Legislativo

Punitivismo não tem efeito positivo na segurança pública, diz Sou da Paz sobre projeto anticrime

Para Felippe Angeli, assessor da entidade, texto aprovado na Câmara, porém, apresenta avanços importantes em relação a propostas de Sergio Moro

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Presos no sistema prisional do país já ultrapassam 200 mil pessoas

São Paulo – O Instituto Sou da Paz reconhece avanços no projeto chamado “pacote anticrime” aprovado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (4), que estabelece mudanças na legislação penal brasileira, mas continua vendo com reservas alguns pontos, entre os quais a previsão de aumento de pena máxima, de 30 para 40 anos, que as pessoas podem cumprir no Brasil. “Não se trata, de forma alguma, de defender penas brandas para criminosos violentos, que praticam crimes contra a vida. Mas não julgamos que o aumento do punitivismo tenha efeito positivo sobre segurança pública. Pode, sim, ter efeito negativo na já imensa população carcerária brasileira”, diz Felippe Angeli, assessor de advocacy da entidade.

Para ele, o Direito Penal no país tem de ser pensado “como sistema”. “Crimes contra a vida têm que ser punidos de forma exemplar. No entanto, os homicidas representam apenas 10% da população prisional e muitas vezes não chegam nem a ficar presos, porque isso depende de investigação e nosso modelo de segurança pública é apoiado na ostensividade da polícia, com pouca investigação”, avalia. “A maior parte da população carcerária é formada por pequenos traficantes de drogas e pessoas que cometem crimes patrimoniais, como furtos, crimes com baixo potencial ofensivo.”

Na opinião de Angeli, o aumento da possibilidade de pena máxima pode provocar “uma corrida” no sentido de se intensificarem em geral as penas dentro do sistema. O Brasil tem 812 mil presos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desse total, 41,5% são presos provisórios. “Em vez de pensar em aumentar pena, deveríamos investir na investigação policial”, defende Angeli.

Outro ponto negativo é que o texto aprovado considera crime de tráfico de drogas (punível com reclusão de 5 a 15 anos) no caso de o acusado vender drogas a um agente policial disfarçado, o que permite flagrantes em operações especiais com agentes infiltrados. A questão é delicada, para Angeli. A prática – chamada de flagrante preparado – é proibida atualmente e é vedada por uma súmula do Supremo Tribunal Federal (n° 145).

Abusos

Por outro lado, apesar dos pontos que devem ser vistos com reservas, Angeli destaca também mudanças relevantes em relação ao que o ministro Sergio Moro pretendia. Entre eles, a retirada, do texto aprovado, do chamado excludente de ilicitude, que permitiria que agentes de segurança poderiam ser isentados de culpa se praticassem violência e abusos, inclusive matando, por “medo, surpresa ou violenta emoção”.

Outro avanço, de acordo com ele, foi o fato de o chamado plea bargain ter ficado fora. Moro queria “importar” essa previsão – muito parecida à prática da Operação Lava Jato – da legislação dos Estados Unidos. O plea bargain prevê uma negociação entre o Ministério Público, um acusado e um juiz, pela qual o acusado que assumisse culpa em um crime poderia se beneficiar com uma pena menor.

Para o assessor do Sou da Paz, o grupo de trabalho instituído pela presidência da Câmara sobre segurança pública e análise do projeto desenvolveu um “trabalho responsável”. “O próprio Rodrigo Maia (presidente da Câmara) afirmou de forma inconteste que não se tratava apenas do projeto do ministro Sergio Moro, mas também englobava o trabalho do GT instituído ainda em 2018, sob a coordenação do ministro do STF de Alexandre de Moraes”, lembra.

Para ele, o grupo de trabalho “fez o que o parlamento tem que fazer”: se debruçar sobre uma proposta inicial, ouvir a sociedade, tentar incorporar visões divergentes e fazer melhorias. O grupo de trabalho realizou diversas audiências públicas. Por isso, em sua opinião, o texto não pode ser considerado uma derrota de Moro

“Na democracia, a vontade de um ministro ou do governo não se sobrepõe à necessidade de debate parlamentar.” A prisão após condenação em segunda instância, uma das principais bandeiras do ex-juiz Moro, também ficou fora do texto aprovado. A proposta do ministro da Justiça foi retirada do projeto pelo grupo de trabalho.

O projeto, ressalta Angeli, não tem por si só condições de produzir efeitos positivos de forma global sobre segurança pública no país. Ele agora vai ao Senado. “Espero que o Senado mantenha o rito de tramitação, ouvindo a sociedade e evitando possíveis excessos”, conclui o analista.

No Twitter, Moro escreveu que “há avanços importantes” no texto votado pela Câmara. “Congratulações aos deputados. Há necessidade de algumas mudanças no texto. Continuaremos dialogando com CN (Congresso Nacional), para aprimorar o PL”, disse.

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