Eleições 2020

Ocupando a política: mulheres sem-teto lançam candidatura coletiva em São Paulo

Três integrantes do MTST disputarão uma vaga para a Câmara paulistana no ano que vem. Mandato coletivo segue anseio por renovação política e representativa da mulher negra e periférica

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Moradoras de diferentes regiões periféricas, Jussara, Débora e Tuca contam com suas perspectivas para construção de mandato coletivo

São Paulo – No Teatro Oficina, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, a voz que ecoava do palco ao público era das mulheres negras e periféricas, representadas por três coordenadoras do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST): Débora Lima, Jussara Basso e Tuca, que lançaram, na noite desta quarta-feira (11), mandato coletivo pelo Psol para a disputa por uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo, no ano que vem.

As três, mulheres negras, periféricas e militantes do movimento por moradia, querem agora ocupar um espaço na política e dar voz a quem sempre teve a fala negada, como destaca Jussara. “Há um silenciamento estrutural da mulher negra da periferia”, explica, sobre a decisão de entrar na política institucional que, no último pleito, em 2016, elegeu apenas 11 vereadoras para um total de 55 cargos. “A gente conhece todas as nossas dificuldades: de sermos ouvidas e todas as violências que sofremos nas mais diferentes esferas. Então a gente tem condições e queremos dar voz, mas não que queremos ser um canal para essas mulheres, a gente quer que elas sejam de fato ouvidas, que elas possam ter um espaço de voz”, almeja a coordenadora. 

O vereador Eduardo Suplicy (PT), o coordenador do MTST Guilherme Boulos, a fundadora do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo (USP), Jupiara Castro, e o presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros, acompanhavam junto à platéia o anúncio da chapa, que Tuca comemora. “Foi uma coisa espetacular ver a resposta que as pessoas deram quando souberam do mandato coletivo de mulheres”, celebra, sem deixar de lado os desafios, que destacam serem enormes. “Moradia, saúde e educação”, cita, entre outros.

Demandas

Com Débora à frente da ocupação Marielle Vive, na zona norte, Jussara na Vila Nova Palestina, na zona sul, e Tuca na ocupação Copa do Povo, na zona leste, a proposta é que o mandato reflita sobre as especificidades de cada uma dessas regiões que se unem por uma luta em comum, mas com demandas particulares. “Na creche a precariedade é muito grande, principalmente na região leste, em que as mães inscrevem a criança quando nasce e quando a vaga sai, a criança já está na escola. Tem a demanda por saúde também, faltam UBSs (Unidades Básicas de Saúde), mais médicos e têm poucos hospitais”, descreve Tuca.

“Na zona sul, por exemplo, você vai encontrar uma questão mais voltada para a mobilidade urbana, que já é uma luta histórica da região, no Jardim Angela, M’Boi Mirim”, acrescenta Jussara. “A gente faz uma discussão que é bastante pertinente para o espaço público e que é necessária de ser feita na Câmara Municipal. Então por isso a ideia de mulheres, dessas regiões, discutindo política e talvez ocupando uma cadeira”, defende. 

Inspiradas nos mandatos coletivos que ganharam as eleições de 2018, pela primeira vez, como o Juntas, na Assembleia Legislativa de Pernambuco, e a Bancada Ativista, para o Legislativo de São Paulo, as mulheres militantes sem-teto ainda não definiram qual delas representará o mandato oficialmente. Pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), só é reconhecida candidatura única, dando poder de voto e fala em plenário apenas aos registrados.

A luta do movimento, no entanto, não deve restringir o mandato, como destaca Jussara que, na tarde desta quarta, acompanhava na Câmara a votação do orçamento do município para 2020. “Há muito que se lutar, nós não lutamos só por aquilo que avança para nós. Nós queremos avanços para toda a periferia e a pauta da cultura neste momento é uma pauta que deve ser discutida, que deve ter mais investimentos, porque o reflexo da morte daqueles jovens também é reflexo disso, da ausência de investimentos na cultura, a falta de acesso à ela”, afirma, apontando para o massacre de Paraisópolis, ocorrido no dia 1º de dezembro, com denúncias de violência policial e ainda sem provas da versão dada pelos oficiais. “A gente precisa romper as barreiras”, diz a militante.