Despedida

Entrevista histórica: Elton Medeiros e suas verdades sobre o samba

Morreu nesta quarta-feira Elton Medeiros, um dos mais importantes nomes da história do samba brasileiro. Um compositor elegante e digno de suas negras raízes

Rodrigo Queiroz/RBA
Rodrigo Queiroz/RBA
Ligação de Elton com a cultura negra é forte. É bisneto de africano e neto de escravo líder de quilombo na região de Friburgo

São Paulo – Elton Medeiros foi dos mais importantes compositores do samba brasileiro do século 20. Completaria, aliás, 90 em julho do ano que vem. Mas Elton Medeiros morreu nesta quarta-feira (4), em decorrência de complicações de uma pneumonia, e depois de meses brigando com uma saúde debilitada. Despediu-se da Terra e partiu para o céu da música um artista singular.

Certa vez, há 11 anos, Elton concedeu entrevista à Revista do Brasil. Ao repórter Tom Cardoso, dizia ser torcedor do Olaria, contava sobre sua primeira parceria com Cartola em 1964 e discorria uma memorável prosa, intitulada “Umas verdades sobre samba”.

Diz o Elton: “Em meados de 1964, eu estava na casa do Cartola e notei que ele começou a fazer coceguinha no violão. Quando ele ligou o gravador Geloso, eu entrei no embalo e quando percebi havia feito, em poucos minutos, uma música inteira com ele. A casa encheu e Renato Agostini, amigo da família e futuro proprietário do Zicartola, duvidou que a gente tivesse feito uma música em menos de 10 minutos. Desafiado, o Cartola apertou o play do gravador, mas a música não saiu. Ele tinha esquecido de apertar algum botão. Eu só me lembrava da minha parte: Sonhastes com castelo em pedras, que jamais teria… O Renato, então, provocou: Sabia, era tudo mentira de vocês. Onde já se viu compor um samba em dez minutos?”.

O compositor não deixou sem resposta uma provocação sobre o cantor e ator Tony Tornado, que na ocasião havia feito críticas à política de cotas raciais para ingresso nas universidades: “Gosto muito do Tony Tornado, mas não concordo. O sistema de cotas é uma forma de indenizar o negro pelo tempo que ele ficou impedido de entrar na escola. Até hoje, aqui na zona sul do Rio, há escolas que fazem de tudo para impedir que o negro faça parte de seu quadro de alunos. Eu sou formado em Administração de Empresas e durante todo o meu curso só tive dois colegas negros. Nem é preciso ir à faculdade. Basta ver televisão. Você já viu alguma mulher negra passando sabonete pelo corpo em um comercial?”

Tom Cardoso convida assim o que viria na entrevista:

Elton Medeiros mal deixara de usar fraldas quando Heitor dos Prazeres, amigo de seu pai, decidiu levar o garoto para conhecer Cartola, o fundador da Estação Primeira de Mangueira. Elton, apavorado, não foi. Achava que ainda era muito novo para subir o morro e visitar uma mulher – ainda mais chamada Cartola. Boa coisa não poderia ser.

Três décadas depois, o mesmo garoto, já um calejado compositor de escola de samba, e a tal “mulher”, se reuniram para compor, de improviso, duas músicas em menos de meia hora. Uma, O Sol Nascerá (“A sorrir/ Eu pretendo levar a vida/ Pois chorando/ Eu vi a mocidade/ Perdida…”), entrou para a galeria dos grandes sambas da história, a outra, por causa de um defeito no gravador, perdeu-se no tempo e jamais foi cantada.

Elton, de 78 anos, é um ranzinza bom de prosa, avesso a chatos – sua secretária eletrônica faz o possível para mantê-los longe de seu alcance. Dono de memória prodigiosa, é capaz de lembrar a cor do sapato com que Zé Kéti estreou no Teatro Opinião ou do jeito que Cartola gostava de sentar na cadeira.

De seu agradável apartamento no Leblon, no Rio de Janeiro, só sai para cantar ou para tomar vinho com o velho amigo e parceiro Paulinho da Viola – desde que ele não fume charutos. A casa de Elton, parceiro de Cartola, Carlos Cachaça, Paulinho da Viola, Paulo Vanzolini, Tom Zé e Hermínio Bello de Carvalho, é enfeitada de adereços africanos.

Sua ligação com a cultura negra é forte. É bisneto de africano e neto de escravo líder de quilombo na região de Friburgo. O pai, um pé-de-valsa dos mais elegantes, mas péssimo violonista, foi alfabetizado pela família de um ministro para quem os Medeiros trabalharam. “Então, não me venha perguntar se estou feliz com a eleição do Barack Obama. Não respondo a perguntas idiotas.”

A íntegra pode ser lida aqui.


No último dia 25 de agosto, Paulinho da Viola, um de seus mais importantes parceiros, postou no Facebook uma sucessão de capas de álbuns (galeria acima), lembrando alguns trabalhos antológicos que fizeram juntos.

Diz Paulinho: “A primeira foto mostra o único exemplar que eu tenho da capa original do LP Na Madrugada que gravei com Elton Medeiros em 1966. Esta capa foi criada pelo artista plástico Walter Wendhausen. Na última foto, é possível ver a versão lançada recentemente. Por isso o meu interesse em restaurar essa capa que não é fácil de achar”. Assim como amor catando naquele rio que passou em sua vida. Assim como parceiros como Elton Medeiros.

Após a notícia da morte do amigo, Paulinho postou mensagem em que lembra a qualidade da parceria. “Hoje é o momento de dizer adeus a um parceiro que me acompanhou desde o início. Eu tinha com Elton Medeiros uma maneira muito intituitiva de compor, eu pegava o violão e ele ia criando melodias na hora. Assim fizemos canções como Onde a dor não tem razão e Ame. É sempre doloroso se despedir de alguém tão querido, mas o Elton parte deixando uma marca na história do nosso samba e lembranças alegres em nossos corações. Vá em paz, irmão, você não será esquecido.”