Universidades em xeque

Ex-ministro da Educação pede ação contra ‘retrocesso universitário gigantesco’

Alerta é de Renato Janine Ribeiro, para quem a autonomia universitária corre grande risco desde que Bolsonaro editou a Medida Provisória que muda rito para eleição e nomeação de reitores

Reprodução/Youtube
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"Imagine um reitor sem representatividade nomeando diretores de faculdades sem consultar ninguém", critica ex-ministro

São Paulo – A autonomia universitária corre grande risco desde o último dia 24 de dezembro, quando o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 914/2019, que muda o rito para a eleição e nomeação dos reitores das universidades e institutos federais. “É preciso mobilização. É um momento em que é preciso que a comunidade acadêmica se mobilize, escreva para os presidentes da Câmara e do Senado e para os jornais. É preciso uma mobilização veemente contra isso. Do contrário, vamos ter um retrocesso universitário gigantesco.” O alerta é do filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro.

A MP muda o rito para a eleição e nomeação dos reitores das universidades federais. De acordo com a medida, o presidente poderá não acatar o nome mais votado da lista tríplice de candidatos apresentada pelas instituições. A regra também se aplica aos institutos federais de ensino e ao Colégio Dom Pedro II.  O texto estabelece ainda que os cargos de vice-reitor e diretores das universidades serão escolhidos pelo reitor. Hoje, cada instituição define o modo de escolha desses cargos, em geral, feita por votações.

“A MP possibilita a escolha de reitores sem representatividade acadêmica e coloca toda a estrutura universitária nas mãos de reitores bolsonaristas. Isso tudo é inaceitável”, diz Janine, que já se manifestou sobre o tema em redes sociais.

O texto de Bolsonaro tem o objetivo de “controlar as universidades e é um claro golpe contra a autonomia universitária”, reforça o ex-ministro.  “Com as regras antes da MP, a chance de um candidato bolsonarista ser o mais votado era próxima de zero. O bolsonarismo é muito fraco no ambiente universitário.”

Porém, um reitor escolhido politicamente, de acordo com os critérios do presidente, vai definir todos os diretores de faculdade, portanto, sua estrutura. “Imagine um reitor sem representatividade nomeando diretores de faculdades sem consultar ninguém, sem consultar a própria de faculdade. Pela MP, o reitor nomeia quem quiser.”

Na Justiça

A MP já é objeto de mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), impetrado pelo deputado Elias Vaz (PSB-GO). Por sorteio, a relatoria do caso coube à ministra Rosa Weber.

Para Janine, embora fosse importante o STF suspender o texto, em defesa da autonomia universitária, uma decisão do Legislativo seria politicamente mais significativa. Segundo o artigo 62 da Constituição, a edição de uma medida provisória deve respeitar os princípios de relevância e urgência. “O Supremo pode e acredito que, eventualmente, suspenda a vigência da MP. Mas uma ação do próprio Congresso seria a melhor solução”, diz Janine.

Em junho, o presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu pela devolução, para Bolsonaro, de MP que retirava a competência para demarcar terras indígenas do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura. Na ocasião, a MP do presidente ignorava o Congresso Nacional, que havia decidido que a demarcação era atribuição do Ministério da Justiça.

Vontade unilateral

Além da afronta aos requisitos de relevância e urgência, a regra da MP 914 viola princípio inscrito no artigo 207 da Constituição, que protege a autonomia universitária. “É um ato de vontade unilateral de Bolsonaro, ainda mais num momento muito estranho, em véspera de Natal. A medida tem um caráter de provocação”, acrescenta o ex-ministro da Educação.

Em nota, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) afirmou ver “com surpresa e preocupação a edição” das novas regras para a escolha dos dirigentes de universidades federais e institutos federais.  Segundo a entidade, “não se vislumbra” onde estariam os requisitos de relevância e urgência na MP.

A medida ignora o diálogo e a legislação sobre o tema. “A opção pelo uso de medida provisória impõe importantes regras às universidades sem diálogo com as próprias comunidades universitárias — as maiores interessadas no tema — ou com o parlamento brasileiro, que deve ser, este sim, o lugar da apreciação e deliberação das leis”, protesta a Andifes.

O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) também se manifestou sobre a MP 914.

Esta não é a primeira iniciativa do atual governo que, segundo especialistas, fere a autonomia universitária no país. O programa Future-se é outro.

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