Para pesquisadora, modelo de microcrédito na Ásia é inadequado ao Brasil

Formas alternativas de se financiar projetos sustentáveis na Índia e Bangladesh não poderiam ser simplesmente adaptados ao país. Segundo Carolina Cabral Murphy, pesquisadora da Columbia University, bancos convencionais 'não têm tempo, nem vontade' de se dedicar à população pobre

Importante para o desenvolvimento de fontes alternativas de energia na Ásia, as microfinanças esbarram no Brasil na legislação e em tentativas de se importar modelos de outros países. A avaliação é de Carolina Cabral Murphy, pesquisadora da Columbia University. Ela concluiu estudo sobre o papel de microcrédito para a promoção de desenvolvimento sustentável em países asiáticos.

Em seu levantamento, a pesquisadora analisou a capacidade de geração de energia por fontes alternativas como biodiesel, etanol, biomassa, mini e micro-hidrelétricas, energia eólica e solar financiados por mecanismos de microfinanças. Em países como Índia e Bangladesh convivem com 75% da população rural sem acesso a energia elétrica.

Apesar do sucesso de experiências como o Grameen Bank, de Bangladesh, Carolina lembra que é necessário adaptar programas de microfinanças à realidade local. Seja ele vinculado a organizações não-governamentais, sindicatos, prefeituras, cooperativas, seja até a bancos comerciais, “modelos macroeconômicos não funcionam e cada vilarejo tem de ser tratado praticamente como um novo ‘case study‘”, avalia.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, ela aponta que os bancos convencionais não têm interesse em se especializar em produtos voltados à população mais pobre. “Ainda existe um certo nível de demanda reprimida para produtos financeiros para a classe A e opções de crédito “criativas” junto a classe B”, explica. O problema dessa opção é que as classes C, D, e E ficam desprovidas de mecanismos de mobilidade social.

Ao mesmo tempo em que há uma correlação entre crises e estagnação econômicas com o avanço do microcrédito e de finanças alternativas, há o risco de uma oferta excessiva de crédito voltada ao consumo gere um crescimento econômico insustentável no médio e longo prazos.

Confira a entrevista concedida por e-mail:
 

RBA – Quais são as principais limitações para se avaliar a importância das microfinanças para a promoção do desenvolvimento local e sustentável?

A limitação número um é puramente legislativa. Sem as leis propícias, as iniciativas de microfinanças vão continuar surgindo de forma descentralizada e vão continuar desaparecendo na mesma velocidade. Isto é, incentivos para financiar micro e pequenos negócios verdadeiramente sustentáveis que respeitem o ecossistema, a população, a fauna e a cultura local.

A limitação número dois é o modelo operacional. Tem muita instituição no Brasil usando modelos que foram importados de países cuja cultura, a economia e a regulamentação não tem nada em comum com o Brasil. Isto é uma falha clássica tanto no mercado de microfinanças, quanto em algumas ocasiões no mercado financeiro.

RBA – A experiência asiática pode servir de modelo para outras regiões, como a América Latina?

Pode sim, principalmente para a Bolívia e outros países com poucas agências bancárias fora das capitais e principais cidades. Mas em microfinanças, modelos macroeconômicos não funcionam e cada vilarejo tem de ser tratado praticamente como um novo “case study“.

RBA – Experiências de cooperativismo de crédito no Brasil passaram por um “renascimento” na década de 90, período de alta no desemprego. Na Argentina, clubes de troca e modelos alternativos de finanças foram adotados também em períodos de crise econômica. Essa relação entre pobreza e estagnação econômica como fomentadores de microfinanças? Se sim, isso pode ser um limite?

Esta correlação existe sim e na maioria das vezes é um limite em países onde a penetração do crédito e o acesso ao capital esta fácil e harmonizado, como nos EUA e na União Européia. Porém, com a atual crise do crédito, mesmo em países ricos o mercado de microfinanças, está crescendo junto ao setor informal. Pois, ao contrário das expectativas, os bancos não estão criando novas linhas de crédito no ritmo esperado.

No caso da Argentina, e principalmente do Brasil, o acesso ao crédito é uma questão tão sensível, quanto a da desigualdade social. E o equilíbrio entre a demanda e a oferta na área de microcrédito em um país consumista como o Brasil é muito subjetivo. Porque justamente esse excesso de crédito somado as novas fontes de financiamentos (com juros baixos) que eu considero um limite reverso ao da pergunta. Tendo em vista que essa opção não é sustentável, porque pode facilmente criar uma bolha de consumo.

RBA – Por que as finanças convencionais, de mercado, não se interessam por projetos de desenvolvimento local sustentável?

Por que ainda existe um certo nível de demanda reprimida para produtos financeiros para a classe A e opções de crédito “criativas” junto a classe B. Minha opinião é que os bancos convencionais ainda não têm tempo, nem vontade para montar um time preocupado com a classe C, D, e E e com mecanismos de fazer com que estes segmentos da população obtenham mobilidade social.

Por isso que os modelos da Ásia não podem ser simplesmente adaptados. Na Índia, microfinanças funciona muito bem porque a população é de 1,2 bilhões de pessoas e faltam agências bancárias até para a classe média. No Brasil, sobram agências bancárias, postos dos correios e casas lotéricas. Porém, em minha opinião, ainda faltam produtos e serviços certos para quase todas estas classes.
 
RBA – É só uma questão de escala ou pode-se identificar algum tipo de componente ideológico?

No caso de Bangladesh, microfinanças virou quase um culto, mas que está funcionando bem por seguir um modelo desenhado para a realidade do próprio país. Quando morei em Bangladesh, toda vez que ia visitar uma família que tinha empréstimos do Grameen (Bank), eles sempre tinham pelo menos uma foto ou cartaz do professor Monhamed Yunnuns, Economista e PhD, que foi Prêmio Nobel da Paz e é considerado uma celebridade Nacional.

No caso do Brasil, o governo faz questão de manter uma presença muito forte entre os fundos de financiamento usando o Banco do Nordeste ou o os bancos de desenvolvimento regionais como filtro. Porém, isto acaba desincentivando a competição por produtos de microfinanças do setor bancário privado. O que é uma lástima, porque isso prevene o processo competitivo que poderia permitir a entrada e o desenvolvimento de novo operadores com modelos mais criativos no mercado.