Ampliação do crédito no Brasil passa por redução do spread, apontam analistas

Participantes de seminário em São Paulo defenderam formas de se regulamentar as margens praticadas pelos bancos no crédito e estimular a concorrência efetiva. Projeto de lei prevê metas controladas pelo BC

Maria Cristina Penido de Freitas (à esquerda), defendeu ampliação do crédito direto pelo BNDES (Foto: Maurício Morais/Seeb-SP/ Divulgação)

A regulamentação da margem bancária no Brasil deve ser mais complexa do que se estabelecer um projeto de lei sobre o tema. A diferença entre o valor pago pelos bancos a correntistas e o cobrado em empréstimos, chamado de spread, é a primeira ou segunda mais alta do mundo – dependendo do levantamento – e um dos motivos inibidores à expansão do crédito no país.

As formas de se ampliar a oferta passam por limitar a lucratividade dos bancos e ampliar a concorrência, segundo os debatedores do seminário “Políticas de crédito, juros e spread bancário no Brasil”, promovido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região com apoio da Rede Brasil Atual.

Para o deputado federal Ricardo Berzoini, o debate envolve as relações de poder que se estabelecem entre o sistema financeiro e a sociedade. Historicamente, instituições atuam para inibir mecanismos de regulação que limitem seus lucros. O tema envolve a regulamentação do sistema financeiro, cuja fragilidade foi exposta pela crise financeira internacional desencadeada a partir da bolha da securitização do crédito nos Estados Unidos e diversos países da Europa.

O parlamentar, coautor do projeto de lei 5.258/2009 que cria metas para o spread – análogas ao sistema de controle da inflação pelo Banco Central – lembra que o debate no Congresso sobre as margens praticadas pelos bancos se iniciou em 1999. Pressionado por uma subcomissão da Câmara, o Banco Central passou a monitorar a questão, mas aceitando a composição das margens apresentadas pelos bancos.

Desde então, houve poucos avanços no sentido de limitar o ganho dos bancos, embora a mobilização de entidades sindicais e organizações ligadas aos direitos do consumidor tenham trazido o debate mais à tona. O PL em tramitação na Câmara prevê que o Banco Central fiscalizaria o spread dentro de um sistema de metas balizado pelas médias internacionais praticadas associadas a outros fatores ligados aos custos dos bancos.

A economista da Maria Cristina Penido de Freitas, pesquisadora da questão, alertou que a proposta de controle do spread no modelo proposto pode ser inviável devido à complexidade do sistema financeiro e à ausência de metodologia própria do Banco Central para apurar a margem bancária. Também haveria dificuldades de se encontrar uma média internacional, já que há variações internas que dificultariam o cálculo.

“A disputa é mesmo política”, avalia a economista. “Um dos motivos por que a redução da Selic não reduz o spread é a estrutura da operação do Banco Central com títulos, herança do tempo de inflação descontrolada”, constata. Ela explica que o modelo de operações compromissadas – que remuneram os títulos da dívida pública alguns dias depois da venda – garantem às instituições financeiras uma lucratividade. Essa certeza foi, segundo ela, uma das causas do “empoçamento de liquidez” ocorrido no último trimestre de 2008.

“O Banco Central promoveu 11 mudanças na legislação do compulsório naquele período, mas a situação só melhorou quando foi retirada a remuneração dos ativos e se obrigou os bancos a adquirirem carteiras de outras instituições”, relembra. “Sem colocar riscos para os bancos na operação com títulos da dívida, não se aplia o crédito”, defende.

A advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) Ione Amorim comparou o debate do spread ao da regulamentação das tarifas bancárias. A resolução 3.518/2007 do Banco Central padroniza as cobranças por serviços para permitir aos correntistas a comparação e gerar competição entre os bancos, mas isso não impediu um reajuste médio de 17% menos de seis meses depois de os valores terem sido liberados.

Para Ione, o exemplo mostra que há um caminho longo para se aprimorar esse tipo de medida pela complexidade do tema. “O que é claro é que quanto maior a taxa de juros cobrada, maior o risco de inadimplência”, avalia.

“O principal objetivo do projeto de lei é abrir o debate”, reconheceu Berzoini. Ainda assim, mesmo reconhecendo a dificuldade metodológica e um peso mairo na tributação e nos percentuais de depósitos compulsórios brasileiros, a lucratividade dos bancos no país é muito superior. Segundo o parlamentar, enquanto bancos nacionais lucram 30% ao ano, outros países convivem com crescimentos de 10% a 12%. Por isso, o cenário já permite afirmar que é necessário produzir uma redução.

“Além de defender a redução do spread, é necessário debater a democratização do Conselho Monetário Nacional (CMN)”, defendeu Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários. Ele acredita que a medida permitiria ampliar a fiscalização ao sistema financeiro e incentivar a concorrência efetiva entre bancos.

Ele defendeu que o tema seja apropriado por movimentos sociais e a toda população como forma de pressionar os bancos. “É possível haver crédito mais barato para desenvolver o país, onde a maioria da população tenha condições de acesso e possa pagar por isso”, afirmou.

O tema deve permanecer na agenda das centrais sindicais. Na Marcha da Classe Trabalhadora a Brasília (DF), realizada anualmente pelas centrais, o tema deve se juntar à redução da jornada de trabalho como bandeira de reivindicação.

Bancos públicos

Segundo os participantes do Seminário, os bancos públicos mostraram, desde a eclosão da crise financeira, que têm um papel fundamental na redução do spread. A troca de comando do Banco do Brasil e a ação de outros bancos públicos, com destaque para a Caixa Econômica Federal, foi importante para ampliar o crédito.

“A nova direção do Banco do Brasil não fez nada de revolucionário, apenas fez o que um bom administrador faria: ampliar a base de clientes ao competir com preços melhores”, resumiu Berzoini. O resultado foi a carteira da instituição ter avançado mais do que a das instituições privadas.

Ele criticou a postura de diretores dos bancos públicos, formados na década de 90, auge das chamadas políticas neoliberais, que buscavam alinhá-los às instituições ao mercado. Na prática isso significa manter taxas elevadas e evitar a competição real, baseada em disputa de preços.

Para Berzoini, a expansão do crédito no país – hoje equivalente a cerca de 45% do Produto Interno Bruto (PIB) – funciona como uma reserva para o Brasil, já que é possível quase que dobrar essa proporção. Países em desenvolvimento têm de 70% a 80% do PIB em crédito, enquanto os Estados Unidos alcançam 230% das riquizas produzidas anualmente em empréstimos.

A economista Maria Cristina defendeu ainda a ampliação das operações de crédito direto operadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Atualmente, a instituição opera por meio de agentes financeiros que são remunerados sem exposição a riscos. “Os bancos públicos têm de ter lucro, mas não em uma lógica de mercado”, pondera.