civilização contra a barbárie

Resistência na cultura ganha as luzes da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Estreia na próxima semana o maior festival de cinema da cidade, com as produções brasileiras como frente aos ataques obscurantistas. Ingressos começam a ser vendidos hoje

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Neste ano, serão 60 filmes brasileiros. Na imagem, cena de 'A Vida Invisível', do cearense Karim Aïnouz

São Paulo – Começa na quinta-feira (17) um dos maiores eventos do audiovisual brasileiro. A 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo apresenta 300 filmes inéditos até o dia 30 em 34 salas, incluindo cinemas, museus, espaços culturais, circuito SPCine e, pela primeira vez, o Teatro Municipal. Além disso, a plataforma pública de streaming SPCine Play também entra no circuito. Não por acaso, neste ano a Mostra dá grande destaque ao cinema e à cultura nacional. Os ingressos começam a ser vendidos neste sábado (12) – confira abaixo.

Desde que assumiu, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) promove ataques contra a cultura de seu próprio país. A escolha do setor como inimigo de seu projeto de poder acendeu o alerta dos milhares de trabalhadores da área, que foram obrigados a se colocar em posição de resistência. O ano não está fácil: de retirada de patrocínios históricos, como da Petrobras, a até mesmo censuras prévias para editais públicos e eventos.

Com a Mostra não foi diferente. O financiamento foi um desafio a ser superado. Entretanto, o evento já possui um grande poder de sustentabilidade, evidenciado por sua perenidade. “Esse ano é atípico no patrocínio, mas não no desejo das pessoas de assistirem cinema”, disse a presidenta do SPCine, a cineasta Laís Bodanzky. “Existem muitas dificuldades que imaginamos que nunca aconteceriam novamente, mas o cinema vai resistir”, completou.

Como explica Laís, ironicamente, um dos momentos de maior agressividade na história de um governo brasileiro contra o audiovisual vem justamente em um pico de criatividade e excelência do cinema nacional. “A crise do audiovisual não diz respeito ao setor; que vai muito bem, obrigado. A Mostra já existe há 43 anos e virão muitos mais. O que tem de ataque, o setor responde com o que tem feito de melhor. O cinema brasileiro não para de ganhar prêmios”, disse.

Ótimo momento

A fala de Laís é evidenciada pela grande e constante participação de filmes nacionais nos maiores festivais de cinema do mundo. Este ano foi arrebatador. Dois filmes brasileiros foram premiados em Cannes, na França, maior festival internacional de cinema do mundo. Bacurau (2019), de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, levou o segundo maior prêmio da competição, o do júri. E A Vida Invisível (2019), de Karim Aïnouz, levou o prestigiado “Um Certo Olhar”.

A Vida Invisível estreia em São Paulo na Mostra deste ano. O longa foi o escolhido para tentar uma vaga no Oscar de língua estrangeira pelo Brasil. Bacurau, por sua vez, já rodou o circuito nacional, com grande sucesso de bilheteria.

“O cinema brasileiro é muito querido pela população”, defende Laís. Os números reforçam a ideia. A presença de brasileiros no cinema aumenta ano a ano, incluindo para prestigiar o cinema nacional. Como dito, Bacurau foi um grande sucesso de público neste ano, ultrapassando os 600 mil pagantes. Mas grande destaque para o filme Turma da Mônica: Laços (2019), um live-action dos personagens do Maurício de Souza, que ultrapassou a marca de 1,5 milhões de espectadores no circuito comercial. No circuito público de salas de São Paulo, SPCine, o filme nacional foi o grande sucesso do ano, superando grandes produções hollywoodianas. O live-action estará na Mostra com uma sessão especial no Auditório do Ibirapuera.

Outro longa brasileiro que merece toda a atenção do público nesta mostra é o documentário Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2019). A produção dirigida pela Bárbara Paz, que estreia no Brasil durante a Mostra, foi premiado no festival de Veneza como melhor documentário da mostra Venice Class. O longa tem grande sucesso dos críticos que já tiveram a oportunidade de assisti-lo, e perpassa a história de Hector Babenco, cineasta brasileiro premiado, primeiro a ser indicado ao Oscar de melhor direção por O Beijo da Mulher Aranha (1986).

Resistência cultural

A Mostra deste ano tem número recorde de filmes brasileiros. Serão 60 longas divididos em diferentes sessões. “Realmente teve uma intenção de privilegiar o cinema nacional. A Mostra reflete o estado do mundo. Ainda bem que, neste ano, o cinema está mais forte do que nunca. Foi um ano difícil, mas nunca duvidamos do cinema brasileiro e da Mostra”, disse a curadora do evento, Renata de Almeida.

Renata afirma que foram colocados também “filmes com DNA brasileiro em destaque, como o Wasp Network (2019, de Olivier Assayas)”. O longa citado foi o escolhido para abrir a Mostra. Dirigido pelo francês Assayas, se trata de uma adaptação do livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria (2011), do escritor Fernando Morais; ele mesmo, do Blog Nocaute. Wagner Moura ainda atua na obra, ao lado de Penélope Cruz e Gael Garcia Bernal.

Esse “DNA brasileiro” também está presente na arte visual da Mostra deste ano. Para o cinéfilo “mostreiro”, cartazes e vinhetas que passam antes dos filmes são artes cultuadas. Do diretor Martin Scorsese ao artista chinês Ai WeiWei, inúmeras celebridades já assinaram esses ícones cult. Neste ano, pela primeira vez em oito edições, um brasileiro assina essa arte. Uma brasileira: a artista plástica Nina Pandolfo, que fez um trabalho delicado que, já na coletiva de abertura da mostra, que aconteceu no sábado passado (5), levou uma imensa salva de palmas dos presentes. “Vemos os elementos necessários para este momento; da natureza e da doçura”, disse Renata.


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Civilização x barbárie

Todos estes elementos apresentados levam a crer que essa Mostra tem tudo para ser diferente. “O festival é um tipo de resistência proativa aos ataques que a Cultura vem sofrendo”, comentou o secretário de Cultura de São Paulo, Alê Youssef. “Vamos defender a liberdade de expressão contra os filtros, contra a censura que existe cada vez mais em todas as áreas”, completou.

Youssef defendeu iniciativas como a de levar a Mostra para o Municipal, além das tradicionais exibições no vão livre do Masp, na Avenida Paulista, e no auditório externo do Ibirapuera. “É uma maneira contundente de apostar na civilização contra a barbárie. No pensamento contra a estupidez. Acreditar em eventos como a Mostra é acreditar em uma cidade mais modernista e menos bandeirante”, disse ironizando a ode aos bandeirantes assassinos, exploradores e escravocratas, feita pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, recentemente.

“Sempre dissemos no Baixo Augusta que, quanto pior o mundo, melhor o carnaval”, finalizou Alê, que atua no tradicional bloco paulistano.

Serviço

A Mostra começa na quinta-feira, mas os ingressos começam a ser vendidos já neste sábado (12). O preço segue o mesmo da edição anterior (R$ 24), além das inúmeras sessões gratuitas. Para os mostreiros mais aficionados, existe o passaporte integral, que dá acesso a todos os filmes, no valor de R$ 500. Já o passaporte permanente especial, que permite ao cinéfilo ver quantos filmes quiser, de segunda a sexta, está R$ 117.

Os locais de exibição e a programação completa pode ser conferida no site da Mostra.

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