Para analistas, Dubai assusta, mas não deve despertar nova crise mundial

Moratória do emirado árabe mostra erro de estratégia do país em apostar no crédito internacional para alavancar obras

Investimentos em portos, hotéis e infraestrutura em diversos países do Golfo Pérsico demandaram elevado volume de crédito levantado no mercado internacional (Foto: Divulgação)

Um dos sete Emirados Árabes Unidos (EAU), Dubai adquiriu uma imagem de potência econômica livre de percalços financeiros. O anúncio de um pedido de interrupção de pagamento de créditos por seis meses feito pela Dubai World tomou o mundo de surpresa na quarta-feira (26), por indicar riscos de uma recaída no processo de recuperação econômica mundial desenhado nos últimos meses.

A principal braço estatal de investimentos em infraestrutura e construção civil do emirado levantou cerca de US$ 59 bilhões em passivos no mercado financeiro a juros relativamente baixos durante os últimos anos. Sem conseguir efetuar o pagamento e sem disposição de direcionar recursos do petróleo do governo central dos emirados em Abu Dhabi, a opção foi pela renegociação com os bancos.

“Dubai se endividou muito ao tentar buscar uma alternativa à economia no turismo para quando as receitas de petróleo diminuírem”, analisa o economista Sérgio Sister, em entrevista à Rede Brasil Atual. “Os recursos tomados para construções tinham, como garantia, imóveis que perderam valor durante a crise. Parece-me que a dificuldade está em renovar as dívidas, embora não seja um país que careça de garantias patrimoniais”, avalia.

Diferentemente de outras nações da região, os Emirados Árabes Unidos atingiram padrões de vida elevados e sua economia reduziu a dependência do petróleo. Além do turismo, a atração de bancos internacionais fez do local um dos principais centros financeiros do mundo e o mais importante do mundo árabe.

No Brasil, Dubai ganhou mais projeção durante a exibição da novela “Caminho das Índias”, pela rede Globo, até setembro deste ano, já que teve sequências gravadas em Dubai. Investidas de empresas da região em eventos esportivos – como sediar o mundial de futebol interclubes e patrocinar clubes europeus – também colaboraram para a formação da imagem de potência financeira internacional.

Segundo o jornalista Cláudio Gradilone, que assina a coluna Portfólio para a Reuters, a Dubai World atravessou bem os piores momentos da crise internacional iniciada em 2008 em função de abundantes reservas em moedas fortes – como dólar e euro – e à recuperação recente dos preços do petróleo. “No entanto, a retração econômica drenou recursos e desviouinvestimentos dos países emergentes, o que mostrou-se pesado para o Dubai World”, escreveu.

Analistas do mercado divergem ao analisar a situação. Alguns consideram que há exagero na reação dos especuladores que provocam quedas nas bolsas do mundo todo. A crise seria de liquidez momentânea e não de confiança na capacidade econômica de Dubai.

Outros apontam que pode haver problemas políticos entre os emirados, o que explicaria a falta de ajuda. Isso porque, acredita-se, o governo dos Emirados Árabes Unidos tem recursos para ajudar a Dubai World. A falta de informações exatas provoca ainda mais apreensão. Uma ajuda de Abu Dhabi, sede do governo federal, ainda pode vir.

“A súbita inadimplência de um participante do mercado financeiro tido como inabalável mostra que os riscos da crise ainda estão longe de acabar”, escreveu Gradilone. “Demorou, mas a desvalorização dos imóveis e a retração dos mercados vergaram o Dubai World. Novos casos podem ocorrer, e, principalmente, podem ser gerados pelas condições atuais”, ameaça.

Apesar das quedas no mercado financeiro, é difícil avaliar o alcance e a repercussão do problema em outras economias. No caso do Brasil, Sister concorda com a avaliação do ministro da Fazenda Guido Mantega de que o país não corre riscos. O economista acredita ainda que não se trata de um problema sistêmico, mas um caso isolado, diferentemente do que ocorreu em 2008 com as operações de derivativos de crédito promovidos por bancos de investimento nos Estados Unidos.

Para o jornalista norte-americano Charles Lemos, do My Direct Democracy ainda é cedo para avaliar o tamanho do estrago. “A extensão dos problemas de Dubai podem ser singulares, mas com os altos níveis de endividamento mundiais e a falta de clareza nos balanços dos bancos, o impacto no mercado de crédito em todo o mundo parece ser a de aumento do conservadorismo na prática de empréstimos”, analisa.

Na avaliação do gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, o mercado financeiro permanece ainda desconfiado mesmo depois de um ano do agravamento da crise financeira. 

“Como se sabe o mercado tem intercomunicadores e, evidentemente, se se manifesta uma moratória, um problema de pagamento dessa magnitude, isso vai fatalmente criar um constrangimento para a recuperação de determinado setores e segmentos”, disse à Agência Brasil.

Castelo Branco vê na crise em Dubai um motivo para que se entenda que ainda é preciso superar problemas e fragilidades, como o excesso de valorização de ativos e empréstimos excessivos, que grassaram na economia até o ano de 2008. A origem da moratória é reflexo da crise, envolvendo problemas na avaliação de risco.

Repercussão internacional

Para o primeiro-ministro francês, François Fillion, há recursos financeiros suficientes na região de Dubai para garantir que os problemas com a dívida não iniciem uma segunda etapa da crise financeira. “Nós vamos observar a situação”, ponderou em uma entrevista coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin.

Putin declarou que, apesar de a moratória de Dubai indicar a dificuldade de superação da crise mundial, a tendência é que a “saída da crise prevalecerá”.

Os bancos centrais da Itália e da França se apressaram em dizer que não estão expostos à moratória da Dubai World.

Com informações da Reuters

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