Abaixo a ditadura

Tendência é Câmara dar resposta dura a Eduardo Bolsonaro por defesa do AI-5, diz analista do Diap

Segundo avaliação de Antônio Augusto de Queiroz e de parlamentares, caso do filho do presidente da República vai ser uma demarcação entre antes e depois

Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Repúdio à fala do filho do presidente foi generalizado no Congresso, da esquerda à direita

São Paulo – Não se pode prever o resultado do processo que deve ser aberto no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) por sua defesa de “um novo AI-5” para calar a esquerda, se ela “radicalizar”, segundo ele. Porém, a reação de alguns dos principais atores da República – como os presidentes das duas casas no Congresso – indica que o filho do presidente Jair não sairá ileso do episódio.

O silêncio do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli – de quem se cobra uma resposta à altura da que foi dada pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) – é tático. Segundo bastidores do Judiciário em Brasília, Toffoli está confortável, pois será dele o voto que porá fim à prisão após condenação em segunda instância, no julgamento que deve ser encerrado na próxima semana, e que colocará o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em liberdade antes do fim do ano.

Além disso, para Toffoli, já são suficientes, como resposta institucional do Supremo, as falas do decano da corte, Celso de Mello, ao responder de maneira dura o post em que Jair Bolsonaro se compara ao leão acossado por hienas, e do ministro Marco Aurélio Mello, o “vice-decano” do tribunal, dizendo que “os ventos estão levando os ares democráticos”, sobre a fala de Eduardo.

Indícios de que a insatisfação contra o presidente Bolsonaro e seu clã começa a popularmente tomar corpo também apontam para um fim de ano cada vez mais sombrio para os atuais ocupantes do Palácio do Planalto. Nesta quinta-feira (31), uma multidão tomou conta da rodoviária de Brasília aos gritos de “Fora Bolsonaro” (veja abaixo).

“Isso mostra que podemos estar retomando as manifestações de rua no Brasil”, diz o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) à RBA. Para ele, o caso Bolsonaro no Conselho de Ética “vai ser uma demarcação” entre antes e depois. “Porque se jogar leve, ele mantém não só as posições dele, como as suas articulações. Tem que ser uma punição exemplar.”

Para o cientista político e analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, não se pode prever se o mandato de Eduardo será cassado. “Mas a abertura do processo deve ocorrer, porque o que ele falou foi muito grave. A tendência é de que a Câmara dê uma resposta dura.”

Invocar o AI-5 significa pedir a volta da tortura, dos sequestros e de violência contra tudo o que significa direitos humanos, inscritos na Carta das Nações Unidas de 1948. Se passar no Conselho de Ética, a cassação de um deputado é aprovada com os votos de 257 dos 513 deputados.

“É preciso dar um freio de arrumação a isso”, continua Toninho. “Defender a ditadura é crime contra a ordem constitucional. Ele pode correr risco em relação ao mandato.” O analista concorda com a opinião do deputado e líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), para quem os Bolsonaro, com suas falas truculentas, “estão testando os limites das instituições”.

Espírito da Constituição

Mais do que dispositivos específicos, com a defesa de um novo AI-5, o filho do presidente ataca o espírito da Constituição de 1988 e a própria República. Na nota divulgada nesta quinta-feira, Rodrigo Maia declarou: “a apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras”. Segundo ele, “a Carta de 88 abomina, criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios”.

Já Davi Alcolumbre afirmou ser “lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato”. Os presidentes da Câmara e do Senado, de resto, sabem o que significa um AI-5: o fechamento do Congresso Nacional, uma ideia intolerável à democracia.

Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), talvez o mais próximo do presidente Rodrigo Maia entre as lideranças da oposição, afirmou que a agressão à Constituição por parte de Eduardo Bolsonaro “não vai passar em branco”.

O repúdio à defesa de uma ruptura institucional calou fundo, inclusive, em lideranças da direita na Câmara. O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), por exemplo, não se fez de rogado, na tribuna da casa, na quinta-feira: “Que investidor vai colocar dinheiro no país, se o filho do presidente da República diz que tudo bem fechar o Parlamento? Isso é o contrário do que defende o conservador”, disse.  Segundo ele, “isso não é ser de direita, isso é ser boçal”.

Confira a manifestação desta quinta-feira (31) na rodoviária de Brasília

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