Socorro do BNDES a empresas está com os dias contados

Depois de atuar no lugar dos bancos privados, dispondo crédito para investimentos e para capital de giro no último ano, BNDES anuncia que as linhas acabam em 31 de dezembro

Tiago Soeiro: “Cessando as medidas anticíclicas, o banco retoma a agenda normal de investimento” (Foto: Divulgação BNDES)

No último 22 de setembro, dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participaria da abertura da 63ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, a edição do El Pais, um dos jornais mais respeitados do mundo, destacava: “Brasil causa alvoroço na ordem mundial”. O periódico mencionava que Lula falaria no evento com a autoridade de quem chega com os deveres de casa muito bem feitos. E afirmava: a crise financeira não passa de uma lembrança no Brasil.

Lula, o primeiro a discursar entre 192 presidentes, reforçou a afirmação: “O Brasil, um dos últimos, felizmente, a sentir os efeitos da crise, é hoje um dos primeiros a sair dela. Não fizemos nenhuma mágica. Simplesmente tínhamos preservado o nosso mercado financeiro do vírus da especulação.”

Segundo o presidente, o país se recuperou graças a políticas de estímulo do consumo, aumento do salário mínimo, aprofundamento dos projetos sociais, especialmente os de transferência de renda, disse. “Nossa economia retomou seu ímpeto e anuncia um 2010 promissor.”

Entrevista

Tiago Soeiro

gerente do Departamento de Programas e Políticas do BNDES

Algumas medidas que evitaram o acirramento da crise tiveram início no início de outubro de 2008, logo após a quebra do Lehman Brothers. Na visão de analistas, uma das origens dessas medidas foi o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “As empresas estavam sem crédito, sem capital de giro”, explica Tiago Soeiro, gerente do Departamento de Programas e Políticas do banco. “A ação imediata do BNDES foi a de restaurar a capacidade de investimento da empresa. O banco ocupou o papel que era dos bancos”, disse.

A primeira medida foi anunciada em 7 de outubro. “A ampliação das linhas do Pré-Embarque, financiamento de capital de giro para exportação, deu-se num momento em que evaporavam as linhas de comércio exterior. Este é o primeiro setor a sofrer na crise”, explicou Soeiro. “O mercado já está acostumado a operar com essa linha. Como foi reduzido o recurso do mercado, ela foi logo procurada”, observou.

Vendo que a situação das empresas continuava ruim, dois meses depois o BNDES lançou a linha PEC – Programa Especial de Crédito, para capital de giro puro para financiar o giro da empresa sem exigir contrapartida, só para girar o negócio.

A PEC, prevista para acabar no fim do ano, tem R$ 13 bilhões no orçamento total e R$ 200 milhões por empresa. São R$ 10 bilhões para qualquer tipo de empresa e R$ 3 bilhões para o setor da construção civil na aplicação das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com amortização em 36 meses e 12 meses de carência. “Foram duas medidas para giro, pois essa era a demanda na época”, detalhou Soeiro.

De acordo com o executivo, o BNDES não costuma operar nessa área de capital de giro, que é suprida pelos bancos privados. “O BNDES não vê necessidade para isso, mas atuou dessa forma para ocupar o espaço deixado pelos bancos que, na época, não estavam com crédito e capacidade de fazer.”

Outros programas foram mais setoriais, como o Proser, cujo foco era agropecuária, e outros menores com o mesmo conceito, de giro para agricultores. “O Proser teve ampliação de escopo porque o conceito é agroindustria e a gente utilizou o padrão de agroindústria restrita e passou para agroindústria ampliada”, explicou o executivo.

Agora, segundo Soeiro, o BNDES está vendo que não há mais necessidade de manutenção dessas linhas de crédito, então o banco não deve prorrogá-las haja vista que o mercado já tem condições de oferecer crédito.

