Lula na TVT - parte 4

Lula na TVT: ‘Não dá pra torcer pra dar errado. Quando um governo dá errado, quem perde é o povo’

"Eu quero que ele (Bolsonaro) faça o que precisa ser feito", diz o ex-presidente nesta última parte da entrevista concedida à TVT

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
"Liberdade de Lula tem a ver com a luta pela democracia no país", disse Gleisi

São Paulo – Perguntado sobre se torce para o governo Bolsonaro dar errado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi categórico. “Não dá para torcer, em nome da coisa mais sagrada que eu tenho na vida, não dá pra torcer pra dar errado. Porque quando dá errado, quem perde é o povo. Eu quero que ele faça o que precisa ser feito.”

Na última parte da entrevista de Lula à TVT, ele falou sobre o discurso a respeito da “máquina inchada”, argumento utilizado por quem defende a redução doa tamanho do Estado. “Eu posso dizer, olhando como se estivesse olhando para uma coisa sagrada: não tem jeito de você melhorar a saúde se você não contratar mais médicos, se você não contratar mais enfermeiras, se você não comprar mais equipamentos. Não tem como você melhorar a educação se não contratar mais professores, se não fizer mais laboratórios. Não tem como”, afirmou, aos entrevistadores Juca Kfouri, José Trajano e Talita Galli.

O ex-presidente também falou a respeito do orgulho que sente em relação à Vigília Lula Livre, acampada nos arredores da sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, no período em que esteve preso. “Aquela gente, poderia dizer gente humilde, ficar lá, 580 dias com sol, com chuva, frio e calor, sendo ofendida, era ex-delegado da Polícia Federal que ia lá, vizinhos que denunciavam, e aquela gente não arredou o pé, todo dia cantando ‘bom dia, Lula, boa tarde, Lula, boa noite, Lula’. É uma coisa que não tem preço. Isso não é possível fazer pagando, isso é possível fazer com muita, muita, muita solidariedade.”

[ Veja também: Parte 1Parte 2 | Parte 3 ]



Juca
  Mas desse pessoal (classe média), estou vendo aqui um dado, segundo a última estimativa, 56 bilhões de dólares, equivalente a 3% do PIB brasileiro, evadiram-se para fora do país no ano passado.

Quando eu estava na presidência a Bolsa estava com 71 mil pontos e nós criamos 22 milhões de empregos com carteira assinada. Por que que agora a Bolsa está com 120 mil pontos e não se gera emprego? A verdade é que não está entrando dinheiro de fora, está saindo. Os caras estão indo na Bolsa especular e vão embora

Lula  Juca, não gosto de falar porque muita gente fala que eu sou muito crítico à imprensa. Veja uma coisa, o ufanismo que alguns setores da empresa estão fazendo para tentar mostrar que o Brasil está dando certo é de uma coisa alucinante de tamanha mentira. Aqueles comentaristas econômicos da Globo, aquele comentarista econômico dos outros canais de televisão, (dizendo) ‘agora vai, porque agora vai, a Bolsa chegou a 120’… O que é que tem a Bolsa chegar a 120 e não gerar emprego?

Quando eu estava na presidência a Bolsa estava 71 mil pontos e nós criamos 22 milhões de empregos com carteira assinada. Por que que agora a Bolsa está com 120 mil pontos e não gera emprego? Ora, o problema deste país é o seguinte: embora ele seja tão otimista, a verdade é que não está entrando dinheiro de fora, está saindo dinheiro do Brasil. Os caras estão indo na Bolsa especular e vão embora.

Você está lembrado que há 10 anos a grande preocupação nossa era criticar a taxa de juro, a Selic, porque a gente ficava fomentando o sistema financeiro, não é isto? Por causa do título. Agora está lá embaixo a taxa Selic, você viu alguém reclamar? Não, sabe por quê? Porque os bancos não estão mais ganhando dinheiro com título, eles estão ganhando dinheiro no fundo de aplicação da própria Bolsa e vão tirando dinheiro para fora.

Sabe quanto dinheiro entrou no último ano que eu governei esse país? 65 bilhões de dólares. Então você sabe o que eu penso? O Bolsonaro, o Guedes, e quem mais ele quiser, poderia pegar – tem um livro aí que eu não sei se dei para vocês, o meu livro – que deveriam ler, só para criticar a gente, mas também copiar, se eles copiarem a gente eu não vou dizer que é plágio. Se eles voltarem a dar comida para o povo, dar emprego para o povo, pagar salário para o povo e respeitar o povo, não vou dizer que é plágio.

Juca – Você não torce para esse governo dar errado?

Lula  Não dá para torcer, em nome da coisa mais sagrada que eu tenho na vida, não dá pra torcer pra dar errado. Porque quando dá errado, quem perde é o povo. Eu quero que ele faça o que precisa ser feito.

