Dinheiro para trem-bala poderia reativar malha ferroviária

Governo planeja lançar edital no início do segundo semestre e sabe que financiamento exclusivamente privado é inviável para o projeto que terá custo superior a US$ 37 milhões por quilômetro

O projeto mais caro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) está orçado em US$ 15 bilhões, segundo estudos de uma consultoria britânica. Já esteve em US$ 11 bi e, antes, em US$ 9 bi. Agora, são US$ 37 milhões para cada um dos 403 quilômetros ligando São Paulo ao Rio de Janeiro. 

A demanda pelo trem-bala é incerta. Segundo a Halcrow, serão 31 milhões de passageiros ao ano entre Campinas – São Paulo – Rio de Janeiro e as cinco paradas programadas pelo trajeto. Para que se tenha uma noção, segundo os dados da Agência Nacional de Aviação Civil, a ponte aérea Rio-São Paulo transporta por ano, entre idas e voltas, menos de três milhões de passageiros. 

Para que o projeto fosse viável, seria necessário atrair os motoristas que utilizam a rodovia Presidente Dutra. Mas, como o Governo Federal tem pressa, quer as obras entregues até a Copa do Mundo de 2014, o critério de menor tarifa dificilmente vai prevalecer na escolha do projeto vencedor. Por outro lado, a ideia de que o eleito não faça apenas as obras, mas cuide também da manutenção do projeto, pode afastar espanhóis e chineses da concorrência. 

Com tudo isso, é consenso dentro do governo que os trabalhos não serão bancados por uma empresa privada e deve haver forte injeção de dinheiro público. Marcus Quintella, engenheiro de transporte do Instituto Militar de Engenharia (IME) e da Fundação Getúlio Vargas, lembra que em lugar algum do mundo o Estado ficou a salvo de fazer investimentos nem mesmo depois das obras, já na fase de operação. 

É nesse ponto que entra a grande questão: vale a pena investir tanto dinheiro em um trajeto de pouco mais de 400 quilômetros, ao mesmo tempo em que muitas ferrovias convencionais pelo País precisam de muito menos orçamento para voltar a funcionar? O próprio presidente Lula, em discurso de 2004, apontou que era uma vergonha que a ferrovia entre Santos, litoral de São Paulo, e Corumbá, divisa com a Bolívia, não estivesse funcionando. Segundo as palavras do próprio presidente, seriam necessários R$ 80 milhões para fazer voltar a operar o trecho. Fazendo os cálculos, um custo por quilômetro em torno de R$ 53 mil. Ou seja, dois quilômetros do Trem de Alta Velocidade seriam suficientes para bancar essa reativação, e ainda sobraria troco.

O projeto do trem-bala, depois da conclusão do tramo Campinas – São Paulo – Rio, pode ser estendido. É esse o desejo de cidades como Curitiba e Belo Horizonte. O engenheiro Marcus Quintella lembra que é fundamental trabalhar com a questão da demanda e que o trem-bala só é viável para uma movimentação muito grande de passageiros. O professor do IME considera que o mais viável seria pensar em uma malha ferroviária nacional com trens de longa distância que operem na faixa de duzentos quilômetros por hora. 

Outro ponto em questão no projeto do trem-bala é a transferência de tecnologia. Para a indústria ferroviária nacional, é fundamental que esse aspecto seja contemplado pelo projeto. “Sem uma indústria forte, dificilmente teremos sucesso. Hoje, temos um fabricante de veículo leve sobre trilhos que está trabalhando no Ceará e em Pernambuco, mas ainda é em pequena escala”, aponta Quintella.

Trem para todos

No Brasil, alguns estudos mostram que o trem-bala pode ser inviável, principalmente em relação à questão da demanda, que deveria ser muito alta e com passagens custando aproximadamente a metade da ponte aérea Rio-São Paulo.

Na Argentina, um grupo chamado Tren para todos colocou análises na ponta do lápis e mostrou que o projeto de conexão entre Buenos Aires, Rosário e Córdoba não valia a pena – tanto que o governo de Cristina Kirchner recentemente arquivou a ideia. Jorge Contestí, especialista do setor ferroviário, constatou que, com dois bilhões de dólares a menos que o planejado para o trem-bala (US$ 5 bi), seria possível reativar 18 mil quilômetros de trilhos de trem convencional (sete mil para passageiros e onze mil exclusivamente para carga).

Com isso, dezenas de cidades poderiam ter as economias reativadas. É o caso de Patrícios, povoado mostrado no filme “La próxima estación”, de Fernando Solanas. Patrícios é um dos muitos casos – 800, para ser mais preciso – de cidades que passaram a ser povos-fantasmas depois do desmonte ferroviário promovido por Carlos Menem (1989-99). Hoje, apenas 600 pessoas moram no local, 10% do que se via na década de 90. Os outros 90%, a exemplo do que ocorreu em outros pontos, hoje engrossam os bolsões de pobreza das metrópoles. Na época das privatizações, a alegação menemista era de que os trens davam muitos gastos, um prejuízo de um milhão de pesos ao dia. Hoje, com apenas 20% da malha operando, o gasto é três vezes maior graças aos generosos subsídios. 

Leonardo Rico, integrante do Tren para Todos, destaca que, com os trens convencionais, as passagens têm preços acessíveis a praticamente toda a população. No caso argentino, o preço do bilhete do TAV seria comparável ao do avião, ou seja, “no trem-bala, viajariam todos os jogadores do Palmeiras, meu time de coração, ao passo que no trem convencional viajaria toda a equipe mais a torcida. Construir o trem-bala é diretamente transferir recursos desde as maiorias para as multinacionais estrangeiras e manter um serviço subsidiado por todos para um grupo reduzido de executivos e turistas VIP que poderão escolher entre viajar de avião ou de trem-bala”, contesta Leonardo Rico.

 

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