RBA – Essas iniciativas tiveram um custo alto ou representaram algum tipo de prejuízo para o BNDES?
Prejuízo algum. O banco tem seu fundo, que é o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). O BNDES repassa o custo de captação. O banco tem de pagar o FAT com TJLP mais o spread (1,09% ao ano), ou seja, isso é possível pagar com o custo envolvido nas operações. Também tem o risco de crédito, para suprir a inadimplência. Em todos os programas, o banco sempre repassou seu custo de captação para as empresas

RBA – O BNDES fez em 2009 um desembolso histórico?
Sim, nos últimos cinco anos o banco vem aumentando seus desembolsos (entre janeiro e agosto o desembolso chegou a R$ 84,2 bilhões, o que representa alta de 59% em relação ao mesmo período de 2008).

RBA – O banco tem alguma alternativa de financiamento além do Tesouro?
Sim. Há muito tempo o banco capta no mercado como qualquer outro tipo de instituição bancária. Recentemente, captou R$ 1 bilhão no exterior. Como tem capacidade maior de endividamento e risco baixo, consegue captar dinheiro a custos menores. O custo lá fora é baixíssimo, quase o custo nacional, algo como 1% acima do mercado.

RBA – A postura do banco de proteção ao investimento no país vai acabar no fim deste ano?
Sim, o apoio às empresas vai acabar em 31 de dezembro. No mês de julho foi lançado um programa para bens de capital. Esse programa já é o BNDES e o governo pensando lá na frente. Quando tem uma crise como essa, as empresas param de investir no aumento de sua capacidade e não adquirem bens de capital. Com esse programa, que
derruba a taxa para 4,5%, o banco estimula o investimento em 2009. Retomando o crescimento normal, não faz sentido estimular novos investimentos porque eles se darão por si só.

RBA – O banco acompanha os investimentos previstos para o pós crise?
O banco faz parte da comissão de acompanhamento de crise, que ocorre mensalmente em Brasília – Banco Central, Ministério da Fazenda, entidades de classe e empresas.
Neste forum cada um leva a sua visão. Neste momento, o banco está próximo para saber a performance de cada setor. O setor de varejo vai muito bem, por exemplo, assim como de automóveis, com a redução do IPI. O setor de bens de capital não estava bem, aí o banco interferiu. Acho quer o governo acertou a partir do momento que se aproximou do setor produtivo para entender as dificuldades. Foi um diferencial do governo brasileiro em relação à crise. O Brasil teve velocidade grande ante às demandas.

RBA – O Brasil não tem histórico de atuação nesse sentido – como poderíamos comparar com a atuação em crises do passado?
O fato de o Brasil ter um banco como o BNDES fez a diferença, isso é fato. Os Estados Unidos não têm estrutura parecida – eles fizeram operações de credito com o Banco Central deles, e isso é um grande equivoco. Ao longo de sua existência, o BNDES sempre atuou com as demandas da sociedade, atuou como mecanismo de estatização no passado, em cada momento seguiu a demanda da sociedade. Em 2001 teve crise de crédito, exportação e o banco atuou com o Pré-embarque ao longo do processo. O banco sempre está ocupando o espaço que os bancos privados não conseguem atender. Atuou agora como sempre atuou, é um agente público, de Estado, foi criado para isso.

RBA – Pode-se afirmar que haveria uma quebradeira geral das empresas sem as linhas de crédito do BNDES?
O fato de ter um banco com crédito ocupou lacunas e isso evitou que empresas parassem. Se isso acontecesse haveria desemprego.

RBA – Você acredita que neste final de ano pode haver uma correria das empresas em busca dessas linhas de crédito?
O banco espera isso. A ideia é estimular o investimento neste ano. Foram R$ 44 bilhões disponibilizados para essa linha de bens de capital do Tesouro. Se as empresas tiverem capacidade de investir a esse ponto, a tendência é que o ano que vem seja bem melhor que este.

RBA – Pode-se esperar novas medidas para o ano que vem?
Cessando as medidas anticíclicas, o banco retoma a agenda normal de investimento.

RBA – Espera-se que os bancos voltem a atuar normalmente?
Eles já estão atuando, na verdade.