Trajano –Mas não vai conseguir. Todo mundo sabe que eles não vão conseguir, porque eles não pensam assim, eles não querem isso.

Pois é, mas deixa eu te falar uma coisa… Quando as pessoas não conseguem, as pessoas… Sabe por que eles não mudam mais rápido? Porque tem muito puxa saco. Você veja, não é fácil as pessoas que torceram tanto para derrubar o PT, que torceram tanto para o impeachment da Dilma, que rezaram e fizeram até procissão para o Lula ser preso, não é fácil essa gente agora, sabe, encontrar uma rota de fuga e deixar de defender o governo. Eles agora têm que engolir, estão percebendo que a comida não está boa, que é indigesta, vai engasgar, mas enquanto o Guedes estiver entregando o patrimônio público para eles, está ótimo.

Então, não quero que continue assim, pelo amor de Deus, quero que esse cara acabe logo com esse negócio do cara ficar esperando dois anos na fila da Previdência, que se libere isso. Gente, chama o (Carlos) Gabas, que era funcionário de carreira da Previdência. Chama o (José) Pimentel, que era deputado, é senador, do Banco do Brasil, o amigo do Bolsonaro. O Bolsonaro se tiver um pouco de humildade, chama o cara e fala ‘Gabas, me ensina aqui como que faz, cacete?’. Ao invés de trazer quatro, sete mil soldados, ‘me dá uma dica aqui, como é que eu faço isso aqui’. O cara vai ensinar, o cara vai ensinar.

Gente, eu estava dizendo, o Fernando Henrique Cardoso teve uma greve da perícia médica da Previdência Social. O Fernando Henrique Cardoso acabou com a perícia médica pública e contratou terceirizado. Quando eu cheguei na presidência, você sabe que o cara se machuca, ele fica os primeiros 15 dias por conta da empresa, depois passa para a Previdência. Se não tem perícia, esse cara não volta a trabalhar, se ele não volta a trabalhar quem está pagando é a Previdência, é o dinheiro público que está sendo gasto com uma pessoa que poderia ter voltado a trabalhar. Demorava de nove a dez meses cada perícia. Nós recontratamos o pessoal da previdência privada e nós fizemos mudanças e criamos o número 35.

Quem quiser fazer oposição ao Bolsonaro, tem que ganhar dele sem o povo estar morto de fome. Não dá para você pedir para ele ser uma Hiroshima. Precisa ter argumento e programa. E ele nem precisa fazer coisa boa, Monta a fábrica de mentiras, de fake news, e pode querer ganhar. O que que temos que fazer? Não permitir que a mentira vença outra vez

O cara do Oiapoque ao Chuí, ele ligava 35, marcava a consulta dele no perito, e passamos a marcar no máximo em oito dias a consulta dele aqui na região mais conturbada de São Paulo. Tinha lugar que era marcado no mesmo dia, salário-gestante, aposentadoria por tempo de serviço, tudo era feito quase que automático. Então se essa gente tem dificuldade, o presidente do Inamps (INSS), que eu não sei quem é, ora, chama as pessoas que estavam lá no nosso tempo de governo, tem muita gente de carreira, e pede auxílio. Não se humilhar não, é obrigação, de quem sabe, ensinar, transferir tecnologia.

Trajano – O governo não repôs, saíram 6 mil funcionários do INSS, teria que haver concurso público. O Guedes melou. Conclusão, por isso esse atraso terrível, 2 milhões de brasileiros, seguro maternidade, licença maternidade, a própria aposentadoria, tudo isso a fila que a gente não sabe. Agora recruta 7 mil militares. Como você falou, por que que não dá esse emprego, essa função, para quem precisa? Para quem está desempregado agora?

Tem uma coisa, Trajano, no Brasil, que é o seguinte: as pessoas falam que a máquina é inchada. Compara com todos os países nórdicos, com os países europeus, a quantidade de funcionários do setor público com a população, em relação ao Brasil. Você vai perceber que o Brasil tem menos que todos. E no Brasil tem uma coisa engraçada, quando as pessoas querem enxugar a máquina, mandam as pessoas embora e não repõe. Eu posso dizer, olhando como se estivesse olhando para uma coisa sagrada: não tem jeito de você melhorar a saúde se você não contratar mais médicos, se você não contratar mais enfermeiras, se você não comprar mais equipamentos. Não tem como você melhorar a educação se não contratar mais professores, se não fizer mais laboratórios. Não tem como.

Juca – Mas eu queria retomar uma questão. Quando o senhor diz que não torce contra, porque se o governo der errado, quem sofre é o pobre. Tenho um amigo que assim que o Bolsonaro ganhou a eleição, cunhou para mim a seguinte frase: se esse governo der errado, vai ser uma merda e, se ele der certo, também vai ser uma merda. No sentido de que se ele desse certo, como é que você desaloja?

