Vaza Jato

Lava Jato usou provas ilícitas para pressionar futuros delatores

Novos vazamentos têm potencial para anular toda a operação. Numa das mensagens, Dallagnol deixa claro que fazia coisa errada. "Caros, sigilo total, mesmo internamente. Nem imprensa nem ninguém externo deve saber"

Rodolfo Buhrer / La Imagem/Fotoarena/Folhapress
Rodolfo Buhrer / La Imagem/Fotoarena/Folhapress
Deltan Dallgnol pediu a Diogo Mainardi que o site parasse de noticiar escândalo de offshores envolvendo o escritório de advocacia Mossack Fonseca

São Paulo – Nova reportagem da série Vaza Jato, publicada pelo portal UOL a partir de documentos recebidos anonimamente pelo The Intercept Brasil mostram que, entre 2015 e 2017, a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados prioritários – executivos de empreiteiras que cumpriam prisão preventiva, muitos deles vieram a se tornar delatores.

Mesmo alertados sobre a violação das regras, os procuradores da força-tarefa tiveram acesso a provas ilegais sobre vários dos mais importantes delatores da operação —como os então diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque, o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, além de executivos da Odebrecht, entre eles o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht.

informações obtidas por fora do canal oficial estabelecido em acordos de cooperação internacional de investigação constituem provas ilegais, podendo levar à anulação de processos.

Entre as práticas ilegais identificadas, está o acesso clandestino da Lava Jato, a partir de procuradores suíços, ao sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da Odebrecht para controlar pagamentos de propina a autoridades e políticos. Mensagens revelam que os procuradores tiveram acesso à contabilidade paralela quase um ano antes de a Lava Jato estar apta para usar formalmente os dados entregues pela Odebrecht.

Fontes ligadas à empresa, que tiveram suas identidades preservadas, relataram que a convicção de que os investigadores “escondiam cartas nas mangas” foi essencial para que parte dos 78 delatores da empreiteira decidissem firmar acordos de colaboração premiada.

A troca de mensagens entre procuradores ainda indica que Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, fez uso de prova ilícita, obtida junto a autoridades de Mônaco, no pedido de prisão de Renato Duque em março de 2015. Em novembro de 2014, primeira vez que integrantes da força-tarefa se reuniram com suíços, Dallagnol trouxe sem registro oficial um pen drive com informações bancárias de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos primeiros delatores importantes da operação.

Esses registros, corroborados pela delação de Costa, incluíam elementos essenciais para que a Lava Jato abrisse uma linha de investigação sobre a Odebrecht: a empreiteira pagou a ele US$ 23 milhões em propina através de contas de duas empresas offshore.

Mensagens privadas revelam que, meses depois, a Lava Jato pediu a um órgão do Ministério Público Federal (MPF) alteração de documento para atribuir a remessa do pendrive a canal oficial com a Suíça, simulando que as informações tiveram origem legal.

O uso de informações ilícitas chegou até mesmo a ser cogitado para pressionar o então presidente da Transpetro a fechar delação premiada. A proposta, que foi descartada, foi feita por Paulo Roberto Galvão, da Lava Jato em Curitiba. “Se é pressão que o SM está precisando, nós temos conhecimento da conta do filho dele na Suíça”, disse em 13 de abril de 2016, no chat “Conexão BSB -CWB”, ao promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes que negociava a delação de Machado. “É uma informação que não podemos usar de forma alguma, pois nos foi passada para inteligência pelos suíços. Mas acho que se for necessário vc pode dar a entender que Curitiba já tem conhecimento “de contas no exterior””, detalhou Galvão.

Em 10 de março de 2015, Dallagnol é alertado por Vladimir Aras —que comandava a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) do MPF— sobre o risco de cometer violações ao usar informações passadas por autoridades de Mônaco à revelia do DRCI. No diálogo, Dallagnol expõe o ponto central do que seria a “lavanderia de provas” que havia criado: usaria as remessas informais para sustentar o ritmo frenético de operações do começo da Lava Jato e, caso houvesse contestações ao rito, obteria as mesmas informações pelo canal oficial para legalizar as evidências.

No mesmo ano, entre 1º e 4 de dezembro, mensagens em chats privados ainda revelam que procuradores da Lava Jato tiveram reunião secreta em Curitiba com investigadores suíços. “Caros, sigilo total, mesmo internamente. Não comentem nem aqui dentro: Suíços vêm para cá semana que vem. Estarão entre 1 e 4 de dezembro, reunindo-se conosco, no prédio da frente. Nem imprensa nem ninguém externo deve saber. Orlando estará com eles todo tempo, assim como eu (que estarei fora na quarta). Vejam o que precisam da Suíça e fiquem à vontade para irem a qq tempo, ficarem nas reuniões todo o tempo que quiserem”

Leia a reportagem completa