Governo descarta Copa como condição para trem-bala

Trecho Campinas – São Paulo – Rio deve operar plenamente apenas em 2016 com passagens entre R$ 150 e 200 na classe econômica para viagem de ponta a ponta

O diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo, afirma que grupos de Espanha, Japão, Coreia do Sul, Itália, Alemanha, França e China têm interesse no trem-bala, que depois pode ter extensões para Belo Horizonte e Curitiba (Foto: Wilson Dias. Agência Brasil)

O governo federal descartou oficialmente colocar a Copa do Mundo como exigência para a concessão das obras e da administração do trem-bala. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) manifestou nesta quinta-feira (3) que o leilão previsto para o início do próximo ano levará em conta a competitividade das propostas apresentadas.

O projeto, que já era parcialmente conhecido, foi apresentado pela primeira vez em detalhes durante o Seminário do Trem de Alta Velocidade (TAV) em São Paulo, evento que contou com a presença de seis grupos estrangeiros interessados em participar da concessão – outros dois estiveram ausentes.

O governo vai testar ao longo dos próximos meses a reação do mercado ao projeto e espera que o Tribunal de Contas da União (TCU) libere até outubro a abertura de edital e de contrato. As empresas interessadas terão então quatro meses para apresentarem suas propostas. Ou seja, com a realização de leilão em janeiro, no cenário mais otimista as obras começariam 90 dias depois, em abril ou em maio.

Como o prazo para a conclusão é de seis anos, o TAV começaria a operar plenamente o trajeto Campinas – São Paulo – Rio em 2016, dois anos depois da Copa. O mote inicial do governo era concluir o projeto para o Mundial, mas alguns investidores estrangeiros rapidamente alertaram que seria inviável fazer a construção em quatro anos – há outros que consideram possível a conclusão para o evento.

Quando concluída, a linha terá 511 quilômetros, a maior extensão inicial do mundo entre os trabalhos já realizados – nenhum deles foi feito em quatro anos, como pretendiam inicialmente os ministérios dos Transportes e da Casa Civil.

Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT, lembra que o vencedor da licitação terá liberdade de entregar antes um trecho que possa começar a operar. O principal foco de interesse das empresas é colocar em funcionamento os trilhos entre Campinas e São José dos Campos, passando por São Paulo.

Questionado se o governo não pondera eventuais atrasos provocados por impasses ambientais, Figueiredo foi enfático ao lembrar que o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) acompanharam de perto a elaboração do projeto, fazendo observações e pedindo mudanças de trajeto. “Sem dúvida passa por áreas delicadas do ponto de vista ambiental, mas em compensação oferece uma tecnologia limpa, vai provocar redução no uso de carros e readequação da malha aérea”, afirma.

Para acelerar o processo, a ANTT tem trabalhado no processo de licença ambiental, que será apresentado assim que forem contemplados o traçado e a engenharia definitivos. O governo espera ouvir de empresas as sugestões de mudanças, aponta o diretor-geral da agência. “Ao tornarmos público o projeto, estamos dispostos a receber contribuições. Aquilo que entendermos como importante será acatado”.

Governo

Bernardo Figueiredo acredita que o Planalto gerou as condições necessárias de investimentos para atrair as empresas estrangeiras, mas deixou claro que nenhuma adição será feita depois que o trecho for concedido. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançará uma linha de crédito específica para os trabalhos, com prazo de pagamento de 30 anos e os primeiros cinco anos como período de carência. Os juros serão calculados de acordo com a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e adição de 1% ao ano. Além disso, o governo entrará com R$ 2,3 bilhões para os trabalhos de desapropriação e outro R$ 1,1 bi para ser acionista da E-TAV, a empresa a ser criada com objetivo de gerir os negócios do trem-bala.

Paralelamente, há uma conversa com os governos estaduais para que abram mão ao menos de parte da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerado pelos novos negócios – o Rio de Janeiro já deu sinal verde e falta apenas o aval de São Paulo. O diretor-geral da ANTT lembra que também os municípios terão muito a ganhar com a valorização imobiliária no entorno das estações de parada do TAV.

Viabilidade para o passageiro

O governo deixou claro aos futuros investidores que não aceitará concorrência predatória com os outros meios de transporte. O temor é de que, inicialmente, a empresa vencedora do leilão venda passagens a preços muito baixos para quebrar companhias de ônibus e desestimular as rotas de avião.

A ANTT coloca a redistribuição da malha aérea, desconcentrando os voos hoje vexistentes no eixo Rio-São Paulo, como uma das grandes vantagens do projeto, mas quer estabelecer um piso e um teto para afastar o risco de práticas desleais.

Nos cálculos apresentados nesta quinta-feira, a passagem Rio-São Paulo custaria R$ 200 no horário de pico e R$ 150 nos demais horários, com duração de 93 minutos. O trecho São Paulo-Campinas, apontado como fundamental para redistribuição de malha aérea, ficaria em R$ 31,20 – o ônibus entre o Aeroporto de Cumbica e algumas regiões da capital paulista atualmente está em R$ 24. Há ainda paradas em São José dos Campos, Volta Redonda e Barra Mansa.

Para comprovar a viabilidade financeira do projeto, o governo leva em conta uma passagem aérea Rio-São Paulo em R$ 400 (há outras por menos de R$ 100), a de ônibus em R$ 67 e os gastos de uma viagem de automóvel fica em R$ 137. Nas projeções de demanda, estima-se que 81% dos passageiros virão “desviados” desses outros meios de transporte.

Sobre o tempo de viagem, os cálculos são de 110 minutos para avião (contando check-in, procedimentos de embarque e de desembarque), cinco horas para automóvel e pouco mais de seis para ônibus, contra uma hora e meia da viagem de TAV.

As projeções do governo para mostrar a viabilidade econômica do negócio, com taxa de retorno em 9% ao ano, são otimistas. A demanda anual em 2014 seria de 32.608 passageiros, quase o dobro da estimada para o momento atual. A maior parte das viagens não ocorrerá entre Rio de Janeiro e São Paulo, mas nas conexões mais curtas, como Rio – Volta Redonda – Barra Mansa e São José dos Campos – São Paulo – Campinas. Por isso, Figueiredo enfatiza que “o que o projeto gera de efeito é descentralizar as populações dos centros urbanos. Imaginamos que haverá deslocamento de pessoas ao longo do trajeto, deixando as cidades de São Paulo e Rio”. 

A possibilidade de investir recursos da mesma ordem de grandeza na reativação da malha ferroviária como um todo, desestimulando o transporte rodoviário e descentralizando a produção, o diretor-geral da ANTT destacou que “não podemos colocar antagonicamente projetos que têm objetivos absolutamente diferentes”. Ele aponta que a malha ferroviária brasileira é antiga e não pode mais realizar o transporte de cargas, e que por isso o Ministério dos Transportes investiu em 5 mil quilômetros de novos trilhos e pretende aumentar os projetos para dobrar essa extensão.