Acho que quem quiser fazer oposição ao Bolsonaro, tem que ter em conta que tem que ganhar dele sem o povo estar morto de fome. Não dá para você pedir para ele ser uma Hiroshima, para você poder ganhar. Você precisa ter argumentos e um programa para ganhar dele mesmo que ele faça uma coisa boa. E você sabe que ele não precisa fazer coisa boa, monta a fábrica de contar mentiras, do fake news, que já foi usada uma vez, que o Trump deve estar assessorando ele, então pode querer ganhar. O que que nós temos que fazer? Não permitir que a mentira vença outra vez.

Talita – Nesse sentido, você fala em reconquistar o eleitorado nas ruas. Mas existe uma guerra de narrativas nas redes também. O partido, o PT, pensa em alguma forma de investir nesse sentido?

Você sabe que para você transmitir uma verdade, tem que construir uma verdade. Para você construir uma mentira, você não precisa de uma grande narrativa. Mentira pode ser sem pé e sem cabeça. Vamos pegar na semana passada, por exemplo, eu fiz uma crítica ao Trump com relação ao Ahmadinejad e ao enriquecimento de urânio. O Bolsonaro, sem nenhum critério, numa coisa de mediocridade, colocou uma foto minha com o Ahmadinejad, dizendo ‘Lula fez acordo para enriquecer mais de 20% do urânio’. O que que nós fizemos? Nós publicamos um texto do Clóvis Rossi para provar como ele (Bolsonaro) é medíocre.

O Aécio não aguentou uma capa da Veja e o bichinho se escondeu. Eles sabem que eu não tenho uma relação fictícia com a sociedade, tenho relação de sangue. Tenho relação com as pessoas de muitos anos, de conviver em acampamento, na porta de fábrica na greve. Então essa relação não termina assim

Mas a mentira não exige que você tenha competência não, a mentira grosseira que eles fazem… Você sabe que meu filho Fábio já foi dono da Friboi, da Vasp… A casa há 10 anos, em Piracicaba, era a casa do meu filho, eles diziam que meu filho tinha todas as fazendas de gado, Ferrari. Não tem critério, é muito difícil você disputar com a mentira, o que você tem que ter é persistência e paciência.

Talita – Mas você acha que você é mais importante fazer essa disputa nas redes do que talvez até nas ruas?

Não não, são duas coisas. Uma coisa não substitui a outra. Eu, eu sou um velho político, não tem nada que substitua um pegar de mão, um olhar no olho, não tem nada, nada. A relação política ela é química, é quando a química combina ela é duradoura. É por isso que essa gente fica nervosa, como é que podem bater tanto no Lula? Pensa bem, pensa bem. Eu, quantos anos faz que eu apanho?

Se você pegar quatro revistas brasileiras, tirando a Carta Capital, vai perceber que eu já devo ter mais de 100 capas contra mim. Se você pegar os jornalões, você vai perceber que tenho pelo menos umas 300 primeira página de cada um contra mim. Se você pegar só o Jornal Nacional, já tem mais de 400 horas contra mim. Se você pegar O Bom Dia Brasil, o Boa Tarde não sei das quantas, a Record…

O Aécio não aguentou uma capa da Veja e o bichinho se escondeu. E eu, eles sabem que eu não tenho uma relação fictícia com a sociedade, tenho uma relação de sangue. Tenho relação com as pessoas de muitos anos, e não de restaurante chique em São Paulo não, é de conviver em acampamento, de conviver na porta de fábrica na greve, então essa relação não termina assim.

Então você não tem noção do orgulho que eu tenho, sabe, que vai passar para a História como uma das coisas mais fantásticas, que foi aquela vigília na porta da Polícia Federal. Aquela gente, poderia dizer gente humilde, ficar lá, 580 dias com sol, com chuva, frio e calor, sendo ofendida, era ex-delegado da Polícia Federal que ia lá, vizinhos que denunciavam, e aquela gente não arredou o pé, todo dia cantando ‘bom dia, Lula, boa tarde, Lula, boa noite, Lula’. É uma coisa que não tem preço. Isso não é possível fazer pagando, isso é possível fazer com muita, muita, muita solidariedade.

E essa relação, graças a Deus, eu consegui fazer junto com o povo. É por isso que eu digo o seguinte, o sucesso do meu governo se deve única e exclusivamente à capacidade de governar do povo brasileiro. Eles acreditaram e deram força para que a gente pudesse fazer as coisas que nós fizemos nesse país. Então, eu estou aí nessa briga com muita disposição e vou tomar minha vida, eu gosto de brigar, gosto de conversar, sou um homem de paz, mas não levo desaforo.


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