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Em mais uma conduta ilegal, Moro impôs condições para homologar delações de empreiteiras

Novas conversas mostram que ex-juiz, agora ministro, ignorou a lei e interferiu diretamente nos termos de negociações. Executivos de construtoras só aceitaram falar depois de garantia da homologação

Pedro de Oliveira/ ALEP e Rovena Rosa/Abr
Pedro de Oliveira/ ALEP e Rovena Rosa/Abr
Conluio com profissionais da mídia tradicional participaram da armação do MP em Curitiba, com Moro à frente, para incriminar Lula e tirá-lo da eleição, mostra nova reportagem da Vaza Jato

São Paulo – Nova reportagem da série Vaza Jato publicadas na manhã de hoje (18) pelo jornal Folha de S. Paulo, em parceria com o The Intercept Brasil, denuncia, em mensagens privadas trocadas por procuradores da Operação Lava Jato em 2015, que o então juiz federal Sergio Moro interferiu nas negociações das delações de dois executivos da construtora Camargo Corrêa, impondo aos procuradores que só homologaria os acordos se a pena proposta aos executivos incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado. A conduta viola limites impostos pela legislação que manda juízes se manterem afastados de conversas com colaboradores.

Os diálogos revelam também que a interferência do juiz causou incômodo entre os integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba. No dia 23 de fevereiro de 2015, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, escreveu ao colega Carlos Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações com a Camargo Corrêa, para sugerir que consultasse Moro para consultá-lo sobre as penas a serem propostas aos delatores. “A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos”, disse Deltan.

As mensagens indicam que Deltan temia, além da reação do juiz, que a imagem da Lava Jato sofresse danos se os benefícios concedidos aos executivos fossem vistos pela opinião pública como excessivos.

“O procedimento de delação virou um caos”, disse Carlos Fernando ao responder à mensagem de Deltan. “O que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a platéia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente”, acrescentou.

A opinião de Moro foi respeitada. Com a assinatura dos acordos, dois dias depois, ficou acertado que os dois executivos da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e Eduardo Leite, que estavam presos em Curitiba em caráter preventivo havia quatro meses, sairiam da cadeia com tornozeleiras e ficariam mais um ano trancados em casa.

Foi a primeira vez que executivos de uma das maiores empreiteiras do país admitiram a prática de corrupção, abrindo caminho para que outros fizessem o mesmo nos meses seguintes. A Odebrecht e a Andrade Gutierrez decidiram colaborar com a Lava Jato em 2016.

A reportagem ouviu advogados que acompanharam as negociações com a Camargo Corrêa e seus executivos nessa época. Todos afirmaram não haver dúvida de que Moro ignorou os limites da lei ao impor pena mínima como condição para homologar os acordos dos delatores. Os advogados consultados disseram que dificilmente os executivos da Camargo Corrêa teriam aceitado cooperar com a Lava Jato sem ter alguma garantia de que os acordos receberiam o aval do juiz, segurança que só foi possível obter com as conversas que os procuradores tiveram com Moro durante as negociações.

Em julho de 2015, Moro condenou Avancini e Leite a 16 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, num processo que tratava da corrupção na Petrobras. Graças aos benefícios obtidos com a delação, cumpriram um ano de prisão domiciliar em regime fechado e mais dois em regime semiaberto, com recolhimento obrigatório à noite e nos finais de semana.

Sistemático

As mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept indicam que, com o tempo, a interferência do juiz passou a ser vista com naturalidade pelos procuradores. Seis meses depois, quando um terceiro executivo da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler, fechou acordo de delação premiada e era preciso decidir em que instância ele seria submetido a homologação, Deltan consultou Moro. “Vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância”, disse o procurador.

Moro respondeu que era indiferente à questão, mas queria saber os termos do acordo com o empreiteiro mesmo assim. “Para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condicoes e ganhos?”, perguntou ao chefe da força-tarefa no Telegram. “Vou checar e eu ou alguém informa”, respondeu Deltan.

As mensagens são reproduzidas exatamente como aparecem nos arquivos obtidos pelo Intercept, com eventuais erros de digitação e normas da língua portuguesa.

Retorno

Em resposta à reportagem, o agora ministro da Justiça Sergio Moro afirmou que não participou das negociações de nenhum acordo de colaboração premiada na época em que foi o juiz responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Paraná, de 2014 a 2018. “Enquanto juiz, não houve participação na negociação de qualquer acordo de colaboração”, diz nota enviada por sua assessoria.

A nota acrescenta outra declaração do ministro: “Cabe ao juiz, pela lei, homologar ou não acordos de colaboração. Pela lei, o juiz pode recusar homologação a acordos que não se justifiquem, sendo possível considerar a desproporcionalidade entre colaboração e benefícios.”

No Brasil, a Lei 12.850, de 2013, define como papel do juiz após a assinatura dos acordos de colaboração “verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade”. Não há menção na lei à análise sugerida por Moro como condição para homologação das delações.


Leia a íntegra da reportagem da Folha de S.Paulo e da reprodução dos diálogos

 

FSP/reprodução

Trecho dos diálogos reproduzidos pela reportagem da Folha

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