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Bolsonaro entrega o filho Flávio para ‘não perder os dedos’, diz jurista pela democracia

Rogério Dultra dos Santos, da ABJD, cobra respeito ao devido processo legal, mas diz que não é possível separar Queiroz do presidente

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Paralisação da investigação de esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro aparece no relatório

São Paulo – A defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) entrou com habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (19),  para tentar suspender as investigações sobre o esquema de “rachadinha” em seu gabinete na época em que era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Segundo o Ministério Público fluminense, o senador seria líder de organização criminosa responsável por desvio de dinheiro público. O ex-policial militar Fabrício Queiroz seria o operador do esquema que arrecadava parte do salários de assessores.

As investigações apontam que Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões em 483 depósitos feitos por 13 assessores ligados a Flávio. Já o senador teria lavado 2,3 milhões com imóveis e uma loja de chocolate no Rio, segundo o MP. Familiares do ex-policial Adriano Magalhães da Nóbrega teriam transferido para Queiroz cerca de R$ 203 mil, 20% dos salários recebidos. Adriano, que está foragido, é suspeito de comandar o Escritório do Crime, grupo miliciano que atua no bairro de Rio das Pedras, na Oeste do Rio de Janeiro, base eleitoral da família Bolsonaro e que teve mãe e esposa contratadas como assessora de gabinete do então deputado Flavio.

Apesar dos indícios apontados, o professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rogério Dultra dos Santos, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), diz que é preciso evitar “condenações instantâneas” e respeitar o processo legal. Ele ressalta necessidade de “cautela” em relação às acusações apresentadas pelo MP, já que fala-se muito também que o governador do Rio, Wilson Witzel (PSL), teria aparelhado as instituições de investigação, o que também alega o presidente Jair Bolsonaro, que se diz vítima de uma armação para atingi-lo.

Objetivos ideológicos

“Assim como Bolsonaro utiliza (o ministro da Justiça) Sergio Moro e a Polícia Federal para os seus objetivos ideológicos e políticos, dá mesma forma faz o Witzel. São dois modelos muito semelhantes no sentido do aparelhamento das instituições de Justiça e persecução criminal, desobedecendo completamente os protocolos legais desses espaços institucionais”, disse o professor a Marilu Cabañas e Nahama Nunes, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (20).

Contudo, tanto a postura da defesa, de requerer de imediato o habeas corpus, quanto a do próprio presidente, que declarou “não ter nada a ver com isso”, apontam para um reconhecimento implícito de culpa e de que Bolsonaro teria entregue o filho para não “perder os dedos”. Apesar do esforço, Rogério diz que não é possível apartar as relações entre Queiroz e Jair Bolsonaro, e que o caso tem potencial para enfraquecê-lo politicamente.

“Queiroz está ligado originalmente ao presidente Jair Bolsonaro. Eles são amigos desde 1984, quando Flávio tinha apenas três anos. Não adianta dizer que a relação de Queiroz com o Flávio não diz respeito ao presidente da República.” O jurista disse que “seria interessante” também investigar as relações de Queiroz com Bolsonaro pai, quando este era deputado federal. Nathália Queiroz, que foi secretária de Jair até outubro do ano passado, repassou ao pai R$ 96 mil. Ela foi funcionária fantasma da Câmara, já que atuava como personal trainer de celebridades no Rio nos mesmos dias e horários em que deveria estar em Brasília.

Outro que se enfraquece, segundo o professor, é o ministro Moro, que até o fechamento desta reportagem mantinha total silêncio sobre o caso envolvendo a família do presidente. Segundo a revista Veja, o ministro afirmou que o ano de 2019 foi bom porque “Não tivemos nenhum escândalo de corrupção no governo”. Para Rogério, o ex-juiz revela a “total subordinação” à agenda de Bolsonaro. “Moro não irá se portar como um ministro autônomo e independente. É lamentável, mas não é surpreendente. O ministério da Justiça está acéfalo, sem um comando intelectual, sem um projeto de gestão.”

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