BNDES precisa melhorar fiscalização de contrapartidas

Programas de combate à crise, inaugurados há exatamente um ano, abandonaram exigências de ações sociais. Analistas criticam falta de fiscalização

A Embraer, que além de contar com suporte do BNDES foi contratada para fornecer aeronave ao governo, gerou irritação ao demitir trabalhadores no auge da crise (Foto: Renato Araújo/Agência Brasil)

Para enfrentar os riscos que a crise financeira ameaçava representar para o país, no dia 7 de outubro de 2008, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou linhas de financiamento especial para pré e pós embarque, destinadas a empresas exportadoras. A medida foi a primeira de uma série de programas de fomento da economia que, por princípio, não incluía qualquer contrapartida social nem ambiental.

A ação do BNDES é vista como fundamental para explicar a rápida reação da economia brasileira. As linhas especiais criadas no período se encerram em dezembro deste ano, o que recoloca o tema das contrapartidas na ordem do dia.

Tido como um dos propulsores do desenvolvimento brasileiro nos últimos anos, os  desembolsos da instituição chegam a ser maiores que os do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (Bird). Na maior parte dos créditos oferecidos, há exigências que incluem respeito à legislação trabalhista e ambiental, bem como cláusulas que podem estabelecer outras demandas.

Apesar disso, nem sempre a fiscalização ocorre a contento. A pedido das centrais sindicais, o BNDES passou a incluir em seus empréstimos o pedido de cumprimento de normas sociais. Em diversos casos, no entanto, empresas dispensaram trabalhadores ou foram acusadas de desrespeitar a legislação ambiental.

Ações sociais

A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, que reúne dezenas de entidades e analisa o papel do BNDES no país, cobra que as ações sociais não estejam presentes apenas em cláusulas, e passem a nortear a atuação do banco, sem preocupar-se exclusivamente com competitividade e crescimento econômico.

Os frigoríficos JBS-Friboi e a Bertin, por exemplo, receberam em setembro R$ 4,8 bilhões em crédito para o processo de fusão das gigantes da pecuária. Antes, o banco já possuía participações calculadas, ao fim de 2008, em R$ 1,4 bilhão e R$ 2,4 bilhões, respectivamente.

O problema é que a JBS-Friboi é investigada pela Operação Abate, da Polícia Federal, por favorecimento em fiscalizações. No fim de setembro, a Justiça Federal decretou o bloqueio de bens da companhia em Porto Velho. A Bertin, por sua vez, foi advertida pelo Ministério Público Federal do Pará por comprar carne bovina de propriedades que realizaram amplo desmatamento e estavam em áreas de reservas indígenas.

Outro caso foi registrado no começo do ano, quando o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho de Administração do BNDES foi acionado por sindicatos de Santa Catarina para averiguar demissões em metalúrgicas. João Felício foi informado da demissão de 300 trabalhadores em duas empresas que receberam recursos do banco – uma delas tem o BNDES como principal acionista.

“O BNDES tem as cláusulas escritas, mas precisa exercer pressão maior, mais eficiente, junto às empresas que não estão praticando isso. Temos muitas empresas em que o BNDES concedeu recursos, mas têm prática sindical não muito louvável”, argumenta Felício.

O caso que mais chamou a atenção foi o da Embraer. Em fevereiro, a gigante do setor aeronáutico anunciou a demissão de 4,2 mil funcionários, aproximadamente um quinto de seu quadro, provocando a ira do ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e do presidente Lula. A BNDES Participações (BNDESPar) tem 5,2% do capital da firma, mantidos desde a privatização realizada em 1994, sob governo Itamar Franco.

“Precisaria ser criado, dentro do BNDES, um determinado setor que cuide exclusivamente do cumprimento de contrapartidas, de como as empresas estão operando sua relação com o sindicato local, se estão respeitando as cláusulas sociais cobradas pelo banco” – João Felício, representante da CUT no Conselho de Administração do BNDES

A alegação da empresa foi de que seu desempenho depende majoritariamente do mercado externo, fortemente afetado pela crise financeira internacional com impactos estendidos pelos próximos anos. No entanto, a Embraer deve fechar o ano no azul e pode bater recorde de encomendas de aeronaves, com quase 40 a mais que as 204 entregues em 2008.

O caso tem agravantes. Além dos mais de US$ 8 bilhões desembolsados ao longo de uma década, a empresa é beneficiada pelo financiamento concedido a compradores de aeronaves. A Azul Linhas Aéreas recebeu, em abril, a notícia de que terá à disposição R$ 254 milhões para a compra de aviões junto à Embraer.

Micro

“A concepção do BNDES é muito positiva, é um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo”, reconhece Ana Elisa Périco, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e administradora pública. “Por mais críticas que se tenha, ele promove desenvolvimento econômico e social, e agora há a questão da preservação ambiental. O que fica a desejar é que ele tem potencial para mais”, aponta.

Para Ana Elisa, o banco pode ter um papel maior na correção do desequilíbrio da estrutura produtiva brasileira, ampliando o acesso das pequenas e médias empresas aos recursos.

No balanço de 2008, as micro e pequenas empresas representam 77% das operações, mas apenas 15% dos desembolsos. As grandes ficam com 76% dos recursos, mesmo realizando apenas 12% dos pedidos de financiamento. As operações são divulgadas apenas em números gerais e em casos específicos, sendo vedado o acesso à íntegra das operações autorizadas pelo banco, sob alegação de sigilo bancário.

Para a Rede Brasileira sobre Instituições Financeiras Multilaterais, isso mostra um dos grandes problemas da gestão do banco: a falta de transparência. A organização entende que o correto seria o acesso completo a todos os financiamentos, com divulgação das contrapartidas, taxa de juros, prazo, carência, relatório de impacto socioambiental e outros.

A professora Ana Elisa Périco lembra que investir em grandes empresas não quer dizer desperdício de dinheiro, desde que não se deixe de lado que os recursos devem gerar trabalho, renda e consumo. A princípio, seria este o caso das obras da Copa do Mundo que, jogando contra as promessas iniciais, devem mesmo ter recursos públicos.

“Mas é muito dinheiro em se tratando de um país que possui diferenças econômicas e sociais muito gritantes entre as regiões. O maior beneficiado da Copa é o setor privado, então é mais legítimo que o financiamento seja de responsabilidade desse setor mesmo”, pondera.

No total, o desembolso feito pelo BNDES para os estádios é estimado pela própria instituição em R$ 5 bilhões, com outro montante de mesmo valor para a infraestrutura das cidades-sede.

João Felício classifica de invejável a atual situação do banco, com a possibilidade de obter cada vez mais recursos e ser ainda mais expressivo. O ex-presidente da CUT considera um enorme avanço a colocação de cláusulas sociais no contrato, mas expõe propostas de aperfeiçoamento. “Precisaria ser criado, dentro do BNDES, um determinado setor que cuide exclusivamente do cumprimento de contrapartidas, de como as empresas estão operando sua relação com o sindicato local, se estão respeitando as cláusulas sociais cobradas pelo banco”, propõe.

A Rede Brasileira sobre Instituições Financeiras Multilaterais defende a possibilidade de criação de uma comissão externa que realize inspeções em caso de denúncias de problemas. Além disso, entende a necessidade de realizar audiências públicas para debater com a sociedade civil quais as prioridades do banco.

 

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