Segunda instância

STF retoma nesta quarta-feira julgamento que pode libertar Lula

Relator da ação, ministro Marco Aurélio defende que a pena tenha início só após esgotados os recursos. Em jogo está o respeito à Constituição

Rosinei Coutinho/SCO/STF - Ricardo Stuckert
Rosinei Coutinho/SCO/STF - Ricardo Stuckert
STJ atropela STF ao colocar em pauta julgamento de Lula, já que Supremo ainda pode decidir pela anulação do processo diante da suspeição de Sergio Moro

Brasil de Fato – O Supremo Tribunal Federal (STF) irá retomar na manhã de quarta-feira (23) o julgamento que irá decidir se um réu condenado em segunda instância deve cumprir a pena imediatamente ou se tem direito a aguardar que todos os recursos disponíveis na Justiça se esgotem. A decisão deve ser a mais importante deste ano, pois poderá resultar na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso político desde abril do ano passado, além de outras quase cinco mil pessoas encarceradas sem condenação em definitivo. Em jogo está o inciso 57 do Artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual ” ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O ambiente político, envolvendo episódios como o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff e a posterior condenação sem provas de Lula, tem contaminado as decisões do STF e feito a opinião dos ministros variar ao longo dos anos, mas espera-se uma decisão definitiva para esta quarta.

O julgamento começou na semana passada, quando os ministros quase não falaram. A sessão foi reservada apenas para o relatório apresentado por Marco Aurélio Mello e as sustentações orais dos advogados.

Agora serão ouvidos os amicus curiae – termo em latim para “amigos da corte”, pessoa ou entidade com interesse em discussões levadas ao tribunal –, além de manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal (MPF). Após as falas, os ministros devem começar a votar.

A expectativa é de que a Corte assegure o direito de a pessoa acusada aguardar em liberdade até que se esgotem todos os recursos. O ministro Marco Aurélio Mello acredita que o placar final será 7 a 4 em favor da prerrogativa constitucional, segundo o ConJur. Outros ministros ouvidos pelo site apostam em um placar mais apertado: 6 a 5 contra a prisão em segunda instância.

Restrição de direitos

Durante a sessão da semana passada, foi ouvida a advogada da ONG Conectas Direitos Humanos, Silvia Souza. Para ela, prisões só devem ocorrer após o fim do trânsito em julgado.

“É preciso reconhecer que a restrição de direitos, sejam econômicos, sociais ou as liberdades, atinge em primeiro lugar e com muito mais força a população pobre, preta e periférica. Aqueles que pouco aqui são ouvidos e representados, haja visto eu ser a única mulher negra, a única pessoa negra a ocupar esta tribuna […] Os corpos negros estão nas valas, estão empoleirando as prisões em condições subumanas, em condições insustentáveis”, disse.

Já o advogado e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo Leonardo Sica criticou o que considerou uma confusão criada pelo STF quando a corte decidiu, em 2016, que é possível cumprir pena após condenação em segunda instância.

Segundo ele, “desde a decisão de 2016 instalou-se o caos normativo […] A pena alternativa não pode ser executada, mas a de prisão pode”. Ele condenou o fato de os ministros terem cedido à pressão da “opinião pública” em 2016. “O senso comum escreveu as piores páginas da Justiça penal”.

Ouvido durante a sessão, o jurista Lenio Streck seguiu a mesma linha, pedindo para que os ministros fizessem a “coisa certa”. “Fazer a coisa certa é julgar com responsabilidade política sem politizar o direito”.

Uma das falas mais contundentes foi a do ex-ministro da Justiça durante o governo de Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo. Para ele, os argumentos usados por quem defende a execução da pena após julgamento em segunda instância são falaciosos.

“Fosse o senso comum valer, venhamos a abolir os tribunais e vamos transformar a Justiça naquelas arenas romanas, em que o imperador dizia sim ou não. É assim que nós vamos tratar os seres humanos? Estamos em um Estado de direito e, como tal, devemos respeitá-lo”, afirmou.

Em entrevista ao Brasil de Fatoo jurista Aury Lopes Jr também contestou as justificativas dadas para apoiar a prisão em segunda instância.

“A questão é que agora temos alguém preso e que amanhã pode ser absolvido, ou a pena pode ser reduzida, podem modificar o regime, podem anular o processo inteiro e a pessoa ficou presa anos sem trânsito em julgado, sem fundamento cautelar”, diz.

Para ele, a posição em favor da prisão em segunda instância, adotada pelo Supremo em 2016, foi “absolutamente equivocada […] estão subvertendo totalmente  [o Estado de direito]”.

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