, temos de entender isso.

Rede Brasil Atual – Em termos de número de servidores, quantos servidores a mais estão contratados por concurso hoje, em relação a 2003?

Paulo Bernardo – O número de servidores (federais) aumentou em aproximadamente 70 mil pessoas, um pouco mais de 10% do que tinha, 600 mil. Fizemos concurso para cerca de 120 mil pessoas, mas uma parte assume e sai – às vezes o governo paga salário menor do que outro órgão – e teve aposentadorias. No total, o saldo líquido é esse.

Rede Brasil Atual – É suficiente ou pelo menos razoável esse total?

Paulo Bernardo – É razoável. Tem muita reclamação e pedido para contratação (nos ministérios), mas não estamos só investindo para resolver problemas de governo contratando. Por exemplo, na Previdência, também informatizamos agências, investimos em atendimento remoto. Hoje, as universidades não têm mais necessidade de pedir autorização para concurso. Elas têm um número de servidores fixado – professor ou técnico administrativo – e, se sai um, podem fazer concurso para outro, não precisam mais pedir autorização.

Rede Brasil Atual – A terceirização no Executivo federal foi resolvida?

Paulo Bernardo – No começo do governo Lula, tínhamos aproximdamente 30 mil pessoas nos diversos órgãos. Fizemos um acordo com o Ministério Público no começo de 2005 e pedimos cinco anos para resolver o problema. Em um balanço recente, praticamente resolvemos tudo com concurso para substituir. Em alguns poucos casos isso ainda não aconteceu, porque o projeto para o concurso ou a criação de cargos não foram aprovados no Congresso a tempo. Há casos em que se aprovou já no período eleitoral, e o concurso ainda será feito. Vamos entregar um relatório ao Ministério Público mostrando que cumprimos o que dissemos, dando quase por encerrada a substituição de terceirizados por concursados.

Rede Brasil Atual – O sr. disse, ao referir-se ao debate sobre reajuste do salário mínimo, que o compromisso é deixar “nenhuma encrenca” para Dilma.

Paulo Bernardo – O governo já tem um monte de encrenca, normalmente. Não queremos criar nenhuma.

 

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